Uma nomeação de surpresa
A nomeação de Kaúlza de Arriaga para comandante da Região Militar de Moçambique surpreendeu o comandante-chefe das Forças Armadas de Moçambique, o general António Augusto dos Santos, de quem Kaúlza ficaria subordinado e o governador-geral, Baltazar Rebelo de Sousa, com quem o comandante das forças do Exército devia cooperar intimamente.
Um general político
Kaúlza de Arriaga era um dos generais mais intimamente ligado aos corredores da política do regime, tendo sido ajudante-de-campo e chefe de gabinete do ministro da Defesa, Santos Costa, por ele apontado para subsecretário da Aeronáutica, quando a nova arma se tornou um ramo independente das Forças Armadas. Fora um dos principais responsáveis pela derrota do golpe Botelho Moniz e pela manutenção de Salazar na presidência do Governo. Era então presidente da Junta de Energia Nuclear e professor de Estratégia dos cursos de promoção a general do Instituto de Altos Estudos Militares. Nunca tinha comandado tropas em operações.
Ou Kaúlza quis ir, ou Marcelo Caetano se queria ver livre dele!
Augusto dos Santos tem a opinião de que Marcelo Caetano queria ver-se livre da influência de Kaúlza na Metrópole e que por isso o enviou para Moçambique. Ou então Kaúlza entendeu que era importante para a realização das suas ambições ocupar um posto de comando de tropas em operações. Dos seus competidores em termos de futuro político, Spínola encontrava-se já na Guiné e Costa Gomes já tinha ultrapassado a sua ligação ao golpe Botelho Moniz com o comando operacional das forças do Exército precisamente em Moçambique.
Baltazar Rebelo de Sousa, por sua vez, pediu a Marcelo Caetano para manter o general Augusto dos Santos como comandante-chefe em Moçambique, sugerindo que Kaúlza seria excelente em Angola.
Todas as diligências foram infrutíferas. Kaúlza foi nomeado comandante da Região Militar de Moçambique (forças do Exército), destinado a substituir Augusto dos Santos como comandante-chefe no início do ano seguinte.
António Augusto dos Santos
António Augusto dos Santos foi seguramente o general da sensatez, da serenidade na análise e na acção. Foi também o general que melhor conheceu Moçambique e que melhores respostas encontrou para a guerra. Criticou a estratégia de violência do seu antecessor, o general Carrasco, porque a violência acaba sempre por ser contra as populações e estas tendem a apoiar os guerrilheiros, achava que os serviços de informações tinham tendência para exagerar os perigos e dava-se por satisfeito se as autoridades administrativas tratassem das populações de modo a não serem uma base de fornecimento de guerrilheiros. Entendia que a guerra era de todos, por isso não quis as milícias e os grupos especiais debaixo da autoridade militar. Para ele essas forças eram como uma guarda, um assunto da administração civil. Era contra as grandes operações, porque envolviam muita gente e muitos meios e tinham sempre resultados muito reduzidos. Tinha a ideia, que transmitiu a Marcelo Caetano, que não se podia ganhar uma guerra daquelas enquanto os países limítrofes fornecessem bases aos guerrilheiros. Por isso, a sua ideia de manobra foi a de restringir a guerra às zonas de fronteira. Isto é, defender o mais à frente possível.
Augusto dos Santos e Costa Gomes
Costa Gomes foi adjunto operacional de Augusto dos Santos (Costa Gomes foi 2º comandante da Região Militar quando Augusto dos Santos fora adjunto operacional do governador e comandante-chefe, Costa Almeida). Eram ambos transmontanos, tinham grande respeito e consideração mútua e partilhavam os conceitos de manobra. A manobra de Augusto dos Santos era a da contra-penetração, colocando unidades nos corredores de infiltração para barrar esses eixos. Costa Gomes fará o mesmo em Angola sobre a Rota Agostinho Neto.
Augusto dos Santos e Kaúlza de Arriaga
Para Augusto dos Santos a primeira prioridade era atrair as populações e manter a sua segurança com pequenas e médias operações. Para Kaúlza o objectivo era aniquilar o inimigo, através de grandes operações.
As regiões prioritárias para Augusto dos Santos eram o Niassa e Tete. O Niassa porque permitia a passagem para Tete; e ambas porque eram as regiões onde o inimigo era mais fraco e, por isso, mais facilmente controlável.
Era a estratégia de atacar o inimigo enquanto ele é fraco, evitar a guerra, ou mantê-la ao mais baixo nível. Kaúlza de Arriaga, por sua vez, elegeu Cabo Delgado, onde a FRELIMO estava mais fortemente implantada, como a sua prioridade. Escolheu atacar o ponto forte do adversário e atirar, como mais tarde se resumiu, uma pedrada ao vespeiro.
O resultado
Quando Augusto dos Santos saiu de Moçambique, em Maio de 1970, a actividade militar da FRELIMO estava limitada ao Norte do rio Lúrio, a situação estava controlada no Niassa e havia muito pouca actividade na zona de Tete. Com a acção de Kaúlza de Arriaga, sabe-se o que aconteceu.
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