1965 - Continuar a guerra

1965
Salazar e a guerra - Primeiro balanço

Orgulhosamente sós

Num discurso proferido no dia 18 de Fevereiro de 1965, Salazar profere a frase “orgulhosamente sós”, que tem sido considerada uma afirmação caracterizadora da sua posição relativamente ao mundo. O discurso foi proferido na tomada de posse dos membros da Comissão Executiva da União Nacional e Salazar, referindo-se à política ultramarina portuguesa, designa Paris e Argel como as capitais da subversão contra Portugal, declarando que os portugueses combatem sem espectáculo e sem alianças, “orgulhosamente sós”.

A expressão foi frequentemente utilizada para caracterizar a política externa portuguesa durante a década de 1960 mas, mais do que corresponder a uma realidade, é uma figura de retórica que Salazar gostava de utilizar para explorar sentimentos e causar emoções e não passava de uma afirmação que não corresponde ao conteúdo.

 

Balanço da guerra

Salazar, fazendo um balanço dos quatro anos de guerra, afirma, a certo passo: “Vamos em quatro anos de lutas e ganhou-se alguma coisa com o dinheiro do povo, o sangue dos soldados, as lágrimas das mães? Pois atrevo-me a responder que sim. No plano internacional, começou por condenar-se sem remissão a posição portuguesa; passou depois a duvidar-se da validade das teses que se lhe propunham, e acabaram muitos dos homens mais responsáveis por vir a reconhecer que Portugal se bate afinal não só para firmar um direito seu mas para defender princípios e interesses comuns a todo o Ocidente. No plano africano, quatro anos de sacrifícios deram tempo a que se esclarecesse melhor o problema das províncias ultramarinas portuguesas, a diversidade das situações criadas em séculos naquele continente e os ganhos ou perdas, em todo o caso as dificuldades que a independência tão ambicionada por poucos trouxe a todos os mais e os dirigentes não sabem ainda como resolver. Assim, bastantes povos africanos nos parecem mais compreensivos das realidades e mais moderados de atitudes. Eis o ganho positivo desta batalha em que – os portugueses europeus e africanos – combatemos sem espectáculo e sem alianças, orgulhosamente sós”.

 

Viatura pesada Mercedes num itinerário em Angola. [DGARQ-TT-Flama]

 

 

Um regime contestado, mas não isolado

Para a maioria dos historiadores portugueses, o regime cultivou deliberadamente a imagem de uma nação isolada no seu combate pela civilização ocidental em África, promovendo um retrato a preto e branco do seu posicionamento internacional. Só que, na realidade, esse isolamento foi bem menor do que a Oposição ao salazarismo desejaria e do que Salazar se queixava. O historiador António Costa Pinto, por exemplo, considera que, no que respeita aos aliados de Portugal, apenas os Estados Unidos, sobretudo durante os anos iniciais da administração Kennedy, ensaiaram uma pressão activa para a descolonização de Angola e que as guerras coloniais portuguesas acabaram por ter “pouca saliência internacional” e por sofrer “um progressivo apagamento internacional em meados dos anos sessenta”. Para o historiador António José Telo, Portugal teria beneficiado de uma “neutralidade colaborante” dos seus principais aliados, como os Estados Unidos, a França, a Grã-Bretanha e a República Federal da Alemanha e a ideia de isolamento internacional de Portugal durante a Guerra Colonial deve ser substituída pela mudança nos apoios internacionais de Portugal, em que a França e a Alemanha substituem a Inglaterra e os Estados Unidos.

Os eixos das relações internacionais que ajudaram Portugal a manter a guerra de África orientaram-se, na Europa, para a França e a Alemanha e, em África para os regimes brancos da África do Sul e da Rodésia. Quanto aos Estados Unidos, Franco Nogueira geriu de forma hábil os poucos trunfos que tinha e manteve no essencial a eficácia das relações transatlânticas.

Mas não deve minimizar-se o isolamento diplomático geral a que o regime português esteve sujeito. Este isolamento traduzia-se não raras vezes por uma enorme hostilidade, mesmo de países aliados, como o caso da Vaticano (mais visível quando Paulo VI recebeu, em 1970, os líderes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas) e dos próprios Estados Unidos, que nunca deixaram de colocar dificuldades à aquisição de material de guerra com possível utilização em África, mesmo no tocante a equipamentos de duplo emprego, como viaturas e meios aéreos de tipo civil. Estas dificuldades estão bem ilustradas em declarações do embaixador português em Washington entre 1971 e 1981, João Hall Themido: “Ninguém do Congresso, ou quase ninguém, me recebia. Havia um ambiente de grande hostilidade. Embora não tivesse problemas ao nível dos contactos sociais, porque mantinha os meus amigos, eu era um embaixador politicamente marginalizado” (J. Freire Antunes, Cartas Particulares a Marcelo Caetano, Vol. 1º, p. 212).

 

Viaturas Leopardo a desembarcar no porto de Lisboa. [DGARQ-TT-Flama]

 

 

Negócios contra o isolamento

Nas relações internacionais, os negócios, os grandes negócios, são uma das mais eficazes formas de quebrar o isolamento político. O regime de Salazar conhecia a regra e utilizou-a intensamente ao longo dos anos, propondo bons negócios em Paris, em Bona e noutras capitais europeias.

 

Armas

As compras de material de guerra feitas principalmente à França, Alemanha, mas também à Itália, a Espanha e a Israel e que permitiram adquirir viaturas Berliet e Unimog (Mercedes), espingardas e metralhadoras G-3, helicópteros Alouette, aviões NordAtlas, DO27, Fiat G91, munições, mísseis Crotale terra-ar, minas e tantos outros equipamentos, foram importantes negócios que se fizeram apesar das queixas do “orgulhosamente sós” de Salazar.

 

Grandes empreendimentos

Outra das formas do Governo português quebrar o isolamento internacional e envolver outros países na guerra foi através da proposta de parcerias para grandes empreendimentos em África. As grandes obras hidroeléctricas de Cahora Bassa em Moçambique e das barragens do rio Cunene, na fronteira entre Angola e a Namíbia tinham, para além do interesse económico, uma forte componente estratégica, não só no sentido de impedir o alastramento da guerrilha a novas zonas, como no de envolver os países participantes nos projectos numa mais empenhada defesa da política portuguesa.

 

Vale do rio Zambeze em Cahora Bassa, onde viria a ser construída a grande barragem. [AHM, fotografia de McIntosh]

 

O sistema financeiro

Grandes bancos europeus e americanos estiveram sempre presentes nas colónias portuguesas e integraram-nas no sistema financeiro internacional, através de associações com banqueiros portugueses. O Standard da Grã-Bretanha estava associado à família Mello em Angola e Moçambique com a designação Standard Totta, o First National City Bank surge associado à família Quina, a Société Générale da Bélgica estava associada ao Banco Fonsecas & Burnay. Em resumo, o discurso do “orgulhosamente sós” de Salazar era apenas uma versão da fórmula habitual dos ditadores de se fazerem vítimas perante os seus povos, enquanto realizam negócios à margem de qualquer escrutínio.

 

As eleições de 1965 – preparar o futuro

 

Américo Tomás foi sempre um intransigente defensor da política colonial do regime.[AHM]

 

No discurso de Salazar à Comissão Executiva da União Nacional, mais importante do que a frase que ficou célebre, foi o que ele disse aos seus fiéis relativamente à situação interna, lembrando ser 1965 um ano com dois actos eleitorais. Um para deputados, que ele considerou não ser de atribuir importância decisiva, pois iria terminar com a vitória dos candidatos propostos pela União Nacional, e outro para a escolha do próximo presidente da República, que Salazar considerou ser de decisiva importância. É que, embora a escolha do chefe de Estado tivesse passado a ser feita “portas adentro”, através de um colégio eleitoral, sem riscos para o regime, depois do susto com a campanha de Humberto Delgado, tratava-se agora de escolher o presidente da República que, dada a sua idade, Salazar considerava que seria o responsável pela escolha do seu sucessor.

Em 1965, Salazar tinha 76 anos e era preciso escolher para presidente um homem que garantisse poder assumir em pleno as atribuições que a Constituição lhe dava. Salazar fez prevalecer a sua vontade no meio de alguma controvérsia e o cargo voltou a ser entregue ao almirante Américo Tomás, que ficou com a difícil tarefa de, eventualmente, ter de nomear o substituto do “grande homem do regime”, o que veio a acontecer em Setembro de 1968.

 

Um regime teimosamente só perante o seu povo

Bem vistas as coisas, o que se debatia por detrás da cortina do discurso do “orgulhosamente sós” era sobretudo o isolamento de um homem e de um regime perante o seu povo, e não a solidão de Portugal no mundo, como Salazar queria fazer crer.

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