O DIA DAS CONDECORAÇÕES
Bandidos e heróis
Em Março, o regime tinha demitido, à margem do respeito pelas normas da dignidade devida a militares, alguns dos oficias da Índia. Agora incensava os heróis de África. O regime de Salazar, que se servia dos militares e que nunca os conheceu, esquecia-se que eram todos feitos da mesma massa. Que muitos dos que tinham sido abandonados na Índia iriam combater em África, mas que não se esqueceriam das ofensas e do abandono.
Os heróis de África eram iguais aos “cobardes” da Índia. Salazar e o seu regime nunca entenderiam isso.
O “Dia da Raça”
O dia da morte de Camões começou a ser comemorado como feriado nacional em 1925, ainda no tempo da I República. O Estado Novo manteve essa celebração, tendo até utilizado o dia para a inauguração do Estádio Nacional, em 1944. Durante a cerimónia, Salazar proferiu um discurso em que rebaptizou o feriado como “Dia da Raça”, nome que já vinha sendo usado, embora não oficialmente.
O “Dia da Raça” é, já em plena Guerra Colonial, aproveitado para condecorar os novos heróis por actos de bravura em combate, os mortos e os feridos.
A cerimónia do 10 de Junho de 1963 serviu de padrão às que se viriam a realizar anualmente. Numa tribuna montada no Terreiro do Paço, em frente ao Cais das Colunas, reuniam-se os mais altos dirigentes do regime. Diante deles, formavam as unidades das Forças Armadas. À direita, os estandartes das unidades da Marinha, Exército e Força Aérea, depois uma formatura dos pequenos alunos dos Pupilos do Exército e do Colégio Militar, armados de espingarda, de seguida os cadetes da Escola Naval, de uniforme azul escuro e espada, os cadetes da Academia Militar de cinzento, espada e botas altas, um Batalhão da Marinha, um do Exército, um da Força Aérea e um de Pára-quedistas.
O público era mantido sob o olhar da polícia debaixo das arcadas dos ministérios.
A partir das dez e meia da manhã, à medida que chegavam as altas entidades para tomarem o lugar na tribuna, o clarim tocava a sentido.
Salazar era o penúltimo a chegar, antes do Presidente da República, Américo Tomás, de uniforme branco de almirante.
O clarim tocava a apresentar armas e a banda tocava o hino nacional.
De seguida iniciava-se a distribuição das condecorações. Por ordem de importância eram chamados os condecorados para receberem as medalhas de Valor Militar de ouro, prata e cobre, as quatro classes da Cruz de Guerra, as medalhas de Serviços Distintos. Nas primeiras cerimónias o locutor lia os louvores das condecorações que eram atribuídas aos militares ou às suas famílias, quando concedidas a título póstumo.
Depois, as forças em parada desfilavam perante as altas entidades e os condecorados alinhados na tribuna.
Os Pára-quedistas, de camuflado e lenço de seda ao pescoço, encerravam o cortejo militar ao som de marchas militares, subindo a Rua Augusta em direcção ao Rossio.
A partir de 1969 as cerimónias de condecorações de militares no 10 de Junho foram descentralizadas, passando a realizar-se também, além das do Terreiro do Paço, nas sedes das regiões militares e capitais das províncias.
O papel da rádio e da televisão
Os meios de comunicação social desempenhavam um papel importante nestas cerimónias, que eram transmitidas pela rádio e pela televisão.
A RTP passou a ser, desde o início da guerra, um instrumento de manipulação da informação que o regime entendia dever ser fornecida aos portugueses.
Com as preocupações causadas nas famílias pela situação dos seus militares envolvidos nas operações no Norte de Angola e com as dificuldades sentidas pelo Governo para justificar a sua política colonial nas Nações Unidas e junto dos aliados tradicionais, a informação da RTP passou a apresentar reportagens realizadas nos locais em guerra, introduzindo inclusivamente edições especiais sobre os acontecimentos, e, depois, abrindo uma “campanha de auxílio às vítimas do terrorismo”, a qual constituiria um novo e importante elemento do dispositivo instrumental dos telejornais.
As grandes cerimónias serviam de catalisador ideológico e eram aproveitadas para glorificar o Governo.
Segundo Rui Cádima em “Televisão e Ditadura”, no período inicial da Guerra Colonial, este foi o principal tema de abertura dos telejornais, com a designação de “Acontecimentos de Angola”, à frente da agenda do protocolo oficial.
Profissionais da televisão chegaram a ser louvados e condecorados pelos comandos militares e pela administração da RTP.
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