1971 - Lutar em novas frentes

1971
Moçambique - uma africanização diferente

Uma nova forma de africanização

O Centro de Instrução de Grupos Especiais (GE) e de Grupos Especiais Pára-quedistas (GEP) foi criado a nível da Região Militar de Moçambique e a título experimental, com sede no Dondo, Beira.

Na mesma data foi criado o Comando-Geral dos GE (CGGE) que, no Quartel-General da Região Militar de Moçambique, se situava ao nível dos comandos das armas. Este centro era comandado por um coronel ou tenente-coronel e tinha por funções o recrutamento do pessoal, a sua instrução e “doutrinação”, o seu comando operacional ou o aconselhamento de emprego dos GE e dos GEP. A constituição destas unidades pretendia alargar a fonte de recrutamento, antes preferencialmente metropolitano, reduzir as despesas e conseguir a sustentabilidade de efectivos que a demografia europeia já não assegurava. A africanização servia também ao Governo português em Lisboa como argumento para o reforço da legitimidade política necessária para ganhar a guerra e apoiar a sua propaganda de que esta não tinha carácter racial.

 

CIGE: uma arma do engenheiro Jardim

Mas, no caso da constituição do CIGE, a grande concentração de tropas africanas em Moçambique, dotada de Centro de Recrutamento e Instrução e com comando operacional sobre as suas unidades, obedecia a uma intenção estratégica ao serviço dos projectos do engenheiro Jorge Jardim.

O Centro do Dondo, com os seus Grupos Especiais, Pára-quedistas e Pisteiros, também era, de alguma forma, o corpo de batalha do engenheiro Jardim para forçar uma solução para Moçambique e tentar impor a sua vontade.

O engenheiro Jardim, apoiado por estes efectivos, pelos grupos de milícias que os seus homens controlavam, seria sempre uma carta com quem todos teriam de contar num futuro Moçambique independente.

 

Os Grupos Especiais (GE)

Os GE eram recrutados entre voluntários de uma zona étnica específica e, após a instrução militar, regressavam ao seu local de origem, para aí realizarem missões caracteristicamente de contraguerrilha, de flagelação e de redução do inimigo, tirando o máximo partido da sua adaptação natural ao meio e do profundo conhecimento do terreno e das populações. 

Os primeiros seis Grupos Especiais, com um efectivo de 550 homens, participaram na Operação Nó Górdio. No final da guerra, em Abril de 1974, o seu efectivo estimava-se em 7700 homens. 

 

Instrução dos GEP no Dondo. [História das Tropas Pára-quedistas Portuguesas]

 

Os Grupos Especiais Pára-quedistas (GEP)

Os GEP eram recrutados normalmente entre os GE, tinham origem e actuação ao nível provincial, essencialmente em missões de redução do inimigo, mas com treino de tropas Pára-quedistas. Foram formados 12 grupos especiais Pára-quedistas (GEP), agregados à Força Aérea. Cada GEP era comandado por um tenente, dispunha de um sargento especialista em operações psicológicas e quatro subgrupos com um sargento comandante, quatro cabos e 12 soldados, num total de 70 homens por GEP.

Os GEP cumpriam as mesmas missões dos GE, a capacidade pára-quedista era principalmente honorífica e desportiva. Num teatro de operações e numa guerra onde foram raras as operações efectuadas com lançamento de Pára-quedistas e menos ainda a necessidade de as realizar, como reconheceu o general Augusto dos Santos a propósito da Operação Zeta, a existência dos GEP não derivava da necessidade operacional, mas da vontade de premiar os melhores GE de forma simbólica (era motivo de orgulho pertencer aos GEP) e material, pois ganhavam a gratificação de pára-quedismo. Os GEP serviam ainda as unidades Pára-quedistas, poupando os respectivos militares europeus ao enorme desgaste das operações em Tete. Também serviam o engenheiro Jardim, que tinha uma real influência sobre eles, colocados como estavam junto à sede do seu “império” no Dondo, e poderiam constituir uma das suas armas de intervenção, no futuro desenvolvimento do seu
programa para Moçambique.

 

Grupos Especiais de Pisteiros de Combate (GEPC)

Os GEPC eram unidades constituídas por GE e GEP treinados especialmente para descobrir pistas e indícios que levassem à localização de guerrilheiros. Foi formado um pequeno número de grupos.

No total, considerando GE, GEP e GEPC, os efectivos atingiram cerca de 8800 homens.

 

Outros grupos

Além destas tropas ainda existiram Flechas, com constituição e finalidades idênticas aos de Angola, mas a sua implantação, apesar de apoiada pelos rodesianos e por elementos da DGS de Angola, nunca foi bem vista pelas autoridades militares em Moçambique e foram sempre incipientes.

Ao longo da guerra foram criados em Moçambique, ou continuaram a existir com novas missões, variados grupos com estatutos e dependências pouco definidas, tendo como base os grupos de milícias, dependentes das autoridades administrativas. Destinavam-se essencialmente à autodefesa das populações e à manutenção da ordem, contudo, alguns, como o conhecido grupo do Roxo, tiveram papel ofensivo na guerra contra a FRELIMO no Niassa. Noutros locais de Moçambique organizaram-se milícias de intervenção, depois designadas por guardas rurais, com a missão de combate e milícias de protecção, que constituíam um corpo militar de segunda linha, com a missão principal de autodefesa das populações da área administrativa a que pertenciam, preservando a manutenção da ordem instituída.

 

Pintura de parede com o emblema dos pisteiros de combate de Moçambique. [AHM, foto de P. McIntosh]

 

As milícias do engenheiro Jardim

Como era inevitável em Moçambique, também surgiram umas milícias da iniciativa de Jorge Jardim. Começaram por ser a autodefesa na região de Mecanhelas, para assegurar a ligação com o Malawi e, por vezes, a intervenção naquele país, mas também actuaram como auxiliares das forças portuguesas na zona do Niassa. Com as milícias pretendia-se conferir às autoridades tradicionais um meio relativamente eficaz de policiar a periferia e o interior dos agregados populacionais a seu cargo. Estas estariam, assim, mais capazes de fornecer dados concretos às autoridades administrativas sobre a evolução verificada naqueles agregados por si controlados. De uma forma geral, estas tropas integraram-se na acção das forças portuguesas e lutavam com grande empenho, pois não só tinham um emprego relativamente bem remunerado, com todas as regalias inerentes à condição militar, como, além do mais, acreditavam na vitória portuguesa, ou do engenheiro Jardim.

 

Um caminho perigoso

Em suma, para fazer crescer as guarnições das três colónias em guerra, optou-se por incrementar o recrutamento local. Para além da criação de unidades quase totalmente constituídas por militares africanos, foi igualmente utilizada a “miscigenação” das unidades oriundas da Metrópole, as quais chegavam aos TO incompletas, para aí serem recompletadas com pessoal recrutado localmente. Os efectivos em praças – cabos e soldados – também já não satisfaziam as necessidades dos teatros de operações. Desde 1967 que se atingira o limite máximo das capacidades de recrutamento em Portugal. A aludida africanização da guerra foi muito mais extensa do que se imagina (ver quadro). Em Moçambique, por exemplo, os efectivos africanos representavam, por altura do 25 de Abril, mais de metade da guarnição. Esta realidade – que tem sido lembrada muitas vezes como sendo uma prova da adesão das populações autóctones à política ultramarina portuguesa – haveria de ter, porém, um incómodo reverso da medalha, quando chegasse a hora de utilizar o aparelho militar para apoio directo a uma política de transição para a independência e as unidades miscigenadas vacilassem no capítulo da coesão e da disciplina.

 

 

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