Vietname
Até ao denominado incidente do golfo de Tonquim do ano anterior, a função dos efectivos norte-americanos limitava-se, oficialmente, a assessorar e treinar as tropas do Vietname do Sul e a guardar as instalações próprias que mantinham no país. Mas, a partir de 1965, os Estados Unidos acharam que deviam tentar invertero sentido da guerra, com o objectivo de obrigar o Vietname do Norte a negociar a paz e a retirar-se do Sul. A escalada militar norte-americana iniciou-se a 7 de Fevereiro com bombardeamentos selectivos sobre o Vietname do Norte, que afectaram centros militares e vias de comunicação. Os ataques intensificaram-se a partir de 2 de Março com o início da operação Rolling Thunder, destinada a destruir as comunicações e indústrias do Norte e impedir que tivessem capacidade de ajudar o Vietcong. Essa operação de castigo estender-se-ia por três anos e nove meses, sendo utilizadas com regularidade bombas de napalm. Em 7 de Abril o presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, depois de mais de um mês de bombardeamentos, afirmou que o seu país estava disposto a negociar sem condições o fim do conflito e prometia, além disso, ajudas no valor de mil milhões de dólares para o desenvolvimento do Sudeste asiático. Mas, uma semana mais tarde, o Governo de Hanói recusou qualquer acordo de paz. Em 8 de Março tinham desembarcado em Da Nang 3.500 marines e a sua chegada foi iludida pelos porta-vozes oficiais do Pentágono, que pretenderam fazer crer que apenas tinham a missão de proteger a base aérea próxima. Mas, como se viu semanas depois, a sua função era operacional e a sua intervenção mais destacada ocorreu durante a Operação Starlite: uma acção combinada das forças navais e aéreas, entre 18 e 23 de Agosto, próximo de Van Tuong, onde destruíram um regimento do Vietcong que se acreditou ter capacidade de actuar como um exército regular em combate aberto, em lugar de fazê-lo como uma força guerrilheira.
Reforço da acção norte-americana
Contudo, a principal novidade militar ensaiada por Washington foi a entrada em funcionamento da 1ª Divisão de Cavalaria Aérea: uma unidade equipada com 480 helicópteros e aviões ligeiros, capazes de operar em pistas de reduzidas dimensões. Tinha sido criada em Julho e chegou ao Vietname em Setembro. Com ela, os norte-americanos conseguiram, inicialmente, sonantes vitórias, como em Plei Me, quando os vietnamitas atacaram uma base militar conjunta de tropas especiais norte-americanas e do Exército do Vietname do Sul. O assalto comunista foi repelido pela cavalaria aerotransportada graças ao potencial de fogo dos helicanhões. O mesmo sucedeu de 22 a 24 de Novembro, quando efectivos da mesma unidade enfrentaram tropas comunistas que tinham atacado Pleiku e o acampamento de Plei Me. Em 10 minutos chegaram ao teatro de operações e, depois de dois dias de ferozes combates, puseram em fuga os atacantes. Mas o seu combate mais decisivo ocorreu em Valle de la Drang, em 14 de Novembro, quando esta unidade enfrentou dois regimentos inimigos, que derrotou. Estas vitórias iniciais fizeram nascer em Washington a esperança de uma rápida vitória final.
Mas o Vietcong aprendeu com a derrota: passou a atacar o inimigo a curta distância, evitando que os norte-americanos pudessem empregar a Artilharia para causar-lhes baixas; raramente voltou a lançar grandes unidades contra posições fixas, onde o diferente potencial de fogo favorecia os defensores; e, desde então evitou, quase sempre, os combates convencionais.
A escalada militar norte-americana necessitava de estabilidade governamental em Raigun, mas desde a destituição e execução do presidente Ngo Dinh Diem, em 1963, mediante um golpe de Estado orquestrado por Washington, o país viveu em permanente crise. De facto, em 27 de Janeiro de 1965, um golpe de Estado destituiu o Governo de Tran Van Huong e colocou no poder o general Nguyen Khanh que, por sua vez, seria afastado depois de um novo levantamento militar do general Tran Van Minh e, finalmente, em 14 de Junho, outra revolta, bem vista por Washington, colocou na chefia do Estado o general do Exército Nguyen Van Thies e, na presidência do Governo, o general da Força Aérea Nguyen Cao Ky. Então Van Thies pediu a intervenção directa dos Estados Unidos na guerra, suprimindo, ao mesmo tempo, todas as liberdades públicas. Garantida a estabilidade governamental, e a submissão à política americana, os Estados Unidos trataram de desenvolver a sua política de destruição sistemática do Vietname do Norte para que abandonasse a sua pretensão de unificar o país debaixo da sua hegemonia. Mas os desejos de Washington tiveram dois grandes handicaps: a força do Vietcong, apoiada pelo Vietname do Norte, Pequim e pela URSS e a oposição da opinião pública mundial.
Estados Unidos – frente interna
A frente interna também não se apresentava aprazível para o Governo dos Estados Unidos, já que a mobilização da sua opinião pública contra a guerra foi crescendo gradualmente ao longo de todo o ano, em grande parte porque naquela época o serviço militar era obrigatório. Em Abril, 1500 estudantes participaram, em Washington, numa marcha contra a guerra e, a partir de Maio, a contestação universitária foi-se estendendo a todos os campus até ao ponto de o presidente Johnson, em 31 de Agosto, ter sido obrigado a aprovar uma lei que penalizava a destruição das convocatórias militares. O primeiro incriminado foi o trabalhador social David Miller que, em 15 de Outubro, no decorrer de uma manifestação contra a guerra, queimou a sua carta de mobilização e foi detido pelo FBI. Contudo, os protestos contra a guerra generalizaram-se por todo o planeta. Em 16 de Outubro houve manifestações em mais de quarenta cidades norte-americanas e em muitas europeias: Roma, Londres, Bruxelas, Estocolmo e Copenhaga, entre outras; em 27 de Novembro 35 000 manifestantes rodearam a Casa Branca e realizaram depois um acto político perante o monumento a George Washington. A propaganda oficial e as agências de informações federais apresentaram o movimento pacifista como teledirigido por Moscovo, o que não só não era verdade como o pacifismo também era considerado pelo bloco soviético como potencialmente perigoso, considerando também subversiva a filosofia hippie do “make love not war”.
Guerra indo-paquistanesa
Outro factor de tensão mundial foi a eclosão da segunda guerra indo-paquistanesa. O conflito foi iniciado pelo regime de Islamabad que, desde a época da administração Truman, tinha assinado acordos de cooperação económica e militar com Washington, sendo a contrapartida o acesso dos Estados Unidos às fronteiras asiáticas da URSS. Islamabad, que com a ajuda norte-americana tinha reforçado o seu Exército, ocupou Cachemira, região situada entre o Paquistão e a Índia disputada pelos dois países. O Governo paquistanês entendeu que era o momento propício, em virtude do vazio de poder instalado em Nova Deli, em consequência da profunda crise derivada da derrota na guerra com a China por causa das fronteiras dos Himalaias (1962) e também por causa da morte de Jawaharlal Nehru, que tinha guiado os destinos da Índia desde a sua independência. Os incidentes armados iniciaram-se em 9 de Abril na região fronteiriça de Kus e, depois de várias violações da fronteira comum desde finais de Agosto, em 4 de Setembro o Conselho de Segurança da ONU estabeleceu um plano de paz baseado na retirada das tropas dos territórios ocupados, no regresso às fronteiras iniciais e no estabelecimento dum cessar-fogo que seria aceite pelos dois países em 22 de Setembro.
Argélia
O Magrebe também foi um palco de tensão regional e bipolar. Na Argélia, em 18 de Junho, o presidente Ahmed Ben Bella foi preso pela polícia militar na sua residência Villa Joly, sendo substituído por um Conselho da Revolução presidido pelo seu ministro da Defesa, o coronel Houari Boumedienne. Depois da sua queda, Ben Bella foi acusado de alta traição e houve um tremendo debate entre os golpistas sobre o destino do prisioneiro. Finalmente ficou encarcerado numa zona remotíssima durante 14 anos e, paradoxalmente, quem conseguiu salvar-lhe a vida foi Boumedienne. Uma das razões da sua queda foi o facto de ter conseguido um acordo com a Oposição marroquina dirigida por Mehdi Ben Barka, líder da União Nacional de Forças Populares (UNFP), para que a Argélia e Marrocos explorassem conjuntamente os filões de ferro em Gara Djebilet, evitando assim novos confrontos como os que tinham conduzido à guerra em 1963. Ben Barka tinha-se mostrado contrário à guerra, razão por que tinha sido julgado à revelia em Marrocos e condenado à morte pelo crime de traição à pátria, tendo que se exilar. Em 1965, Ben Barka era presidente da comissão organizadora da Conferência Tricontinental que se iria celebrar em Havana no ano seguinte, mas o rei de Marrocos, Hassan II, considerava que os seus trabalhos, juntamente com os da clandestina UNFP, que Barka dirigia, enfraqueciam a monarquia. Marrocos vivia nesta época numa grande instabilidade, pelo que Hassan II, em Junho, decretou o estado de excepção, dissolveu o Parlamento e assumiu poderes executivos designando um novo Governo, em que o ministro da Justiça era o mesmo que tinha presidido ao tribunal que tinha condenado à morte o chefe opositor Ben Barka, e o ministro do Interior, o general Mohammed Ufkir, era quem, sendo chefe da Polícia, já tinha tentado assassiná-lo em 1962. Finalmente Ben Barka seria sequestrado em Paris, em 29 de Outubro de 1965, por polícias franceses e marroquinos, que o encerraram num chalet nos arredores da capital onde foi torturado até à morte. Dos testemunhos de agentes que participaram no crime depreende-se que o seu cadáver foi trasladado para o centro de detenção de Dar Al-Muqri (Rabat) onde poderia ter sido dissolvido numa caldeira de ácido. O crime ficou impune apesar das evidências que comprometiam o Eliseu e o próprio Hassan II.
Indonésia
Contudo, o golpe de Estado mais sangrento deste período ocorreu em 30 de Setembro na Indonésia, quando o coronel Untung, chefe da guarda do presi-dente Ahmed Sukarno, deu um golpe de Estado de carácter esquerdista apoiado em oficiais subalternos. Nesse mesmo dia, e sob o comando dos generais Nasution e Suharto, ocorreu o contragolpe que derrotou as forças de Untung. Estes receberam imediatamente o apoio dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e dos Países Baixos, sua ex-metrópole, e também de Portugal. Em Lisboa sentia-se apreensão pelo radicalismo da política indonésia, especialmente do ministro dos Negócios Estrangeiros, Subandrio, que era considerado capaz de desencadear sobre Timor uma manobra similar à realizada por Nehru no Estado Português da Índia. De facto, o Executivo salazarista já ficara alarmado em 1 de Janeiro, quando o Governo de Jacarta cortou relações diplomáticas com Portugal e, nos meses seguintes, foram ganhando força os rumores sobre um iminente ataque a Timor. Por isso soube-se em Portugal, com satisfação, do triunfo dos generais anticomunistas. Uma vez consolidado a Orde Baru (Nova Ordem), o Governo de Jacarta esqueceu Timor, já que o mais importante para os generais golpistas era extirpar o “comunismo da Indonésia”, o que só foi conseguido com uma brutal repressão que custou, no mínimo, a vida a 600 000 pessoas.
O Congo
Outro país que possuía fronteiras com as colónias portuguesas e que estava submerso numa profunda crise era o Congo-Leopoldville. A sua situação agravou-se a partir de Janeiro. A Bélgica quis envolver a NATO na sua estabilização e assim o expôs numa reunião em Paris. Portugal concordou em apoiar o Governo de Tshombé, mas nesta época já não havia um ambiente favorável a outra intervenção no Congo das tropas internacionais. A debilidade das autoridades civis fez com que o exército regular conspirasse para tomar o poder. Tshombé, debilitado pela perda de confiança do presidente Kasavubu, iniciou então um périplo por diversos países africanos e europeus procurando apoios para a sua causa. Pela sua parte, o Governo português seguia atentamente esta evolução política, pois receava que a saída do primeiro-ministro, seu aliado, que tinha contido a FNLA/GRAE, acelerasse a guerra em Angola. Contudo, em Maio, Tchombé negociou em Lisboa um crédito de 12 milhões de dólares para comprar armamento e, no princípio de Junho, por seu lado, na sua passagem por Bruxelas, encontrou-se com pessoas do Governo e da política belga, assim como com o embaixador português, Eduardo Leitão, que o informou que se preparava um golpe de Estado para destituí-lo. O líder catanguês passou depois pela França onde De Gaulle também lhe ofereceu ajuda financeira e militar e, finalmente, passou secretamente por Lisboa onde teve um encontro com Salazar, que lhe prometeu a continuação do apoio que lhe vinha sendo prestado. Mas a entrevista com o ditador português foi imediatamente conhecida e publicitada pela imprensa internacional, aumentando assim o desprestígio do líder africano, ao procurar apoios num Governo colonialista. Finalmente, em 13 de Outubro, o presidente Kasavubu substituiu-o por Evaristo Kimba mas, em 25 de Novembro, o coronel Mobutu deu um golpe de Estado e, depois de demitir o novo primeiro-ministro e o presidente Kasavubu, estabeleceu um Governo autoritário, corrupto e centralista.
Senegal e Congo Brazzaville
Outros países africanos com fronteiras com as colónias portuguesas ignoraram os esforços de Lisboa. Especialmente preocupante era a situação na Guiné-Bissau pelo que Lisboa procurou estabelecer laços políticos com o Governo moderado do Senegal, mas este país, em Janeiro e Fevereiro, longe de propiciá-los, protestou perante a ONU por diversos incidentes armados desencadeados dentro das suas fronteiras por tropas portuguesas. Invocando os mesmos incidentes expressou-se o Governo do Congo-Brazzaville em Dezembro. O Conselho de Segurança acabou por se reunir em 14 de Maio e condenou de forma categórica a atitude de Lisboa e, relegando o pedido do representante português, negou-se a nomear uma comissão tripartida para investigar os incidentes, concedendo plena veracidade à denúncia do Governo de Dacar.
Malawi
No Malawi, no principio de 1965, havia milhares de refugiados moçambicanos em vários campos: Likoma Island, Mlanje e Cholo e neles a presença da FRELIMO era importante e, para além disso, utilizava esse país para realizar acções contra Moçambique. Por isso, durante o ano de 1964 e princípio de 1965, as tropas portuguesas penetraram no seu território em perseguição de guerrilheiros e, perante a capacidade de desestabilização que tinham essas acções, o presidente Hastings Banda procurou uma solução junto de Lisboa através do agente secreto português Jorge Jardim, cônsul do Malawi na Beira, e que foi capaz de estabelecer uma relação permanente e discreta que passava por receber ajuda e cooperação portuguesa a troco de não permitir o uso do seu território como retaguarda da FRELIMO. Este entendimento com o poder colonial e a não africanização da administraçãodo Estado malawiano criou problemas no seio do próprio Executivo, sendo demitidos vários membros. O líder dos contestatários foi Henri Chimpembere que, em Fevereiro desencadeou um golpe de Estado contra Banda, a cargo de um grupo de uns 200 dos seus partidários, armados e treinados com apoio da Tanzânia, que atacaram Fort Johnston, tendo ocorrido sangrentos distúrbios noutras povoações. Mas Banda, com o apoio de Portugal, apoio que aliás continuaria até 1974, recuperou o poder e Chimpembere conseguiu refúgio nos Estados Unidos. Desde essa época Banda e Salazar mantiveram uma correspondência regular para acordarem sobre actuações regionais, especialmente quando se tornou claro que a Rodésia procurava estabelecer um Governo racista branco independente da Grã-Bretanha.
Rodésia
A Rodésia do Sul foi outro foco de atenção destacado da diplomacia portuguesa. De
facto, embora o território continuasse formalmente sob administração britânica, era governado por uma minoria branca, embora o Executivo de Londres, presidido pelo trabalhista Harold Wilson, procurasse, desde a sua vitória eleitoral de Outubro de 1964, que o território seguisse o mesmo caminho que a Zâmbia e o Malawi, acedendo a maioria negra ao poder. Mas o primeiro-ministro de Salisbúria, Ian Smith, que sempre tinha desejado imitar o regime sul-africano, foi preparando a independência unilateral para permitir que os colonos acedessem ao monopólio do poder. Perante esta eventualidade, Londres pressionou Lisboa para que não colaborasse com Smith, mas o regime português necessitava de aliados nas suas fronteiras coloniais e por isso permitiu que em Agosto chegasse a Lisboa o embaixador rodesiano Reedman, enquanto o português João Freitas da Cruz apresentava também as suas cartas credenciais em Salisbúria, fazendo com que as relações entre Londres e Lisboa se ressentissem gravemente. Para que a Rodésia não declarasse a independência unilateral, Londres ameaçou levar a questão à ONU, no sentido de esta se decidir pelas medidas mais adequadas para impor a sua autoridade, dispondo de uma panóplia de opções desde uma intervenção armada até à imposição de sanções económicas, contando, para além disso, com o apoio da Zâmbia. Perante esta eventualidade, Portugal tranquilizou as autoridades de Salisbúria, informando que Portugal aplicaria o boicote ferroviário contra este país, no caso de ele se transformar em base de agressão contra a Rodésia. A situação da Rodésia acabou por ser discutida na Assembleia Geral da ONU, que em 12 de Outubro aprovou uma resolução condenando qualquer tentativa de proclamação unilateral de independência por parte da minoria branca. Também ficou estabelecido que um Governo baseado na discriminação racial era contrário ao direito internacional e à carta da ONU, pelo que se pedia a Londres que utilizasse todos os meios disponíveis para impedir a secessão do território debaixo daquelas premissas. A resolução contou com o apoio de 109 países e com os votos contrários de Portugal e da África do Sul. Uma nova resolução de 5 de Novembro voltou a condenar a Rodésia, Portugal e a África do Sul por ser a sua política racista um perigo para a humanidade e exortando todos os países para que se negassem a colaborar com a Rodésia. Para além disso incitava a Grã-Bretanha a empregar a força se não restasse outro recurso. Essa resolução foi recusada por 27 países, entre eles os Estados Unidos, com o seu direito de veto, o que descansou o salazarismo, já que, em caso de ataque à Rodésia, as tropas deviam passar forçosamente por Moçambique, facto que os respectivos efectivos, sob mandato do ONU, poderiam aproveitar a ocasião para desestabilizar também o território e debilitar o Governo português, que no fundo também não cumpria as resoluções da ONU. Em 11 de Novembro Ian Smith proclamou a secessão branca, o que levou a ONU a aprovar outra resolução exigindo à Grã-Bretanha que fizesse os rebeldes cumprirem as suas resoluções anteriores. Finalmente, em 22 de Novembro, o Conselho de Segurança decretou o isolamento político, a imposição de sanções económicas e o embargo de petróleo, gasolina e outros combustíveis à Rodésia. Estas medidas, que deviam ser aplicadas por todos os membros da ONU a partir de 17 de Dezembro, afectaram especialmente a Zâmbia porque o petróleo lhe chegava a partir do porto da Beira passando pela Rodésia, pelo que se viu obrigada a solicitar facilidades a Portugal para que, no caso de ocorrer um bloqueio naval, pudesse abastecer-se de combustíveis e de outros produtos através do caminho-de-ferro de Benguela (Angola). Por isso, o presidente Kaunda escreveu a Salazar nas vésperas do Natal solicitando-lhe ajuda para que o seu país não ficasse sem abastecimentos. Era uma prova de realismo da política zambiana, já que, sem saídas para o mar e dependendo das comunicações rodoviárias portuguesas não tinha outra opção. De facto, assumindo essa fatalidade geopolítica, Kaunda, em Fevereiro desse ano, já tinha proibido às organizações nacionalistas das colónias portuguesas, radicadas no seu país qualquer actividade política fora da capital e, evidentemente, proibiu actividades armadas a partir das suas fronteiras.
Oposição internacional à política portuguesa
Para além da questão rodesiana, Portugal estava em choque com a comunidade internacional pela própria manutenção do sistema colonial. Logo em Janeiro de 1965, o Secretariado Permanente do Comité de Solidariedade Afro-Asiático condenou a ocupação colonial portuguesa. Em Março o Governo tanzaniano proibiu as trocas comerciais com Portugal, naquilo que não passava de um gesto político, já que as relações eram nulas. Mas a Tanzânia seguia as indicações da OUA de isolar o Governo português até que mudasse de política. Essa orientação esteve também presente no Seminário Económico Afro-Asiático iniciado em Argel, onde delegados de 40 países aprovaram uma moção que testemunhava a vontade de apoiar os movimentos de libertação que lutavam contra o colonialismo luso. Também foi decidido o mesmo na IV Conferência de Solidariedade dos Povos Afro-Asiáticos realizada no Gana, a partir de 9 de Maio, e na Comissão de Descolonização da ONU reunida em Junho em Dar es Salam que, para além disso, aprovou uma resolução favorável à descolonização portuguesa, e em que também se apelava à NATO para que deixasse de colaborar no apetrechamento militar do seu Exército. Também por esta altura, a 49ª Conferência da Organização Internacional do Trabalho, reunida em Genebra, aprovou uma moção responsabilizando o Governo português por continuar com práticas de trabalho escravo nos territórios sob a sua administração. Em Agosto o Congo Brazzaville decidiu cortar as suas relações diplomáticas com Portugal, não só pelo próprio diferendo colonial, como pelas agressões de que estava a ser vítima das tropas portuguesas. Tratava-se, mais uma vez, de um gesto de alto valor simbólico e político. Como também o foi o facto de, em Setembro, na reunião da Organização Mundial de Saúde, realizada em Genebra, os países afro-asiáticos quererem expulsar Portugal, o que só não se concretizou pela oposição de um sector dos países membros. Idêntica posição se verificou na reunião de chefes de Estado, de Governo e de ministros dos Negócios Estrangeiros da OUA, realizada em Acra em 21 de Outubro, onde, para além de ter sido condenada a obstinação portuguesa de se agarrar à dominação das suas colónias, se pedia aos movimentos de libertação que se esforçassem por intensificar a sua actividade militar.
Aliados do regime português
Mas, à margem das opções do movimento afro-asiático e dos países comunistas, Portugal tinha sólidos aliados no Ocidente que permitiram que a ditadura continuasse com a sua política de dominação. Assim ficou evidente em 21 de Dezembro, quando o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma nova resolução condenatória e se abstiveram a França, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Ficava assim evidente que os países ocidentais com direito de veto não queriam passar da condenação simbólica a efectiva e debilitar o país que consideravam um apoio fundamental na luta contra o comunismo.
Movimentos de libertação
Em relação aos movimentos de libertação, e no ano de 1965, teve uma grande importância a II Conferência da CONCP, que se realizou entre 3 e 8 de Outubro em Dar es Salam, com representantes do MPLA, do PAIGC, da FRELIMO e do CLSTP. No seu discurso, Amílcar Cabral pediu a abertura da quarta frente de combate em alusão a Portugal, tentando que a máquina de guerra portuguesa fosse boicotada, já que também estava representada a Oposição portuguesa, através da FPLN. À cimeira assistiram, entre outras, as delegações da China, da Jugoslávia, de Cuba, da República Democrática da Alemanha e da URSS, o que punha em evidência a grande aproximação dos movimentos de libertação aos países comunistas que sustentavam, de forma maioritária, a sua luta de libertação.
MPLA
A Guerra Colonial abrandou em Angola e progrediu na Guiné e em Moçambique. Em 1 de Janeiro de 1965, Che Guevara chegou ao Congo-Brazzaville tendo-se encontrado com a direcção do MPLA e, mais demoradamente, com Agostinho Neto e Lúcio Lara. Estes pediram-lhe ajuda para instruir as unidades guerrilheiras que intervinham na frente de Cabinda e para preparar a entrada de colunas em Angola que reforçassem a I Região Militar em Nambuangongo-Dembos. Os cubanos enviaram primeiro um contingente de seis militares que se estabeleceram em Cabinda sob o comando de Rafael Moracen e outro grupo, com 250 homens, sob o comando de Jorge Risquet, ficou no Congo para organizar a segurança do regime de Massemba Debat e ajudar o MPLA a cruzar a fronteira do Congo-Leopoldville.
A OUA, também em Janeiro, decidiu apoiar o MPLA dando-lhe um terço do orçamento destinado a Angola. Igualmente a URSS, depois de ter suspendido durante o período anterior a maior parte da ajuda que prestava ao partido de Neto, aumentou-a de forma significativa. O MPLA, graças ao reforço dos seus apoios, exacerbou a sua rivalidade com a FNLA/GRAE, à medida que aumentaram as divergências internas entre os apoiantes de Roberto.
FNLA/GRAE
O cisma mais importante ocorrido no partido de Holden Roberto, e que acabou por enterrar o seu prestígio, ocorreu em Maio, quando Alexandre Taty, ministro do Armamento do GRAE, tentou dar um golpe de Estado para substituir a organização por uma Junta Militar, com vista a unificar as diversas organizações angolanas antiportuguesas, reorganizar o Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA) e incrementar a luta armada. Mas Kasavubu e Tchombé apoiaram Holden Roberto, e Taty teve que fugir e refugiar-se com os seus na base próxima do monte Chibute, no Congo Brazzaville, mas em Setembro entregou-se, com mais de 600 guerrilheiros, às autoridades portuguesas em Massabi (Cabinda). Com os seus homens e com o acordo português organizou a Junta Militar de Angola no Exílio, até que em Dezembro, e de acordo com a PIDE, constituíram as Tropas Especiais (TE) que passaram a actuar como contraguerrilha em Cabinda, de onde Taty era originário, estendendo a sua acção à região de Nóqui e Maquela do Zombo, na fronteira entre Angola e o Congo-Leopoldville, perseguindo tanto os elementos do MPLA como da FNLA/GRAE. A importância e a eficácia destas tropas verificar-se-iam ao longo dos anos seguintes. De facto, em Cabinda em 1965 registaram-se os combates mais decisivos e mais importantes de toda a guerra com intervenção do MPLA, FNLA e da FLEC, coincidindo com o início da exploração das jazidas petrolíferas pela multinacional norte-americana Gulf Oil.
Leste de Angola
A debilidade e inacção da FNLA/GRAE foi contrabalançada pelo MPLA, já que em Agosto os serviços de informação portugueses tiveram os primeiros indícios de que este movimento tinha enviado militantes para o Leste de Angola, onde iniciara trabalhos de propaganda e de mobilização entre as tribos da zona. Era uma possível alternativa ao afastamento dos seus efectivos da fronteira norte angolana. Situação que a chegada de Mobutu ao poder não tinha modificado, antes pelo contrário, já que o coronel golpista enviou sinais claros a Portugal de que pensava controlar a actuação dos partidários de Holden Roberto, para não dar motivo a que as tropas portuguesas ou os gendarmes catangueses refugiados em Angola viessem a interferir no seu país.
Savimbi e a UNITA
As origens do que depois seria a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) remontam a esta época, sendo o seu impulsionador Jonas Malheiro Savimbi, que, em 12 de Janeiro, procedente da Europa, chegou a Dar es Salam, onde recrutou vários angolanos que ali residiam. Depois, noutra escala em Lusaca, mobilizou outros exilados, num total de 11 que em diversas viagens foram chegando a Pequim onde, de 26 de Janeiro a 28 de Setembro, receberam treino na Academia Superior de Nanquim, enquanto Savimbi seguiu um programa para dirigentes na Academia Militar de Pequim durante três meses, deslocando-se depois à Suíça para concluir a sua licenciatura em Ciências Políticas. A partir de então, a UNITA começou a criar uma estrutura política, sendo vital nesta época a ajuda de Nasser, que também permitiu que diversos guerrilheiros recebessem instrução no Egipto. Em Outubro a maior parte dos militantes receberam ordens para se concentrarem em Dar es Salam, onde tiveram o apoio da SWAPO. Daqui passaram à Zâmbia, onde Savimbi tinha organizado uma rede de apoio a partir de angolanos exilados, tendo entrado em Angola em pequenos grupos, até Dezembro. Savimbi ficou primeiro em Lusaca e, segundo os serviços secretos portugueses, vivia nas instalações do Comité Revolucionário de Moçambique (COREMO), até que em Dezembro viajou para os Estados Unidos para visitar um grupo de estudantes angolanos apoiados pelo Governo de Washington.
Guiné
Na Guiné-Bissau a guerra intensificou-se. Em 7 de Janeiro o PAIGC começou a transmitir através de uma emissora de onda curta e em fase experimental para responder aos programas em línguas nativas que eram emitidos pelos portugueses a partir de Bissau. Nesta época, embora já estivesse claro que o principal agente político-militar era o PAIGC, a FLING ainda estava activa, embora apenas tivesse actividade militar em São Domingos, mas procurava ter audiência entre os países africanos mais moderados. Com este objectivo, uma delegação participou em Fevereiro em Nouakchott na cimeira da Organização Comum Africana e Malgache (OCAM). Contudo, perante a existência de dois movimentos, a Comissão Militar do Comité de Libertação da OUA, integrada por militares da Guiné-Conacri, Senegal, Marrocos e Mauritânia, percorreu as áreas libertadas do Norte e do Sul do país, na segunda semana de Agosto, para realizar uma informação que serviu para que, em Outubro, a OUA reco-nhecesse o PAIGC como único representante da Guiné-Bissau, acabando com as dúvidas em relação à FLING. De facto, o PAIGC alargou as suas operações militares ao norte do rio Cacheu, na fronteira com o Senegal; no território manjaco; e no Sudoeste da região de Boé. Apesar disso, em diversas zonas como na região ao sul do rio Corubal, atacou as populações situadas nas imediações dos quartéis para as isolar, sob um constante bombardeamento. Foi neste ano que chegou ao PAIGC, através de Conacri, a primeira ajuda cubana (armamento e instrutores). Em Dezembro, Amílcar Cabral chegou a Cuba à frente de uma delegação para participar na I Conferência de Solidariedade com os Povos de África, Ásia e América Latina, que se iniciava em Janeiro seguinte. O poder colonial respondeu à operacionalidade da guerrilha com a criação, em Fevereiro, de uma esquadrilha de lanchas para dificultar os movimentos nos rios do território.
Moçambique
A guerra também se expandiu em Moçambique. Eduardo Mondlane viria a afirmar que neste ano a FRELIMO conseguiu consolidar-se nas duas províncias do Norte – Niassa e Cabo Delgado – e, ainda que o conflito parecesse encontrar-se num impasse, porque nenhum dos beligerantes estava em condições de conseguir uma supremacia estratégica, pois que a guerrilha controlava a maior parte do campo e das aldeias, os portugueses controlavam as cidades e as zonas fortificadas, enquanto que as principais estradas eram disputadas, com a FRELIMO a colocar minas e a fazer emboscadas e as forças portuguesas a conseguir transitar nelas a poder de efectivos reforçados. Também a guerrilha atacava as tropas coloniais quando saíam das bases, mas ainda não possuía força suficiente para atacar decididamente os aquartelamentos do Exército ocupante. Pelo seu lado, Samora Machel afirmaria que no final do ano começaram a surgir as zonas libertadas, territórios em que a administração colonial recuava e a FRELIMO passava a organizar a vida das populações, convertendo-se na nova autoridade. De facto, este impasse estratégico ficou a dever-se à incapacidade do comando militar, encabeçado pelo general Caeiro Carrasco, que desde o início da guerra se tinha limitado a responder de forma contundente a cada acção desencadeada pela guerrilha, mas sem um plano contra-subversivo global e sem ter nenhuma ideia do que significava a guerra revolucionária, tal como afirmou, mais tarde, o marechal Costa Gomes. De facto, o melhor exemplo da sua filosofia militar tornou-se evidente na Operação Águia, a principal actuação ofensiva desencadeada durante o seu mandato. A área da operação teve o seu epicentro em Mueda e, a partir daí, alargou-se para norte, até Nangade, na fronteira tanzaniana, e para sul, até Nangololo. O seu objectivo era desalojar a FRELIMO do planalto dos macondes. A manobra iniciou-se em 2 de Julho e terminou em 6 de Setembro com a ocupação da área desejada pelo comando, mas a zona ficou despovoada, pois os seus habitantes fugiram em massa do controlo das autoridades, o que permitiu à FRELIMO aumentar os seus efectivos. Então, para controlar as populações, o poder colonial criou ali os primeiros aldeamentos estratégicos. Mas, quando o Exército abandonou a área, a guerrilha tornou a recuperá-la, demonstrando uma vez mais a ineficácia destas operações que, contudo, continuaram a executar-se ao longo da guerra.
COREMO
No campo político, os dois sectores da UDENANO, liderados respectivamente por Paulo Gumane e Adelino Gwambe, e dois grupúsculos minoritários, o Mozambique African National Congres (MANC) e o Mozambique African Nacional Union (MANU), reuniram-se com FRELIMO em Lusaca, em meados de Março, para tentar criar uma frente que agrupasse todas as forças nacionalistas. Os representantes da FRELIMO, convencidos da sua supremacia e da pouca representatividade dos seus oponentes, abandonaram a reunião sem assumir nenhum acordo com os seus rivais. Esta atitude levou os grupos minoritários a responder ao que consideravam uma desconsideração. Para isso decidiram procurar uma forma de a sua voz ser ouvida, acabando por constituir o Comité Revolucionário de Moçambique (COREMO), criado em 31 de Março em Lusaca. Para conseguir maior legitimidade que os seus rivais, o COREMO, em Outubro, decidiu iniciar imediatamente a luta armada nos distritos de Tete e de Manica e Sofala, apesar da sua pouca preparação militar e da precariedade dos seus apoios, limitados inicialmente à ajuda de Pequim, até 1968, e da Zâmbia. Uma das suas primeiras acções foi um ataque ao posto do Fingoé, onde arriaram a bandeira portuguesa e permitiram a fuga do chefe de posto e da sua família. Esta actuação teve resposta rápida por parte das autoridades coloniais, que actuaram com barbaridade na zona, o que provocou a fuga para a Zâmbia de umas 6 000 pessoas, segundo Eduardo Mondlane.
FRELIMO
Para além da guerra no longínquo Norte, ao poder colonial interessava especialmente impedir que o movimento nacionalista se estabelecesse nos centros urbanos. Para isso era preciso reprimir, ainda que preventivamente, as elites africanas que pudessem ter ascendente sobre a sua comunidade. Assim, em 29 de Maio, a PIDE anunciou que, em Lourenço Marques, tinha capturado a 4ª Direcção Regional da FRELIMO. Na realidade tinha sido detida em Janeiro. Entre as dezenas de presos havia uma notável representação da intelectualidade africana, entre outros, os escritores Luís Bernardo Honwana, José Craverinha, Rui Nogar e o pintor Malangatana Valente. Também em Agosto as autoridades policiais fecharam, na capital, o Centro Associativo dos Negros de Moçambique, sendo o seu presidente, o advogado Domingos Arouca, detido por se crer que a associação apoiava as ideias emancipalistas e que ele mesmo era colaborador da FRELIMO. Apoio da Alemanha e da França A ditadura tentou subtrair-se às críticas internacionais e às da Oposição interna, melhorando a operacionalidade do seu Exército e do seu equipamento para o que se aproximou, sobretudo, da Alemanha e da França. O Governo de Bona inaugurou em 2 de Janeiro a base aérea de Beja, como contrapartida da cooperação que prestava ao esforço de guerra em África. Para contrariar o papel alemão, em 28 de Maio, chegou a Lisboa o ministro francês da Defesa, Pierre Messemer, que garantiu a total disponibilidade do seu país para o fornecimento de material de guerra. A cooperação franco-alemã substituiu os escrúpulos norte-americanos sobre esta questão.
Política interna
Para além da questão militar, a situação política interna em Portugal era complexa pela inactividade e falta de iniciativa governamental num ano em que se iam efectuar eleições presidenciais e legislativas. Para este fim, em 18 de Fevereiro procedeu-se à reorganização da Comissão Executiva da União Nacional, ficando integrada por Castro Fernandes como presidente, Casal Ribeiro, Arnaldo Torres, Soares da Cunha e Armando de Medeiros. Esta prontidão da máquina partidária foi complementada em 18 de Março, por remodelação do Governo, que apenas atingiu três ministros: o de Estado, adjunto do presidente do Conselho, Mota Veiga; o da Economia, Correia de Oliveira; e o do Ultramar, Silva e Cunha. O sentido profundo deste ajustamento governamental era o de reforçar o presidente do Conselho com um adjunto pela necessidade de esconder com maior facilidade o assassínio do general Delgado (a sua morte ocorrera em Fevereiro, mas o cadáver só se encontrou (em Abril); a área económica necessitava ser activada já que era vital para sufragar o esforço de guerra e por isso a política do novo ministro preocupou-se em aumentar o investimento estrangeiro com a dupla finalidade de atrair mais capitais e incrementar a riqueza do espaço económico português. Também a mudança no Ultramar obedecia à necessidade de intensificar a acção económica e social nas colónias. Contudo, Salazar não quis realizar uma renovação mais profunda para não dar uma aparência de crise em vésperas de estalar o escândalo pelo assassínio do chefe da Oposição.
Em 19 de Julho, a Comissão Central da União Nacional, de acordo com o presidente do Conselho, decidiu renovar a confiança em Américo Tomás como candidato à Presidência da República, cargo para o qual seria nomeado seis dias mais tarde por um colégio eleitoral de afectos ao regime, que o indicou como candidato único. Evidentemente, tratava-se de um trâmite institucional para dar legitimidade à ditadura, mas que na realidade a desprestigiava mais do que a beneficiava. O mesmo sucedeu com as eleições legislativas convocadas para o dia 7 de Novembro. A Oposição apresentou listas em cinco distritos: Braga, Lisboa, Leiria, Porto e Viseu mas, perante a falta de garantias de limpidez do escrutínio, acabou apelando à abstenção.
Igreja Católica
A debilidade do regime foi confirmada também pela viragem da Igreja Católica que tinha necessidade de se afastar do colonialismo, o que permitiu que os sectores mais progressistas da instituição, fundando-se nas resoluções do Vaticano II, reclamassem maior liberdade. O primeiro incidente significativo entre o poder político e o eclesiástico ocorreu em Junho de 1965, quando o bispo da Beira viu censurada uma carta pastoral no jornal da sua diocese, Diário de Moçambique, que, para além disso, ainda foi suspenso durante 10 dias. O bispo encontrou-se com Salazar e denunciou a perseguição política que sofria.
Mas muito pior para a ditadura foi a visita, em 4 de Outubro, do Papa Paulo VI à ONU, onde proferiu um discurso denunciando o colonialismo e as guerras, o que contrariava os interesses do Estado Novo. Também, nesse mesmo dia em Lisboa, 101 católicos publicaram um manifesto elaborado pela equipa de redacção da revista O Tempo e o Modo, dirigida por Alçada Baptista, em que, demarcando-se da Guerra Colonial, criticavam a cumplicidade entre a Igreja e a ditadura. Entre os seus signatários encontravam-se Sophia de Mello Breyner Andersen, Alçada Baptista, Luís Lindley Cintra e Helena Moura. Muitos deles também participaram na criação da cooperativa cultural Pragma que teve um papel destacadíssimo na agitação das inteligências, mediante a realização de debates e actos públicos, convertendo-se no pólo aglutinador do catolicismo progressista.
O assassínio de Humberto Delgado
Contudo, o facto mais transcendente, tanto para a oposição à ditadura como para a opinião pública foi o assassínio do general Humberto Delgado. Em 11 de Fevereiro, Delgado e a sua secretária, a brasileira Arajarir Campos, entraram em Espanha pelo porto de Algeciras procedentes de Argel e Ceuta e dali foram para Badajoz, onde dormiram na noite de 12 para 13. A ditadura franquista avisou imediatamente o adido militar português acreditado em Madrid que, por sua vez, o comunicou à 2ª Repartição do Estado-Maior General, chegando depois ao Governo, o que era irrelevante, já que fora a própria PIDE quem tinha preparado a agenda do general em Espanha. Delgado ia, em teoria, a uma reunião em Badajoz que devia realizar-se no dia 13 com a presença de Mário de Carvalho, Ernesto Castro Sousa (ambos da PIDE) e, supostamente, com oficiais portugueses vindos do interior. Mas, em lugar dos militares anti-salazaristas, Delgado e a sua secretária encontraram-se com os seus assassinos, entre os quais se encontrava Rosa Casaco, que já tinha dirigido em 1961 um comando no Brasil para acabar com a sua vida. Para evitar ser directamente incriminado, Henrique Cerqueira, colaborador também da PIDE, deu o primeiro alarme sobre o seu desaparecimento em 23 de Fevereiro, a partir de Marrocos e, no dia seguinte, fê-lo a Oposição. Primeiro Emídio Guerreiro em Paris, através do Comité para a Defesa das Liberdades em Portugal, alertando a opinião pública mundial. Em 12 de Março, a partir de Argel, os exilados portugueses fizeram o mesmo. Os corpos de Delgado e da sua secretária seriam encontrados em Villanueva del Fresno (Badajoz) no dia 24 de Abril, sendo identificados pela polícia espanhola que avisou as autoridades portuguesas. Estas iniciaram imediatamente uma campanha de intoxicação, favorecida pela censura de imprensa, destinada a responsabilizar a Oposição pelo crime. Mas as provas conduziam directamente ao gabinete de António de Oliveira Salazar. Este teria comentado, segundo o seu biógrafo Franco Nogueira, “aí está o tipo de coisa que pode desmantelar um regime”. E, de facto, a opinião pública mundial responsabilizou a ditadura e nessa acusação
desempenhou um papel capital o principal advogado da família, Mário Soares.
Crise universitária
Embora a comoção produzida nos meios oposicionistas pelo desaparecimento do general tivesse sido muito grande, a verdade é que a resistência à ditadura já antes deste episódio tinha sido considerável. Assim, em Janeiro tinha ocorrido uma nova crise universitária. Os estudantes mobilizaram-se com o slogan “Por uma Universidade Livre”. Os primeiros protestos iniciaram-se na Faculdade de Agronomia da capital e nos dias seguintes houve centenas de detidos, alguns dos quais foram torturados pela PIDE, e outros foram expulsos disciplinarmente dos seus cursos. Os afectados eram, principalmente, os dirigentes de associações estudantis e os seus colaboradores mais próximos. Entre os atingidos encontravam-se Máximo Vaz Cunha, Adolfo Steiger, Medeiros Ferreira, Maria Emília Santos, Luís Salgado de Matos e Alfredo Caldeira. Em Coimbra também houve grande agitação e o Governo, para impedir que se expandisse como em 1962, destituiu a direcção da Associação Académica e nomeou uma comissão administrativa. A situação na universidade chegou a ser tão preocupante que Salazar no dia 26 de Janeiro convocou um Conselho de Ministros dedicado à crise estudantil. Concluíram, de acordo com a lição de 1962, que a repressão devia ser selectiva. Contudo, a actuação da PIDE foi brutal, provocando queixas de sectores profissionais e de católicos, entre elas a do Conselho Geral da Ordem dos Advogados que, através do seu bastonário, apresentou uma queixa ao ministro da Justiça em 19 de Fevereiro. A agitação alargou-se até Março, quando as associações estudantis dirigiram um protesto ao ministro da Educação. As posteriores acções de contestação realizaram-se na Universidade Clássica da capital.
Sociedade Portuguesa de Escritores e Casa dos Estudantes do Império
Outro exemplo da actuação repressiva e intervencionista da ditadura ocorreu no dia 22 de Maio, quando o ministro da Educação dissolveu a Sociedade Portuguesa de Escritores, depois de ter sido assaltada a sua sede na noite anterior por polícias disfarçados de populares. O motivo foi o de ter concedido o Grande Prémio de Novelística a Luaandino Vieira, um angolano condenado a 14 anos de cadeia por actividades nacionalistas e internado no Campo do Tarrafal, em Cabo Verde.
Também em 3 de Setembro, por ordem do mesmo ministro, se procedeu ao encerramento da Casa dos Estudantes do Império, de onde tinha saído a intelligenzia dos movimentos de libertação.
Oposição democrática
Do mesmo modo, em 14 de Outubro, os dirigentes da Oposição moderada que se apresentaram pelos círculos de Lisboa, Porto, Leiria e Viseu dirigiram um Manifesto ao País referindo que só aceitariam participar no escrutínio se fosse abolida a censura e se pudessem fiscalizar as mesas eleitorais e advertiram que se essas duas premissas mínimas não se cumprissem boicotariam as eleições. Para além disso denunciavam: o assassínio do general Humberto Delgado como um crime de Estado, culpando indirectamente o Governo; a situação dos presos pela PIDE; os atentados contra a liberdade de pensamento, recordando o assalto à Sociedade Portuguesa de Escritores; o assalto a livrarias e a apreensão de livros e periódicos; a necessidade de que se divulgassem os relatórios da ONU; e o tratamento humilhante dado pelo poder aos estudantes universitários. Também faziam menção especial à política colonial do regime e se demarcavam dela, exigindo o fim da Guerra Colonial e a busca de uma solução política baseada no direito de autodeterminação tal como defendia a Carta da ONU, denunciando, ao mesmo tempo, a aliança estratégica de Portugal, África do Sul e Rodésia. Referiam também que, a continuar a ditadura, se repetiriam os desastres de S. João Baptista de Ajudá e do Estado Português da Índia, cujas causas e responsabilidades não tinham sido esclarecidas. O manifesto, diferentemente do que acontecera em eleições anteriores, foi publicado na íntegra, mas com réplicas do regime, que demonizou as propostas da Oposição, que não teve o direito de responder. Enfim, a continuação da repressão a todos os níveis fez com que a Oposição desistisse de se apresentar ao escrutínio e até os candidatos oposicionistas de Braga, que se tinham querido demarcar expressamente dos outros quatro círculos eleitorais por encontrar excessivamente radical a proposta sobre as colónias, acabaram também optando pela abstenção. Também surgiu nesta época o Movimento Monárquico Independente, contando com Fernando Amado e Ribeiro Teles, que assinaram um documento atacando o regime com os mesmos argumentos que a Oposição liberal, o que evidenciava a progressiva erosão do bloco de apoio do salazarismo porque até então esse sector ideológico não tinha mostrado nenhuma fissura no seu apoio à ditadura.
PCP e CMLP
Todavia, era sobretudo a Oposição clássica a que continuava a preocupar mais o regime, em especial o Partido Comunista Português (PCP), que tinha realizado o seu IV Congresso em Kiev (URSS), elegendo um secretariado constituído por Álvaro Cunhal, Sérgio Vilarigues e Manuel da Silva. A linha política era a definida por Cunhal no seu livro Rumo à Vitória. Foram aprovados novos estatutos e foi retocado o programa, apontando para um Estado democrático, sem monopólios, com reforma agrária, rompendo com o imperialismo, assegurando a independência das colónias e uma política de paz e amizade entre os povos. Mas a força do partido viu-se fortemente abalada em Dezembro com a detenção, na zona de Lisboa, de uma parte dos seus quadros, entre eles Rogério de Carvalho, que era funcionário da organização, e o engenheiro Veiga de Oliveira, que dirigia o sector estudantil e militar.
Mas o pior aconteceu com o Comité Marxista Leninista Português (CMLP) e o seu sector militar, a Frente de Acção Popular (FAP). Em 21 de Outubro foi detido João Pulido Valente, dirigente do CMLP, sendo acusado da sua delação Mário Mateus, que membros da organização assassinaram em Belas no dia 26 de Novembro. Dias antes, um comando da FAP realizou um ataque com cocktails Molotov contra uma esquadra da polícia em Lisboa. Mas entre Novembro e Dezembro foi detida a maioria dos militantes dessas duas organizações, deixando de se publicar a Revolução Popular, órgão do CMLP, ficando assim desmantelado o maoísmo em Portugal, nessa época.
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