A principal novidade no ano de 1972, no que se refere ao continente europeu, foi a assinatura do alargamento da Comunidade Europeia à Grã-Bretanha, Irlanda, Dinamarca e Noruega, que entraria em vigor a 1 de Janeiro do ano seguinte para os três primeiros, enquanto a Noruega acabaria por não entrar. Eram todos membros da EFTA e os restantes membros deste organismo (Finlândia, Islândia, Áustria, Suécia, Suíça e Portugal), que não quiseram ou não puderam entrar na CEE, assinaram com esta, a 21 de Junho, um acordo de cooperação.
Irlanda
Apesar da entrada da Grã-Bretanha e da Irlanda no Mercado Comum, as suas históricas más relações não melhoraram. De facto, a 30 de Janeiro, a tensão voltou a aumentar entre ambas, em consequência da matança perpetrada por um regimento de Pára-quedistas britânicos em Derry (Irlanda do Norte), quando dispersavam uma manifestação pacífica a favor dos direitos civis e contra a “Internament law”, uma lei que permitia que a polícia britânica detivesse sem indícios todos os que considerasse terem alguma relação com o Exército Republicano Irlandês (IRA). Esta lei tinha provocado centenas de detenções entre os católicos e, por isso, era extremamente impopular. A intervenção militar, injustificada a todos os níveis, provocou 14 mortos, entre eles crianças, e mais de 30 feridos. O IRA, que até então era muito frágil e tinha problemas de recrutamento, passou a ser a coluna vertebral da resistência armada católica. No dia seguinte à matança, o Governo de Dublin comprometeu-se a denunciar a brutalidade britânica perante a ONU e a embaixada deste país em Dublin foi incendiada por uma multidão furiosa e revoltosa. A agitação na Irlanda do Norte descontrolou-se obrigando o Governo de Londres a suspender, a 23 de Março, o parlamento regional, assumindo directamente as suas competências. Mas essa medida era para consumo interno e pouco eficaz, como se tornou evidente a 21 de Julho, quando o IRA realizou uma série de ataques simultâneos em Belfast, colocando 22 bombas, que mataram nove pessoas (dois militares e sete civis) e causaram 130 feridos graves e ligeiros. A organização republicana tinha avisado destas colocações mas, segundo o seu principal dirigente, Sean McStiofain, as forças de segurança não tinham actuado com a rapidez necessária, para que a morte de civis recaísse sobre a organização, desprestigiando-a, mas não há certezas sobre se o fez realmente. Além disso, houve também falsos alarmes, o que complicou o trabalho da polícia. Dez dias depois destes acontecimentos dramáticos, as forças de segurança e o Exército assaltaram os bairros católicos de Derry e Belfast, tentando debilitar a organização armada. No entanto, ao longo de todo o ano, o IRA chegou a colocar mais de 1300 engenhos explosivos. Perante esta situação, no princípio de Dezembro o Parlamento britânico aprovou uma lei que concedia à forças de segurança amplos poderes para lutar contra o IRA. À sua sombra, cresceram os abusos mas também a determinação republicana.
Jogos Olímpicos de Munique
Outro incidente trágico aconteceu nos Jogos Olímpicos de Munique quando, a 5 de Setembro, pouco antes das 5 horas da manhã, oito palestinianos, membros do grupo Setembro Negro, assaltaram os alojamentos dos atletas israelitas na aldeia olímpica, matando dois atletas e fazendo reféns outros nove. Em troca da sua libertação, os raptores exigiram a de 234 palestinianos detidos em Israel e de dois na Alemanha. Israel disse que não negociaria, mas a RFA disse que sim e comprometeu-se a deixá-los abandonar o país, sendo embarcados em Riem, com destino ao Cairo. Mas, em vez do combinado, foram levados para a base de Fürsten-Felabruck, onde a polícia alemã-ocidental pensava eliminá-los. Os raptores deram-se logo conta do engano ao descer dos helicópteros e comprovar que o Boeing 727 em que iam fugir estava vazio. Iniciou-se então um tiroteio que terminou com 15 mortos: os nove atletas sequestrados, cinco palestinianos e um polícia. Os outros três membros do comando foram capturados. A partir desse momento, o Governo de Israel iniciou a sua vingança: a 9 de Setembro, a sua Força Aérea bombardeou duramente as bases da OLP na Síria e no Líbano, causando um elevado número de vítimas. Iniciou também a perseguição de todos aqueles que pensava terem alguma responsabilidade nos trágicos acontecimentos de Munique. Em Outubro, eliminou um palestiniano em Roma e, em Dezembro, outro em Paris. Por seu lado, membros do Setembro Negro sequestraram, a 29 de Outubro, um avião alemão durante o voo Damasco-Frankfurt e conseguiram a libertação dos três palestinianos implicados nos assassinatos de Munique. Mas, nos anos seguintes, a Mossad (serviços secretos israelitas) executou outros oito palestinianos que considerava implicados nos acontecimentos: quatro em Beirute, dois em Paris, um em Nicósia e outro em Varsóvia. Além disso, houve outras mortes “acidentais”, não relacionadas com o caso. Por sua vez, os palestinianos também executaram três dos seus perseguidores. Apesar das mortes dos atletas israelitas, os Jogos Olímpicos, que se tinham iniciado a 26 de Agosto, continuaram, apenas com um pausa de 24 horas, em sinal de luto.
Ostpolitik
O chanceler alemão Willy Brandt também foi notícia por continuar com a sua política de aproximação aos países do Pacto de Varsóvia, a denominada Ostpolitik, que contribuiu para garantir a paz e a distensão europeia. A política alemã-ocidental andava confusa nessa época e, em Outubro, o Parlamento negou-lhe um voto de confiança, pelo que Willy Brandt teve de convocar eleições antecipadas. Estas realizaram-se a 9 de Novembro e deram uma folgada maioria à coligação entre sociais-democratas e liberais a que presidia, o que lhe permitiu prosseguir a sua política. Os seus êxitos mais evidentes foram a assinatura, a 26 de Maio, em Berlim Oriental, de um tratado de tráfego e transportes entre a RFA e a RDA, sendo o primeiro acordo internacional entre os dois Estados alemães assinado depois da II Guerra Mundial. Em Novembro, outro acordo regulava definitivamente a divisão alemã e reconhecia a igualdade entre ambos os Estados, em termos jurídicos. Paralelamente, a 13 de Setembro, a RFA restabeleceu relações diplomáticas com a Polónia e, a 16 de Novembro, o Governo de Bona comprometeu-se a pagar a Varsóvia 100 milhões de marcos como compensação pelas vítimas polacas dos campos de extermínio nazis.
Relações Estados Unidos-China
Este clima de distensão foi favorecido pela política externa norte-americana do presidente Nixon que, a 21 de Fevereiro, e durante nove dias, visitou a República Popular da China, onde se encontrou com o primeiro-ministro, Chu En Lai, e com o presidente, Mao Ze Dong. As negociações tiveram dois eixos principais: Taiwan e a URSS. Em relação a Taiwan, Washington reconheceu que este território fazia parte da China e comprometeu-se a ajudar a uma resolução pacífica do diferendo. Por seu lado, Pequim pediu a retirada das tropas norte-americanas da ilha e Nixon assinalou que, quando se resolvesse o problema do Vietname, retiraria gradualmente os seus efectivos. De facto, o mais importante para a estratégia norte-americana era alterar a geopolítica da Guerra Fria, afirmando às autoridades chinesas que os Estados Unidos não aceitariam nenhum acto hostil contra o Governo de Pequim por parte da URSS, o que tranquilizou os seus interlocutores. Além disso, como Washington pensava retirar-se do Vietname, era primordial enviar sinais a Moscovo, que continuava a ser o seu principal concorrente pela hegemonia mundial, para que não se expandisse para a Ásia. Assim, a URSS teve de continuar a realizar um enorme esforço militar, tanto na Ásia como na Europa, enquanto os Estados Unidos iam preparando o cenário pós-Vietname, para poderem concentrar todo o seu potencial bélico na Europa e deixar que a China comunista refreasse os soviéticos na Ásia. Por isso, a mudança estratégica dos Estados Unidos, ao acabar com o isolamento da China, desgastou consideravelmente o poder da URSS e contribuiu para a sua implosão final.
Acordos de desmilitarização
O degelo Washington-Pequim também permitiu que as negociações de Genebra sobre desarmamento fossem um sucesso e que se conseguisse assinar a Convenção de Armas Químicas e Biológicas, que proibia o desenvolvimento, produção e armazenamento de armas de destruição massiva. O acordo de 10 de Abril foi assinado simultaneamente por Londres, Washington e Moscovo e foi inicialmente subscrito por 80 países, sendo assinado nos anos seguintes por outros 60.
O processo de desmilitarização reforçou-se com a visita oficial do presidente Nixon a Moscovo, a 22 de Maio, com uma duração idêntica à da visita à China, e no decorrer da qual assinou vários acordos, entre eles o Strategic Arms Limitation Talks (SALT I), destinado a reduzir a corrida às armas nucleares estratégicas. Posteriormente, em Novembro, iniciou-se também em Genebra a segunda fase destas conversações, conhecidas como SALT II, para estabelecimento de acordos que limitassem o número e o tipo de mísseis nucleares intercontinentais entre as duas potências. O presidente Nixon seria eleito para o seu segundo mandato dias antes do início das negociações SALT II, com uma das maiorias mais folgadas da história dos Estados Unidos, 60,67% dos votos, contra 37,52% do seu rival. Apesar de a sua popularidade ser enorme e de todos os indicadores antes das eleições o darem como favorito, Nixon não resistiu à tentação de mandar colocar microfones na principal sede do Partido Democrata (no edifício Watergate), para conhecer melhor as suas estratégias eleitorais, facto que, dois anos mais tarde, haveria de provocar a sua demissão.
Chile
Um dos países que, neste período, sofreu um reiterado processo de desestabilização, por parte dos Estados Unidos, foi o Chile, especialmente desde que o seu presidente, Salvador Allende, anunciou, a 8 de Fevereiro, a nacionalização de 120 grandes empresas e a expropriação de 2000 latifúndios. Onze dias depois, o Governo de Washington suspendia as garantias financeiras, seguros e créditos ao Chile. Quase em simultâneo com esta notícia, o jornalista norte-americano Jack Anderson publicava documentação confidencial sobre os planos da CIA e da empresa norte-americana ITT para impedir a eleição de Allende em 1971. A 12 de Abril, um dia antes de se celebrar em Santiago do Chile a III Conferência Mundial sobre Comércio e Desenvolvimento, da ONU, cerca de 200 000 pessoas manifestaram-se contra o Governo de Unidade Popular, iniciando a escalada subversiva que duraria todo o ano, especialmente depois da nacionalização dos bens da ITT, a 12 de Maio. No princípio de Junho, perante a onda de instabilidade política e a crescente crise económica, Allende remodelou o Governo. Era a segunda vez num ano, o que revelava a enorme dimensão dos problemas que enfrentava e que iriam agravar-se ainda mais a 9 de Outubro, com a greve dos proprietários camionistas, desencadeada pelo anúncio do Governo de que pretendia criar uma indústria estatal de transportes. A tensão chegou a ser tão grande que, mesmo quando se decretou o estado de sítio, dois dias depois, a agitação social, em vez de diminuir, ainda aumentou, uma vez que, no dia 13 desse mês, se juntaram à greve as entidades patronais mais importantes do comércio e da indústria, contando ainda com o apoio da Democracia Cristã. Estas paralisações, como se sabe actualmente, foram financiadas pela administração norte-americana, que não estava disposta a dar a mais pequena margem de manobra ao Governo democrático e socialista da Unidade Popular. No último dia de Novembro deu-se uma nova remodelação ministerial, entrando no novo Executivo três generais e dois dirigentes sindicais. Allende advertia que o país se encontrava à beira da guerra civil.
África
A instabilidade no continente africano também era enorme. Aconteceram quatro golpes de Estado. A 13 de Janeiro, durante a visita a Londres do presidente e do primeiro-ministro do Gana, respectivamente Akufo Addo e Kofi A. Busia, o Exército, sob o comando do coronel Ignatius K. Acheampong, tomou o poder, dissolveu o Parlamento e nomeou-o presidente do Conselho Nacional, ao mesmo tempo que suprimia os partidos políticos e a Constituição. Em Madagáscar, o regime conservador e pró-ocidental do presidente Philibert Tsiranana tinha sido abalado por uma suposta conspiração maoísta, abortada em Outubro de 1971. Nas eleições presidenciais de Janeiro do ano seguinte foi reeleito, sendo o único candidato. Mas, a 13 de Maio, deram-se violentas manifestações estudantis em Tananarive, que provocaram 12 mortos quando a polícia se confrontou com centenas de estudantes que tinham assaltado a Câmara Municipal e o edifício da Radiodifusão Nacional. Nos dias seguintes declarou-se uma greve geral, com a participação dos sindicatos. Houve cerca de 50 mortos e centenas de feridos. A 18 de Maio, o presidente dissolveu o Executivo e nomeou como primeiro-ministro o general Gabriel Ramanantsoa, que assumiu plenos poderes e fechou a Assembleia Nacional e o Senado. Mas, em Agosto, perante a persistência da agitação, acabou por proclamar a lei marcial e o estado de sítio. Em Outubro, realizou-se um referendo que perguntava aos eleitores se aceitavam uma nova Constituição que dava plenos poderes a Ramanantsoa. Estes aceitaram, por uns amplos 80%, o novo texto legal que jubilava o presidente Tsiranana. Outro golpe aconteceu a 29 de Abril no Burundi. Neste caso, foi impulsionado pelo próprio presidente do país, capitão Michel Micombero, que dirigia um governo saído da minoria tutsi (14% da população). Depois de dissolver o Governo, nomeou um executivo militar para, segundo disse, neutralizar um golpe da maioria hutu (85% da população). Este golpe tratava-se do Plano Simbanariye, apelido do ministro do Interior que o gizou, e que passava por realizar um atentado contra alguns tutsis importantes, que pudesse ser depois atribuído aos seus oponentes hutus, permitindo iniciar uma matança significativa dessa etnia, para que deixasse de representar um perigo para o Governo minoritário. Entre os mortos nessas circunstâncias encontrou-se o rei Ntaré V, que tinha regressado há pouco tempo do exílio, para onde tinha partido depois de ter sido deposto por Micombero, em 1966. O massacre dos hutus coincidiu com a difusão de mensagens incendiárias contra eles pela rádio oficial, também controlada pelos tutsis. Segundo fontes oficiais, morreram entre 150 000 a 300 000 hutus, e milhares de outros refugiaram-se no estrangeiro, instalando-se no país um regime exclusivamente tutsi. Um último golpe deu-se a 26 de Outubro, em Daomé, perpetrado pelo major Mathieu Kerekou, que depôs o presidente Justin Ahomadegbé e se autoproclamou presidente. Foi um golpe pacífico, de sinal esquerdista, que pouco a pouco se iria transformar num regime marxista-leninista, aliado da URSS.
Marrocos
Para além destes golpes bemsucedidos, houve uma tentativa fracassada em Marrocos, que visava o magnicídio do rei. A 16 de Agosto, quando o avião do rei Hassan II regressava de Paris, foi atacado por seis caças da Força Aérea Marroquina, que dispararam contra ele. Apesar do número de atacantes, o rei salvou-se porque alguns dos aparelhos não levavam munições reais, mas sim de manobras, e alguns dos pilotos eram inexperientes, o que fez com que os danos causados ao avião real fossem pouco significativos. O piloto conseguiu enganar os atacantes, contactando-os por rádio fingindo ser o mecânico e comunicando-lhes que o piloto estava morto e o rei gravemente ferido, pelo que os atacantes permitiram que se dirigissem para a base de Kenitra. Mas o avião, depois de sobrevoar a pista, partiu para Rabat, onde aterrou e o rei retomou o poder. Neste golpe estava implicado o ministro da Defesa, Mohamed Ufquir, que seria executado por ordem do rei, apesar de a versão oficial ter dito que ele se tinha suicidado. Dos outros participantes, oficiais e suboficiais profissionais, uns foram executados em Janeiro seguinte, e os que tiveram mais sorte foram encerrados na prisão de Tazmamart durante 18 anos, em total escuridão. Dois dias depois do atentado, Hassan II assumiu as funções de ministro da Defesa e do Exército e iniciou uma sangrenta repressão sobre a Oposição, conhecida historicamente pelos “anos de chumbo”, tendo-se prolongado até à década de 80. A somar a todos estes golpes, ainda se desenvolveu um processo autoritário consumado a partir do próprio poder, quando a 22 de Fevereiro, na República Centro-Africana, Jean Bedel Bocassa se auto-nomeou presidente vitalício.
Zâmbia
Entre os países limítrofes das colónias portuguesas, especialmente na África Austral, continuava a imperar a “lei da selva”. A República da Zâmbia continuava a ser perturbada pelos seus vizinhos racistas e pela Oposição interna, que aqueles financiavam para desestabilizar o regime de Kaunda. Os problemas internos conduziram a uma radicalização crescente que levou, a 4 de Fevereiro, à ilegalização do Partido Progressista Unido, a principal força da Oposição. Em lugar do multipartidarismo, estabeleceu-se, a partir daí, um Estado de partido único. Contudo, o presidente da Zâmbia tinha consciência de que a resolução do problema colonial português ajudaria a melhorar o clima político no seu país, e também num âmbito mais regional, pelo que, em Junho, numa conferência de imprensa aos meios de comunicação internacionais, voltou a disponibilizar-se para ser a ponte entre os movimentos de libertação de Angola e Moçambique e as autoridades de Lisboa.
Tanzânia
Na Tanzânia também se viveu uma época de convulsão, a seguir ao assassinato do vice-presidente Abeid Karume, a 7 de Abril. O autor do atentado foi um seu cunhado, de origem árabe, que agiu por vingança em relação às brutais atrocidades que aquele tinha cometido em Zamzibar, depois da revolução de 1964, e que vitimaram o seu pai. Mas os especialistas apontam para que, por trás deste crime, estivessem envolvidos Adbulrahman Mohammud Babu, um dos dirigentes marxistas-leninistas que tinha apoiado o estabelecimento da República naquele arquipélago, em 1964, e que posteriormente tinha sido marginalizado do poder, e o presidente do país, Julius Nyerere, que não confiava no líder de Zamzibar que ocupava o segundo lugar na chefia do Estado, depois da unificação da Tanzânia e Zamzibar.
Uma semana depois do atentado, as relações entre Portugal e a Tanzânia atingiram uma tensão extrema, quando, na sequência da feroz repressão desencadeada por Nyerere, supostamente para descobrir os autores do golpe, este pôs o Exército em alerta máximo, com medo que os portugueses pudessem aproveitar o caos para os atacar. Foi assim que, a 14 de Abril, um avião militar português foi abatido pelas antiaéreas tanzanianas, na fronteira comum, tendo caído do lado tanzaniano, perto da margem do rio Rovuma, e tendo morrido o piloto. Três dias mais tarde, a Força Aérea Portuguesa bombardeou intensamente a aldeia de onde tinha partido o
ataque.
A situação interna da Tanzânia voltou a complicar-se por causa do apoio de Nyerere ao ex-presidente ugandês, Milton Obote, que tinha sido deposto, no ano anterior, pelo general Idi Amin. Obote, amigo íntimo de Nyerere, encontrou refúgio em Dar es Salam, e a partir dali planeou, com os seus partidários, a invasão do Uganda, para depor Idi Amin. Nesta operação participaram membros das tribos ugandesas dos lango (a etnia de Obote) e dos acholi, ambas com grande influência no Exército e reprimidas duramente por Idi Amin.
Estes actuaram em conjunto com forças tanzanianas. A acção armada desencadeou-se quando o prestígio do general Idi Amin caiu a pique, em consequência de ter ordenado, no dia 5 de Agosto, que os 50 000 asiáticos que residiam no Uganda com passaporte britânico, dedicando-se na sua maioria ao comércio, abandonassem o país num prazo de três meses. Passado esse tempo, entregou todos esses negócios aos seus partidários. A invasão do território ugandês a partir da Tanzânia estendeu-se entre 17 e 21 de Setembro. No último dia, e perante o seu falhanço, a Tanzânia assinou um cessar-fogo com o Uganda.
Malawi
Nesta mesma altura, Portugal também teve problemas com o Malawi devido a um confronto armado que teve lugar no início de Maio, entre as tropas portuguesas e as do Malawi, na fronteira de Moçambique, mas que foi considerado de menor importância. Mas outro conflito, em Outubro, revelou a tensão entre os supostos aliados, devido a uma incursão no Malawi de forças portuguesas que sequestraram dois cidadãos da aldeia de Govati, o que revela bem que, apesar da aliança estratégica, havia receios mútuos e cada vez mais difíceis de contornar, à medida que a guerra se incrementava. Portugal pensava que o regime de Banda não fazia os esforços necessários para impedir as incursões da FRELIMO no seu território.
Congo
No Zaire, Mobutu reforçou a sua campanha de africanização, trocando as designações geográficas europeias por outras indígenas. Através da mediação dos Estados Unidos, chegou a um acordo tácito com Portugal para que a FNLA não realizasse actividades armadas em Angola, em troca de o seu regime não ser desestabilizado pelas autoridades lusas.
Por outro lado, a 4 de Junho, no Congo-Brazzaville, ficou retido um helicóptero militar português que tinha aterrado de emergência na localidade congolesa de Banga, perto da fronteira com Cabinda, e toda a tripulação foi detida, sem que as negociações portuguesas dessem qualquer resultado, o que veio a agravar as relações entre ambos os países.
Senegal
Em relação ao Senegal, Portugal continuou empenhado em manter um canal de comunicação confidencial com Senghor, pois era um meio seguro e secreto de chegar ao PAIGC. Em Março, realizaram-se contactos bilaterais entre delegações dos dois países para a criação de uma comissão mista que controlasse a fronteira comum, mas esta não chegou a concretizar-se porque o Senegal queria estabelecer uma relação directa entre a segurança e a perspectiva de uma paz duradoura para o conflito da Guiné-Bissau, com a participação do PAIGC. Para o discutir, Spínola e Senghor chegaram a encontrar-se dois meses mais tarde. Mas a recusa do Governo português em modificar o estatuto do território levou a um aumento da actividade militar que, por sua vez, resultou numa incursão das forças portuguesas ao posto senegalês de Niano, a 12 de Outubro.
Este facto provocou um protesto de Dacar no Conselho de Segurança, o qual condenou Portugal por não respeitar nem a integridade do Senegal, nem os outros países vizinhos das suas colónias. A resolução obteve 12 votos a favor e três abstenções, dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Bélgica.
Guiné-Conacri
Em Outubro, através da Operação Dragão Marinho, o CEMGFA recolheu informações sobre a situação interna da Guiné-Conacri e de outros países africanos, com a colaboração do dirigente da Oposição deste país capitão Abou Soumah. Conseguiu então estabelecer células na Costa do Marfim, Senegal, Etiópia e entre residentes em França e na Suíça, que recolhiam informações úteis para o Governo português. Através de agentes em Paris foi possível obter documentação importante, destacando-se a relação dos pilotos da Guiné-Conacri treinados na Rússia e planos com as características do porto de Conacri. Contudo, o CEMGFA não autorizou a proposta de realização de sabotagens neste país, especialmente depois do fracasso da Operação Mar Verde.
Namíbia
Na Namíbia, os ovambo, etnia maioritária, iniciaram um protesto nas principais cidades do país, onde muitos deles trabalhavam como mão-de-obra emigrante, em condições duríssimas. O protesto já se tinha iniciado em Dezembro de 1971, mas no mês seguinte intensificou-se e transformou-se numa greve geral que se estendeu ao bantustão da Ovambolândia, onde estava confinada a maioria dessa etnia, num território superpovoado e com escassos recursos alimentícios. Assim, os camponeses também se juntaram ao protesto, o que contagiou as populações do Sul de Angola, aparentadas étnica e linguisticamente. Os maiores incidentes aconteceram na fronteira entre a Namíbia e Angola, entre Abril e Junho, e causaram grandes preocupações às autoridades administrativas angolanas.
Frente internacional
Na frente internacional, o desgaste da política portuguesa era cada vez maior e o seu isolamento também. Por isso, em Outubro, quando o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Rui Patrício, discursou perante a Assembleia Geral da ONU, o hemiciclo estava praticamente vazio, enquanto as vozes dos partidários dos movimentos de libertação e dos seus líderes se faziam ouvir com cada vez mais intensidade. O Conselho de Segurança tomou duas resoluções importantes contra a política africana de Lisboa: a primeira, a 4 de Fevereiro, na reunião extraordinária realizada na sede da OUA, em Adis Abeba, e a segunda a 22 de Novembro, em Nova Iorque, na sede oficial do organismo. Ambas as resoluções, embora com uma redacção diferente, tinham o mesmo conteúdo essencial: o reconhecimento da legitimidade das forças que lutavam contra Portugal e a necessidade de este negociar com elas a independência dos territórios. Na primeira, só se mencionam os casos de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, mas na segundo já aparecem Guiné-Bissau e Cabo Verde como uma unidade, mostrando a influência do discurso do PAIGC nos meios internacionais. Houve ainda uma terceira condenação, relacionada com a denúncia do Senegal de 23 de Outubro.
ONU
Por seu lado, a Assembleia Geral da ONU produziu, entre 2 de Novembro e 14 de Dezembro, 11 resoluções condenando explicitamente a política africana da ditadura marcelista. As mais significativas foram as de 2 e 14 de Novembro e a de 12 de Dezembro. A de 2 de Novembro recomendava a Portugal a aplicação do direito de independência aos territórios colonizados e felicitava a incorporação no Comissão Especial para a aplicação deste direito dos representantes dos movimentos de libertação de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde. A do dia 14 analisava a “questão dos territórios sob administração portuguesa”, sublinhando que o assunto tinha sido estudado considerando as informações da Comissão Especial do Conselho de Segurança, que tinha visitado as zonas libertadas da Guiné-Bissau, em Abril, e os testemunhos do secretário-geral do PAIGC, Amílcar Cabral, e do dirigente da FRELIMO, Marcelino dos Santos. A de Dezembro condenava as actividades dos interesses estrangeiros na África meridional, referindo-se às obras de Cahora Bassa e Cunene. Dois dias mais tarde, outra norma estabelecia que os organismos da ONU deviam ajudar de forma muito especial as populações dos territórios libertados das colónias portuguesas.
Lisboa-Pretória-Salisbúria
Neste período, paralelamente à intensificação da guerra, cresceu a concertação militar com a África do Sul e a Rodésia. Assim, em finais de Agosto, o chefe de Estado-Maior sul-africano, general Charles Alan Fraser, encontrou-se na capital moçambicana com o comandante-chefe de Moçambique, general Kaúlza de Arriaga, para que o seu país ajudasse a transportar por meios aéreos os carregamentos críticos destinados a Cahora Bassa e a estudar a resposta a dar à Tanzânia, caso a sua aviação interviesse directamente em Moçambique. Também Ian Smith visitou Cahora Bassa e Estima, em meados de Setembro, para discutir com Kaúlza de Arriaga a evolução da guerra em Moçambique. Mas a evolução do conflito obrigou as tropas da Rodésia a participar em operações de combate dentro de Moçambique, pois as guerrilhas da União Nacional Africana do Zimbabué (ZANU) e da União Popular Africana do Zimbabué (ZAPU) tinham estabelecido bases em Tete, a partir das quais atacavam a Rodésia. Este desenvolvimento negativo da guerra, na opinião das autoridades rodesianas, fez com que o primeiro-ministro rodesiano viajasse até Lisboa entre 14 e 15 de Outubro, para alertar Marcelo Caetano para esse facto e pedir-lhe, a bem do interesse comum, uma maior participação dos seus efectivos no esforço de guerra, perante o perigo de alastramento do conflito, dada a estreita colaboração entre a guerrilha moçambicana e a do Zimbabué. Ainda nesse mês, houve uma reunião entre os ministros da Defesa rodesiano e sul-africano, acompanhados, respectivamente, pelo seu chefe de Estado-Maior, general G. P. Valls, e almirante H. H. Biermann, para conjugar a sua actuação com a de Portugal. No mês seguinte, em Lisboa, houve outro encontro dos chefes militares de Portugal, África do Sul e Rodésia, para abordar definitivamente de forma conjunta a subversão.
Angola
Nesta fase, a luta contra o domínio colonial alargou-se ao Sul de Angola, onde houve levantamentos das populações, em protesto contra o controlo que os agentes coloniais começaram a realizar sobre elas, contra a política impositiva que pretendia deslocá-las da área onde se pensava construir o complexo hidroeléctrico do rio Cunene, e contra a penetração dos criadores portugueses de gado bovino. Esta mobilização foi iniciada pelos ovambo, especialmente pelos ovankwanyama, o clã mais importante desta tribo em Angola. A 19 de Janeiro, um grupo numeroso desta etnia atacou três polícias e, na noite de dia 20, destruiu parte dos marcos da fronteira e queimou equipamentos dos Serviços de Veterinária. No mesmo dia 20, a insurreição estendeu-se aos cuanhama, que exigiram a abolição do imposto mínimo. Posteriormente, houve concentrações dessas etnias para negociar com as autoridades, obtendo grande parte das suas reivindicações, o que acalmou a sublevação. Coincidindo com estes protestos, a 2 de Fevereiro, o MPLA anunciou a abertura da 6ª Região Militar, na área do rio Cunene, ainda que, na realidade, esta nunca tenha funcionado e não tenha sido mais do que uma manobra propagandística para fazer crer à opinião pública que eram eles os responsáveis pelo movimento grevista entre os ovambo e os cuanhama. No plano militar, e segundo fontes militares portuguesas, contabilizou-se uma média mensal de 153 acções militares por parte dos movimentos nacionalistas, sendo o MPLA responsável por quase metade delas, especialmente nos distritos de Cuando-Cubango e Moxico (3ª Região Militar). Apesar disso, a força do MPLA era mais aparente do que real, pois mesmo nestas zonas não cessaram as deserções e a apresentação voluntária de quadros às autoridades coloniais. Também as detenções entre a população civil que colaborava com a guerrilha eram cada vez mais frequentes. Nos distritos de Malange e Lunda (4ª Região Militar), a situação militar não era melhor. Os combatentes passavam por grandes carências e as divergências no comando regional fizeram com que a desmoralização se espalhasse entre eles. Nas outras regiões militares, a situação era idêntica. Na 1ª Região Militar (Dembos) não foi possível o abastecimento de produtos elementares, nem de material bélico. A situação era tão penosa que várias delegações foram enviadas a Brazzaville, onde se encontrava a retaguarda mais próxima, para pedir ajuda, mas sem conseguir obtê-la. Uma dessas delegações chegou a sequestrar o representante do MPLA em Brazzaville, Lúcio Lara, acusando-o de não se preocupar com a sua situação e de que o partido estava nas mãos dos brancos, mulatos e intelectuais. As circunstâncias pioraram em Setembro, quando Portugal desencadeou a Operação Nova Luz, na altura da substituição do comandante-chefe da colónia, general Costa Gomes, pelo general Luz Cunha. As bases guerrilheiras que tinham sido previamente fotografadas pela aviação foram bombardeadas pela Força Aérea e pela Artilharia. Depois chegaram efectivos terrestres para os trabalhos de “limpeza” da zona e, desde então, a 1ª Região Militar deixou praticamente de funcionar como frente de guerra. A 2ª (Cabinda) também entrou em crise. Numa assembleia realizada em Dolisie, entre 9 e 16 de Abril, criticaram-se a liderança de Agostinho Neto e os privilégios da elite branca e mestiça não combatente.
MPLA
A crescente incapacidade do MPLA para alterar o curso adverso da guerra levou a um aumento do autoritarismo da direcção, que passou a utilizar o terror para impedir as dissidências e as deserções. No princípio do ano, quatro comandantes humbundus foram fuzilados, o que provocou grande desmotivação nos efectivos combatentes dessa etnia, levando a que 800 deles, da 3ª Região, se dirigissem para a fronteira da Zâmbia para falar com Agostinho Neto. Daniel Chipenda foi o responsável por transmitir as queixas à direcção, acabando ele próprio por ser acusado de traidor por Agostinho Neto e por ser expulso da direcção. O MPLA entrou numa espiral de recriminações e disputas internas que provocou a paralisação total da sua actividade bélica no Leste. O presidente da Zâmbia tentou ser mediador entre a direcção e os combatentes, mas sem sucesso. A partir daí, as posições tornaram-se irreconciliáveis. Chipenda e as bases combatentes queriam um congresso para fazer ouvir as suas críticas e Agostinho Neto e o seu lado só aceitavam uma conferência de quadros, para que a direcção não fosse questionada. A mediação da OUA, solicitada por ambas as partes, deu razão a Chipenda. Então, Agostinho Neto procurou uma alternativa, através de uma aliança estratégica com a FNLA, que lhe podia permitir reactivar a frente norte e a de Cabinda, ganhando tempo para se impor no Leste. Como esse objectivo, a30 de Maio, encontrou-se em Rabat com Holden Roberto, sob o patrocínio do rei Hassan II. Se o acordo vingasse, seria benéfico para a luta de libertação e para os seus signatários. Mas Agostinho Neto estava desprestigiado entre um sector importante do seu partido e Holden Roberto não o estava menos, em consequência da aproximação do Zaire a Portugal.
De facto, os homens de Holden Roberto tinham dificuldade em aceder à fronteira de Angola, pelo que o Estado-Maior da FNLA, em Março, se tinha sublevadocontra a direcção, em Kinkuzu, tendo sido esmagado pelo Exército zairense. Assim se chegou ao primeiro passo para a reconciliação entre ambos os líderes e ambos os movimentos. Voltaram a encontrar-se em Rabat, a 14 de Junho, no decorrer de uma cimeira da OUA e, com a mediação de Mobutu Sese Seko e de N’Gouabi, estabeleceram um princípio de acordo que seria desenvolvido posteriormente e assinado na cimeira de Kinshasa, a 13 de Dezembro, durante a qual, e perante o secretário-geral da OUA, Gerard Kamanda, concordaram em unificar os dois movimentos. Concordaram também em criar estruturas político-militares comuns aos dois grupos: um Conselho de Libertação de Angola, denominado também Conselho Supremo; um Conselho Político; e um Comando Militar Unificado. Como ficou estabelecido no acordo que quem dirigisse o Conselho Supremo perdia as outras presidências, o MPLA preferiu apostar nas estruturas militares, deixando a Holden Roberto o Conselho Supremo. Este passou assim a ser o dirigente máximo da luta pela libertação, o que lhe deu prestígio internacional e a autoridade para convocar os outros dois organismos nas mãos do MPLA, mas, ao não fazê-lo com regularidade, o acordo acabou por morrer, prejudicando ainda mais o prestígio de Agostinho Neto. A sua autoridade sofreu ainda outra prova difícil, ao ter de se confrontar com o Movimento de Reajustamento, que surgiu com a chegada a Lusaca de um grupo de comandantes, dirigidos por Gentil Viana, que tinha ido realizar um curso de aperfeiçoamento militar na China, no princípio do ano. Este grupo vinha imbuído do espírito da Revolução Cultural que exigia a crítica e a autocrítica, procedimentos que Agostinho Neto aprovou, quando posto à sua consideração, pois permitia-lhe rever a estratégia da guerra. Mas, ainda que tenha conseguido fazer recair as culpas do impasse bélico sobre os seus adversários, estes, em Novembro, voltaram a pedir-lhe explicações sobre a sua actuação, e acabariam por organizar, no início de 1973, a Revolta Activa.
UNITA
A inactividade do MPLA e da FNLA foi acompanhada pela da UNITA que, decididamente, passou a colaborar com o Governo português. A 3 de Fevereiro, Savimbi escreveu às autoridades máximas da colónia, propondo-lhes colaborar, mas sugerindo que ainda não estavam criadas as condições para se integrar na administração colonial, o que poderia vir a acontecer num futuro próximo, quando a autonomia fosse efectiva, não só em Angola mas também nas outras colónias. O conteúdo da carta era ambíguo e, uma vez que Savimbi e a UNITA estavam numa situação muito difícil relativamente à alimentação e à logística, também lhes interessava ganhar tempo. A resposta portuguesa chegou a 1 de Março, sob a forma de um salvo-conduto para Savimbi, que lhe permitia deslocar-se em segurança, garantindo a sua liberdade e integridade física, bem como as dos seus acompanhantes. Em Setembro, Savimbi escreveu ao novo comandante-geral de Angola, Luz Cunha, propondo-lhe uma aliança para continuar a luta contra o MPLA e acabar com ele no Este, solicitando ainda um pequeno número de munições. Savimbi queria tornar-se imprescindível aos portugueses, de forma a não ser perseguido e a conseguir um estatuto que lhe permitisse consolidar as posições que ocupava no interior dos distritos do Moxico e Bié. Por seu lado, as autoridades portuguesas, a 2 de Dezembro, autorizaram um médico militar a tratá-lo, no interior do Moxico, quando esteve doente.
Guiné
Quanto à Guiné-Bissau, a 1 de Fevereiro Amílcar Cabral interveio na reunião extraordinária do Conselho de Segurança da ONU, em Adis Abeba, e pediu que enviassem uma delegação de visita às áreas libertadas do seu país. Esta comissão, constituída por três membros não permanentes do citado organismo (Equador, Suécia e Tunísia) e por dois funcionários, visitou, entre 2 e 8 de Abril, as zonas de Catió e Quitifane, confirmando no seu relatório ter encontrado aqui uma administração diferente da colonial. Em resposta, Spínola pretendeu demonstrar a inexistência dessas zonas libertadas, bombardeando os locais por onde a missão tinha passado. Não se tratava de lhes causar danos pessoais mas sim de mostrar que Portugal dispunha de força suficiente para actuar em qualquer zona da colónia. Contudo, a visita representou um sucesso propagandístico para o PAIGC, que Lisboa tentou contrariar organizando uma visita dos adidos militares das embaixadas em Lisboa dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, África do Sul e Venezuela (todos sólidos aliados de Portugal), aos quais mentiu, afirmando que a missão da ONU não tinha sequer pisado o território da Guiné-Bissau.
PAIGC
Os sucessos diplomáticos e a capacidade bélica do PAIGC tinham convencido Spínola de que a vitória militar era impossível. A 17 de Abril, assim o comunicou a Marcelo Caetano. Perante a necessidade de explorar uma alternativa política à guerra, Spínola combinou um acordo secreto com Senghor em Cap Skiring, uma povoação senegalesa, perto da fronteira. O serviço de encriptamento de Bissau, que tinha descodificadas as comunicações da Guiné-Conacri, Senegal e Gâmbia, deu-se conta de que algo relevante se passava no Senegal, devido a duas decisões incomuns tomadas pelo seu Governo: a de bloquear os efectivos do PAIGC que residiam no Senegal e a de deslocar o batalhão encarregado da segurança do presidente, para sul, indicando que uma alta entidade se dirigia para ali. Senghor e Spínola entenderam-se perfeitamente. Ambos desejavam uma saída negociada para o conflito, que passaria por um período de transição com autonomia interna e, na fase final, pela realização de um referendo sobre a relação a estabelecer entre a Metrópole e a colónia. A 26 de Maio, Spínola deu conta a Marcelo Caetano do seu encontro com Senghor, frisando que a única saída honrosa para a guerra era negociar já, quando ainda dispunha de superioridade militar. Marcelo Caetano respondeu que pactuar com a Guiné abriria a porta a que se fizesse o mesmo com os outros territórios, e que preferia uma derrota militar a negociar com terroristas. Spínola ficou pesaroso, convencido de que outra Índia estava próxima e de que as Forças Armadas seriam responsabilizadas por isso, pelo que, a partir desse momento, começou a pensar na maneira de substituir o Governo de Lisboa por outro que defendesse outra política.
Em Junho, Amílcar Cabral interveio em nome dos movimentos de libertação africanos, na cimeira da OUA, em Rabat, e a 19 de Outubro, discursou, como observador, na IV Comissão da Assembleia Geral da ONU, em representação dos povos que lutavam contra o colonialismo. Aproveitou a oportunidade para anunciar que, nas áreas libertadas, já se realizavam eleições para os Conselhos Regionais que constituiriam a Assembleia Nacional Popular, base para a proclamação próxima da independência do país. Nessa altura, o general Spínola solicitou autorização a Marcelo Caetano para se encontrar com Amílcar Cabral, mas esta foi-lhe negada. Decidiu então reforçar a acção armada, tentando debilitar ao máximo o adversário, mas sem abandonar a esperança numa próxima negociação como via para solucionar a guerra. Assim, a 13 de Dezembro, iniciou a reocupação do Cantanhez, perdido desde o início da guerra, ao mesmo tempo que tomava outras medidas psicossociais, como a libertação de presos do PAIGC. Mas as complicações militares para os portugueses incrementaram-se quando o PAIGC, desconfiando que as suas comunicações rádio eram descodificadas pelo inimigo, o que realmente acontecia, decidiu alterar a cifra, com a ajuda de três técnicos em comunicações, recém-formados na URSS e que tinham acabado de chegar a Conacri: Oto Schart, Luís Salvador e Daniel Pereira Barreto.
Moçambique
Noutro teatro de operações, Moçambique, a progressão da guerrilha em Cabo Delgado foi imparável pois, por um lado, as populações fugiam em massa dos aldeamentos e, por outro, a FRELIMO tinha conseguido colaboradores em toda a estrutura da administração colonial, como veio a verificar a DGS em Fevereiro. Mas foi em Tete que a guerra mais se fez sentir, pois quando a guerrilha se tornou visível aqui, já estava muito implantada. Em Abril, realizou-se a Operação Penada com um batalhão Pára-quedista helitransportado, que actuou ao longo das fronteiras com a Rodésia, Malawi e Zâmbia, para neutralizar as infiltrações que penetravam em Moçambique a partir da Zâmbia e através da Rodésia. Em Junho, tropas rodesianas passaram a actuar dentro do distrito de Tete, nas zonas mais próximas da fronteira, sendo na sua maioria efectivos terrestres. E entre Setembro e Outubro o Exército da Rodésia realizou uma grande operação, de nome Sable, com efectivos terrestres e importantes meios aéreos, especialmente helicópteros, tentando impermeabilizar a sua fronteira com Tete. Para tal, construíram uma base em Nyamasoto, no Nordeste da Rodésia, e actuaram sobre as vias de penetração que as guerrilhas da ZANU e da FRELIMO utilizavam a partir da Zâmbia. Durante esta operação, os rodesianos puderam comprovar tanto as fugas generalizadas dos aldeamentos como a grande implantação que a FRELIMO tinha em Tete e fizeram novamente ouvir as suas queixas acerca da estratégia errática do general Kaúlza de Arriaga. E, efectivamente, voltaram a falhar nas suas previsões acerca de uma rápida vitória portuguesa quando, a 25 de Junho, a guerrilha abriu a frente de Manica e Sofala, o que significava que tinha conseguido cruzar o Zambeze e chegar a uma zona de grande importância estratégica, a partir da qual ameaçava a cidade da Beira, principal porto comercial para a Rodésia, pondo em perigo as ligações terrestres deste país com Moçambique. Além disso, os efectivos militares portugueses nesta zona eram praticamente inexistentes e foi necessário ir buscá-los com urgência a outras frentes.
A operacionalidade da FRELIMO voltou a evidenciar-se a 18 de Setembro, com o ataque sincronizado a várias bases militares coloniais, nos distritos de Tete, Cabo Delgado e Niassa. Outro grande ataque da guerrilha ocorreu a 9 de Novembro, quando bombardeou a base aérea perto da cidade de Tete, numa zona onde não havia presença constante da guerrilha, o que obrigou o Exército português a desdobrar-se numa ampla extensão. Mas o que mais caracterizou a guerra em Moçambique foi a brutalidade da resposta colonial a uma guerra que lhe fugia por entre as mãos, e essa brutalidade tornou-se visível com o massacre de Wiriyamu, perpetrado por uma companhia de Comandos, a 16 de Dezembro, sobre a população dessa aldeia e das vizinhas Chawola e Juwau, situadas a 25 quilómetros a sul de Tete. O número de vítimas, embora flutue ao sabor das fontes, não terá sido inferior a 150. Este massacre só foi conhecido no ano seguinte e provocou um terramoto sobre o regime, do qual este não voltou a recuperar. Uma das razões desta matança foi a de obrigar as populações a permanecer nos aldeamentos estratégicos, quando estas tinham as suas palhotas nas zonas mais férteis, onde a agricultura era mais fácil e onde o gado podia pastar mais livremente.
Outras colónias
Também em Cabo Verde a oposição ao colonialismo ia ganhando adeptos. A crise agrícola resultante da seca era muito grande. Entre os jovens mobilizados para realizar o serviço militar havia cada vez mais inquietação, pois estavam convencidos de que seriam enviados para a Guerra Colonial. Por tudo isto, o PAIGC convocou uma manifestação para a Cidade da Praia, a 21 de Setembro, a qual provocou confrontos entre a população civil e os militares que deviam impedi-la.
A manifestação juntou cerca de uma centena de pessoas, muitas das quais seriam detidas, em colaboração com a PIDE, e enviadas, primeiro para o Tarrafal, e depois para outros campos de concentração, como o de S. Nicolau, no Sul de Angola. Depois da manifestação, foi proclamado o estado de sítio na Cidade da Praia e os responsáveis da ilha de Santiago tentaram, via Lisboa, retomar os contactos com a direcção do PAIGC em Conacri, mas na altura não o conseguiram.
Por seu lado, entre 8 e 12 de Julho, nove exilados do arquipélago de São Tomé e Príncipe reuniram-se em Malabo (Guiné Equatorial), para discutir as acções a realizar pelo Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP). Os participantes decidiram alterar o seu nome para Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP), que soava mais heróico, e dar o lugar de secretário-geral a Manuel Pinto da Costa, recém-chegado da RDA, onde tinha terminado a sua licenciatura em Economia. Todos os presentes passaram a fazer parte do Gabinete Político do MLSTP.
Em Timor-Leste, em Abril de 1972, houve uma reunião em Díli com uma delegação oficial indonésia para estudar os limites fronteiriços. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia referiu, dias depois, à imprensa de Melbourne (Austrália), que estava disposto a apoiar o surgimento de um movimento de libertação nessa colónia, o que foi considerado como parte da estratégia de pressão intermitente do regime de Jacarta para vir um dia a anexar esse lado da ilha, então sob soberania portuguesa.
Política interna
Durante este ano, acentuou-se o isolamento de Marcelo Caetano. Os liberais reorganizaram a SEDES a 24 de Abril, sendo o seu novo presidente, o deputado Magalhães Mota, enquanto no Parlamento todas as iniciativas dos deputados que lhe eram afins, eram rejeitadas pela maioria governamental. O endurecimento do regime levou ao abandono de toda a retórica reformista. Assim, a 5 de Maio, era aprovada a Lei da Imprensa, que mantinha os mecanismos de controlo informativo. Em Julho e em Setembro, também se incrementaram os poderes da polícia política, desamparando ainda mais os detidos, que podiam estar presos até seis anos sem controlo judicial, podendo, além disso, a DGS ordenar prisões sem intervenção judicial. A 18 de Julho saiu um decreto que estabelecia a aplicação de medidas administrativas e de segurança nas colónias, que permitia que os detidos pudessem ser enviados para colónias agrícolas ou vigiados sob residência fixa, onde se considerasse conveniente. Estas medidas de segurança podiam chegar aos seis anos, sempre que, passados três, as autoridades policiais considerassem que tal era benéfico para a tranquilidade pública. A 11 de Agosto houve uma remodelação do gabinete, sendo a novidade mais significativa a substituição do ministro das Finanças e Economia, e em Setembro estendeu-se a vários secretários de Estado. Estas alterações favoreceram um maior controlo do Executivo por Marcelo Caetano. O mesmo se passou nas Forças Armadas, com a designação do general Costa Gomes como CEMGFA, o qual era considerado então um apoiante próximo de Marcelo Caetano, com laços de amizade com ele, desde a falhada Abrilada de 1961. Mas onde se tornou mais clara a incapacidade do regime de se auto-reformar foi na reeleição, em Agosto, de Américo Tomás para a Presidência da República, por mais um mandato de sete anos, quando já contava 77 anos de idade e 14 no cargo. A sua designação desacreditou ainda mais o Governo e provocou um grande mal-estar no círculo íntimo de Marcelo Caetano, demitindo-se os únicos liberais do seu gabinete, os secretários de Estado da Indústria e do Comércio.
[Jornal Arriba, de Madrid, 2 de Julho, 1972]
Oposição
Perante esta escalada, a Oposição respondeu com acção política. A 30 de Dezembro, os grupos cristãos de base, liderados por Luís Moita, reuniram-se na capela do Rato para realizar uma greve de fome de 48 horas, em comemoração do Dia Mundial da Paz. Aprovaram várias moções, a favor da luta dos povos das colónias pela sua independência, de repúdio pela Guerra Colonial e pela colaboração da hierarquia eclesiástica com o regime. As BR, através de petardos, distribuíram por vários pontos de Lisboa panfletos a divulgar este retiro. Nessa altura, a polícia entrou no templo e deteve cerca de 70 pessoas, 15 das quais ficaram presas. A relação entre as BR e os sectores católicos progressistas revelava o crescente radicalismo político que se vivia, tendo a acção armada continuado muito presente. No 1º de Maio, as BR tinham tentado, sem sucesso, assaltar uma estação eléctrica, que deixaria sem energia grande parte do Centro e Sul do país, permitindo assim aos trabalhadores comemorar o Dia do Trabalhador.
A 25 de Julho, no período de reeleição de Américo Tomás, o mesmo grupo soltou dois porcos vestidos de almirantes pelas ruas de Lisboa, aludindo ao candidato, ao mesmo tempo que rebentavam diversos petardos com panfletos críticos em relação ao citado candidato e à farsa eleitoral. Mas a sua acção mais significativa foi o assalto, a 10 de Dezembro, aos Serviços Cartográficos do Exército, onde se apoderaram de um grande número de mapas topográficos que, depois, foram enviados para Argel para serem entregues aos movimentos de libertação, pois em Portugal não havia mapas das colónias editados à escala. Também a ARA, nessa época, realizou acções importantes.
A 12 de Janeiro atacou um armazém no porto de Alcântara, destruindo diverso material de guerra e, a 9 de Agosto, inutilizou 20 torres de alta tensão, localizadas em Lisboa, Porto e Coimbra, o que levou a que amplas zonas muito povoadas do país ficassem sem energia. Esta foi a última acção da ARA, que tinha nove activistas presos e pouca capacidade de os substituir. A LUAR, por seu lado, a 9 de Abril, assaltou nos arredores de Paris uma carrinha do Banco de Agricultura, obtendo 928 000 francos, mas não teve nenhuma acção destacada no interior do país, à excepção da introdução e armazenamento de material de guerra.
Neste ano, a ASP pediu a adesão formal à Internacional Socialista, na qual ingressou como membro de pleno direito a 26 de Junho, durante o XII Congresso, que aquela organização realizou em Viena. Durante este período, o PCP teve a sua intervenção mais articulada, através da ARA, pelas suas intervenções nos campos sindical e estudantil. Entre os trabalhadores organizados, o PCP conseguiu controlar as estruturas da Intersindical, que era dirigida por uma “troika” formada por três dirigentes comunistas: Avelino Gonçalves, Caiano Pereira e Manuel Candeias. A nível estudantil, e perante a competência das organizações de extrema-esquerda, o PCP decidiu criar, a 21 de Janeiro, a União de Estudantes Comunistas, que participou no amplo movimento de contestação estudantil, ainda que não o tenha dirigido.
Há que destacar também a grande conflituosidade laboral, com greves em todos os sectores produtivos, bem como a universitária. O regime respondeu com uma forte repressão, cujos efeitos mais sensíveis foram o assassínio do estudante de Direito, Ribeiro dos Santos, e o encerramento do IST e das Faculdades de Letras e de Medicina, nos finais do ano.
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