Artigo do jornal Le Monde sobre a situação de Moçambique com o título: “Moçambique – cada dia pode ter um My-Lai”.
O artigo baseava-se em declarações do padre Afonso Costa e referia massacres cometidos pelos militares portugueses em Moçambique. O padre citava várias localidades incendiadas após a evacuação forçada dos habitantes da região de Tete – Traquino, Chacolo, Chitengo, Mahanda, Kapinga, cujas populações tinham sido obrigadas a instalarem-se nos aldeamentos em redor de Cahora Bassa.
My-Lai tinha sido um massacre cometido por forças americanas contra civis no Vietname e que deu origem ao julgamento do oficial comandante e a uma campanha de contestação à guerra de grandes proporções nos Estados Unidos e no mundo.
Lançamento, pela FRELIMO, de uma grande ofensiva em Tete.
Em Setembro, a FRELIMO tinha efectuado um violento ataque ao aeródromo de Mueda e a 9 de Novembro atacou a base aérea de Tete. A acção iniciou-se cerca das 16 horas, com foguetes 122mm e morteiros de 82mm.
As forças portuguesas responderam com tiros de morteiro, com um heli-canhão, que se deslocou para a base de ataque, e com um pelotão de Pára-quedistas e outro de caçadores.
Este foi o primeiro ataque da FRELIMO a esta base aérea, situada muito próxima da cidade de Tete. O ataque, pela surpresa que causou a presença de guerrilheiros naquela zona e pela sua ousadia, desencadeou uma série de respostas. Assim, no dia seguinte, 10 de Novembro, um pelotão de Pára-quedistas e um helicanhão deslocaram-se para a base de ataque. Uma equipa de pisteiros, vinda de Estima, iniciou a busca dos trilhos de retirada dos guerrilheiros. Um outro grupo de combate foi lançado no vale do rio Cangade para destruir acampamentos e capturar populações que pudessem ser interrogadas.
Devido à violência da acção das forças portuguesas e à sua tendência para deixarem o controlo da mata aos guerrilheiros, preferindo controlar as cidades, as linhas de comunicação e os pontos fortes, acabaram por favorecer a acção da guerrilha, que espalhou rapidamente a sua influência nesta área.
Aprovação, por unanimidade, pelo Conselho de Segurança da ONU de uma resolução pedindo a Portugal que inicie conversações com “interlocutores válidos” para uma solução das guerras.
Reconhecimento, pelo Comité de Descolonização da ONU, dos movimentos nacionalistas como legítimos representantes dos povos de Angola, Guiné e Moçambique.
“Conversa em família” de Marcelo Caetano criticando o alarmismo de alguns vizinhos de Moçambique e negando a possibilidade de negociações com os movimentos de libertação africanos.
Sempre a propósito da política colonial e da guerra, Marcelo Caetano falou sobre a reunião do Conselho de Segurança da ONU e sobre as relações com os países vizinhos, a África do Sul e a Rodésia.
Sobre a reunião do Conselho de Segurança disse, colocando a questão: “… parece que os estados africanos se propõem agora convidar Portugal a negociar com os terroristas a entrega das províncias ultramarinas. Já tenho explicado que a negociação é impossível”.
Logo de seguida adiantou, para os adeptos da autonomia e os preocupados com o impasse em que a guerra se encontrava:
“Estamos prontos para todas as conversas que tenham por objecto o regresso dos terroristas à sua terra e até ao estudo de aceleração da participação de naturais das províncias na sua administração e no governo local”.
E, para descansar os “ultras”, garantiu: “Mas ninguém pode esperar de nós a entrega de terras portuguesas a bandos reunidos para servir interesses alheios empregando a violência”. A técnica de dar uma no cravo e outra na ferradura, como nesta “conversa em família”, revela que Marcelo Caetano era muito melhor como manipulador de ideias e conceitos do que como político.
Esta importante “conversa” é uma das que melhor revela o jogo de sombras e contradições em que Marcelo Caetano e o regime se tinham envolvido a propósito da questão colonial. A continuação da guerra e o seu agravamento nos quatro anos que Marcelo Caetano levava de governo após ter substituído Salazar tinham acentuado desconfianças e dividido o regime. Marcelo Caetano era o chefe de um Governo, mas não o era do regime. Este desagregava-se num mundo de conspirações e ele não tinha qualidades para se impor. Restava-lhe o papel de mágico decadente, fazendo uma coisa com uma mão direita e outra com a esquerda.
É hoje sabido que Marcelo Caetano estabeleceu negociações com os ditos “terroristas” em 1973. Com o PAIGC em Londres, com o MPLA em Roma e com a FRELIMO em Lusaca, e que teve preparado, com o governador-geral de Angola, o seu fiel Santos e Castro, um plano de independência unilateral da colónia previsto para ser anunciado a 15 de Agosto de 1974.
É evidente que ele poderia sempre dizer a quem o quisesse acreditar que se tratava das tais “conversas” para os convencer a regressar à sua terra e a ocuparem um lugar na administração local!
Mas esta “conversa” tinha ainda como destinatários a África do Sul e a Rodésia, que ele tratou como “os nossos vizinhos” e que vinham demonstrando crescente preocupação com a incapacidade de Portugal controlar a situação da guerra, em especial em Tete.
Disse, a propósito: “Cahora Bassa continua. Mas alguns vizinhos com menos experiência não ocultam os seus temores e fazem com isso o jogo do inimigo. Já se lhes disse mais de uma vez que não têm razão para tamanho susto (…) a situação em Tete não é pior do que outras que temos conhecido e dominado…”
Este recado pretendia responder às pressões dos sul-africanos e rodesianos para Portugal intensificar o seu comprometimento na Aliança Alcora, dizendo-lhes que esse comprometimento português para criar um espaço de governo branco a sul do Equador iria ao ritmo que mais lhe conviesse – condicionado pelas negociações com os movimentos de libertação que estava a promover, com a participação nas instituições europeias, com a possível derrota militar na Guiné.
Estes cuidados de Marcelo Caetano relativamente aos “vizinhos” africanos não anulava o facto da situação de descontrolo em Tete ser pior do que a vivida em qualquer outro território (ainda não chegara o tempo da Guiné viver os ataques a Guidage e a Guileje) e pioraria em Dezembro, ao vir a público o conhecimento dos massacres de Wiriyamu.
Resolução da Assembleia Geral da ONU destacando a participação nos seus trabalhos de representantes dos movimentos de libertação na qualidade de “observadores” e reconhecendo-os como os representantes autênticos dos povos dos respectivos territórios.
Resolução do Conselho de Segurança da ONU, aprovada por unanimidade, sobre a política colonial portuguesa, focando o reconhecimento da legitimidade das lutas travadas pelos movimentos de libertação e fazendo um apelo ao Governo português para iniciar negociações.
Directiva 23/72 de Spínola para a reocupação do Cantanhez, no Sul da Guiné.
A intenção de Spínola de transferir o esforço para o Sul tinha sido claramente expressa na Directiva 10/72, de 22 de Julho (Ocupação do Cubisseco), em que determinava ao Comando da Defesa Marítima a recuperação da população do Cubisseco com a instalação naquela zona dos dois Destacamentos de Fuzileiros Africanos (DFE 21 e DFE 22).
A Directiva 11/72, de 3 de Agosto (Conduta da Acção para a Época das Chuvas de 1972), referia ser sua intenção construir os aldeamentos de Cafine, Nhacoba e Cubisseco e construir as estradas Aldeia Formosa-Buba, Catió-Cufar e Jugudul-Bambadinca. A Directiva 13/72, de 4 de Agosto, determinava a realização de acções de modo a tornar a população do Cubisseco mais receptiva e colaborante com o esforço socioeconómico que ali se ia fazer. Todas estas acções se destinavam à reocupação do Cantanhez. O conceito de manobra de Spínola foi o de estabelecer no rio Cacine a linha de defesa do Sul da Guiné, deixando a península de Quitafine como zona livre, se possível mantendo os aquartelamentos de Cacine, Guileje e Gadamael como postos avançados, que poderiam ser apoiados pelos novos quartéis do Cantanhez. Era com essa manobra convencional de criar no Cantanhez uma “zona principal de resistência” com a qual Spínola previa controlar militarmente o Sul da Guiné e era a essa manobra que a Directiva 23/72 procurava dar corpo, ao criar o COP 4, sob o comando do tenente-coronel Pára-quedista Araújo e Sá, que seria apoiado pelo comando do BCP 12. O COP 4 ficaria na dependência directa de Spínola e tinha a seguinte missão, meios e zona de acção:
Missão: Implantar destacamentos militares nas áreas de Caboxanque, Cadique e Cafine. Recuperar as populações sob controlo inimigo.
Meios: Duas companhias de Páras; Dois destacamentos de Fuzileiros; Quatro companhias de Caçadores; (CCaç 6, CCaç 4540, CCaç 4541, CCav 8352); Um pelotão de Artilharia 14cm.
Zona de Acção: Definida pelo rio Cumbijá até Guileje e pelo rio Cacine, de Dideragabi até à foz (península do Cantanhez).
A implantação do dispositivo seria feita de 8 a 16 de Dezembro.
A reocupação do Cantanhez tinha como objectivo conter o PAIGC no rio Cacine. A operação, com o nome de código de Grande Empresa, foi conduzida pelo recém-criado COP 4, e começou com um desembarque das forças e a instalação nas povoações de Cadique Ialala, Caboxanque e Cafine. Também seria ocupada a região de Jemberém e construída uma estrada táctica a ligar as duas margens da península do Cantanhez.
Acção das Brigadas Revolucionárias contra os Serviços Cartográficos do Exército.
As BR assaltaram os Serviços Cartográficos do Exército, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, de onde retiraram mapas que foram posteriormente enviados para os movimentos de libertação africanos, MPLA, PAIGC e FRELIMO.
Morte do pastor Zedequias Manganhela na prisão da Machava.
Este religioso protestante estava detido por actividades “subversivas” de apoio à FRELIMO na cadeia da Machava e morreu na noite de 10 para 11 de Dezembro.
Levantaram-se fortes suspeitas de ter morrido em sequência de torturas.
Face a essas suspeitas o juiz presidente do Tribunal da Relação de Lourenço Marques emitiu um parecer em Abril de 1973 em típica linguagem jurídica que não esclarecia se tinha existido ou não tortura: o magistrado concluía que a morte de Manganhela fora devida “a enforcamento e a acção do próprio falecido”, na sua cela e que “não há nos autos indícios de que o falecido tenha sido fisicamente maltratado”.
Reunião em Kinshasa de Agostinho Neto e Holden Roberto para a unificação dos movimentos de libertação de Angola.
Os dirigentes do MPLA e da UPA/FNLA reuniram-se juntamente com o secretário-geral da OUA, Gerard Kamanda, para tentarem chegar a um acordo de unificação. Todas as tentativas feitas no passado para reconciliar os dois dirigentes haviam fracassado, mas o facto de Agostinho Neto ter ido a Kinshasa foi tomado como um sinal encorajador. No entanto, esta reunião foi mal recebida pelos dirigentes do MPLA, que a tomaram como uma cedência à UPA/FNLA.
Esta reunião era sequência de outras realizadas em Brazzaville em Agosto, e em Rabat em Junho.
Artigo de Kaúlza de Arriaga publicado no jornal Notícias, de Lourenço Marques.
Kaúlza de Arriaga escreveu um longo artigo de teoria política e estratégica, dentro do seu pensamento de limitar as guerras de libertação de África em face da estratégia da URSS, cujas grandes linhas eram as seguintes: “Moçambique é chave vital na actual situação político-estratégica”; “A grande batalha será na África Austral”; e “Sem a queda de Moçambique o neo-imperialismo comunista perderá a batalha pela África Austral”.
Acordo MPLA-FNLA, assinado em Kinshasa por Agostinho Neto e Holden Roberto, que previa a criação de órgãos superiores comuns.
Dificuldades
O ano de 1972 foi dramático tanto para a FNLA como para o MPLA.
Além das derrotas militares sofridas no terreno, que obrigaram os dois movimentos a retirarem a quase totalidade das suas forças para as bases de retaguarda no Congo e na Zâmbia, as duas organizações viveram gravíssimas dissensões internas. A FNLA viu-se a braços com uma grave amotinação dos elementos do ELNA na base de Kinkusu, que obrigou as tropas do Zaire a intervir; e o MPLA foi confrontado com a Revolta do Leste, encabeçada por Daniel Chipenda, em oposição a Agostinho Neto. Estes factos, que tiveram grande ressonância regional e um forte impacto na OUA, traziam em si o gérmen da dissolução e da derrota dos dois movimentos.
Perante a sua desorganização geral, a OUA, com a interferência de Mobutu, ainda os juntou e fez assinar a Acordo de Kinshasa, a 13 de Dezembro de 1972.
O acordo
O acordo de Kinshasa foi estabelecido sob a égide da OUA para tornar mais eficaz a luta contra Portugal em Angola. A FNLA e o MPLA lutavam mais entre si do que contra os portugueses e os dois movimentos estavam mergulhados numa profunda crise. Para ultrapassar esta situação foi estabelecida a criação de organismos comuns aos dois movimentos: um Conselho de Libertação de Angola (CSLA), um Conselho Político Angolano (CPA) e um Comando Militar Unificado (CMU), este dirigido pelo MPLA.
Este acordo nunca se concretizou por divergências entre Holden Roberto e Agostinho Neto. Estas divergências tinham a ver, não só com diferentes concepções para a condução da luta de libertação, pois enquanto o MPLA defendia a intensificação das acções armadas, a FNLA preferia negociações, mas também com as ligações externas dos dois movimentos. O acordo era o concretizar de uma ideia defendida pela URSS e pela China a que os EUA responderam aumentando o apoio à FNLA, de modo a que esta suplantasse o MPLA.
Sem eficácia
Em 1973, já a FNLA voltava à anterior situação de luta contra o MPLA, prendendo dois dos seus comandantes e 36 dos seus guerrilheiros.
O acordo seria também considerado um erro tremendo por parte de alguns dirigentes do MPLA, nomeadamente Gentil Viana, que desenvolveu intensa actividade para devolver ao MPLA a supremacia relativamente à FNLA, no seio da OUA.
O Movimento de Reajustamento
Em Novembro de 1972, o MPLA iniciou um processo de reflexão sobre a sua estratégia que ficou conhecido por Movimento de Reajustamento. A situação era muito difícil e originou graves conflitos internos, as populações sob controlo do MPLA queixavam-se da fraca protecção que o movimento lhes dava, os guerrilheiros queixavam-se da logística e dos responsáveis, os fracassos sucessivos na frente de combate tinham provocado deserções, apresentações às autoridades portuguesas e recusas em combater, e muitos militantes punham em causa a actuação da direcção do MPLA, principalmente depois do acordo com a FNLA.
Foi com este quadro que Agostinho Neto aceitou abrir um debate interno sobre os problemas do MPLA e sobre as medidas estratégicas e reorganizativas que era urgente tomar, desencadeando o chamado Movimento de Reajustamento, que deveria ser também uma pausa para corrigir erros e afastar dirigentes corruptos.
Este movimento traduziu-se no reforço das posições de Agostinho Neto e no afastamento de dirigentes ligados a Gentil Viana.
Em Fevereiro, na Base Kalunga, no Leste de Angola, após uma tumultuosa assembleia, ficou definida a estrutura dirigente do MPLA e, a partir dos dirigentes contestatários, nasceu o movimento Revolta Activa.
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