1965 - Continuar a guerra

1965
Casa dos estudantes do Império

A importância da Casa dos Estudantes do Império na formação de quadros nacionalistas

A Casa dos Estudantes do Império (CEI) em Lisboa foi criada em 1944, sob a égide da Mocidade Portuguesa, para apoiar os estudantes das colónias nas escolas em Portugal. A CEI resultou da fusão das anteriormente existentes Casa de Angola, de Moçambique e de Cabo Verde e foi patrocinada pelo ministro das Colónias, Vieira Machado, e pelo comissário nacional da Mocidade Portuguesa, Marcelo Caetano. Em Lisboa, ocupava dois andares dum prédio situado na Avenida Duque de Ávila e dispunha de cantina, salão de festas, biblioteca e um posto médico. Existiram delegações em Coimbra e no Porto.

A CEI vivia das quotizações dos associados e, principalmente, dos subsídios oficiais e dos governos das colónias. O apoio dado pelo Governo à CEI tinha o intuito de controlar os jovens vindos de África, evitando a sua dispersão. Com a CEI, o Governo conhecia o local de reunião dos estudantes africanos e sabia o que pensavam e faziam.

Desde a sua fundação, os estudantes das colónias aproveitaram a CEI para desenvolverem actividades políticas e culturais ligadas à situação colonial de que constituíam simultaneamente uma elite privilegiada e crítica. A CEI foi uma grande universidade das lideranças nacionalistas, pois ali discutia-se abertamente política e cultura numa perspectiva da africanidade, que no pós-segunda guerra percorreu as novas gerações de universitários africanos.

Agostinho Neto foi um dos dirigentes nacionalistas que frequentou a Casa dos Estudantes do Império. [AAA]

 

Convívio e formação

Os estudantes da Casa do Império editaram revistas e boletins, nos quais Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos escreveram os seus primeiros textos de reflexão política e Alda Lara, Orlando Costa ou Alexandre Dáskalos e José Craveirinha publicaram poesia, realizaram conferências com intelectuais portugueses como Alexandre O’Neil, Fernando Lopes Graça, Jorge de Sena, jogaram futebol e fizeram política.

Em 1960, a CEI foi acusada pela PIDE de ser a responsável pela difusão da “Mensagem ao Povo Português”, onde era defendido o direito à independência dos povos das colónias e eram apoiadas as posições da ONU contra a política colonial portuguesa. Salazar esteve prestes a dissolver a CEI, só não o tendo feito por pressão das outras organizações de estudantes.

 

Joaquim Chissano (ao centro), dirigente da FRELIMO, frequentou a Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, enquanto estudante. [Revista O Combatente]

 

Em 1961, a CEI apoiou a fuga de Portugal de mais de cem estudantes originários das colónias e que foram engrossar as fileiras dos movimentos nacionalistas de Angola, Guiné e Moçambique. Durante a crise académica de 1962, na sequência da proibição do Dia do Estudante, foi nas suas instalações que foram impressos alguns dos comunicados, o que levou a PIDE a invadir as instalações.

Em 1965, quando a CEI foi dissolvida, eram já poucos os estudantes que a frequentavam, o que se devia às fugas de muitos deles para a Europa e à repressão de que os seus membros eram objecto. 

 

Herança

Criada para servir a política colonial, a CEI acabou por ser um instrumento da sua derrocada. Durante a década de funcionamento passaram pela Casa dos Estudantes do Império centenas de dirigentes dos movimentos de libertação, entre eles alguns dos pais fundadores dos novos países, como Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Lúcio Lara e ainda alguns dos mais importantes intelectuais africanos de língua portuguesa, como Mário de Andrade, José Craveirinha, Alda Lara, Luís Bernardo, Manuel Lima, Pascoal Mocumbi.

Para o poeta angolano Mário António de Oliveira, “a Casa dos Estudantes do Império era o ponto de convergência e difusão do pensamento anticolonial que haveria de estar associado ao PAIGC, MPLA, FRELIMO, MLSTP…”. Tratava-se de uma associação multicultural que permitiu o convívio e o estabelecimento de fortes laços de solidariedade entre angolanos, moçambicanos, guinéus, cabo-verdianos, goeses e são-tomenses que continuaram a falar português nos seus novos países.

 

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