1962 - Optar pela guerra

Da Criação da OUA à Guerra na Guiné

Por Josep Sánchez Cervelló

Limitar a corrida ao armamento

A crise dos mísseis de Cuba estendeu-se até 1963. Em Janeiro, os negociadores norte-americano e soviético, Stevenson e Kouznetsov, respectivamente, anunciaram perante o Conselho de Segurança da ONU que tinham chegado a um acordo para a retirada dos mísseis soviéticos de Cuba. Em Julho, depois de diversos contactos bilaterais, dirigentes de ambos os países decidiram, em Genebra, a instalação de uma linha de comunicação directa entre o Kremlin e a Casa Branca, o chamado telefone vermelho, para evitar que se repetisse uma situação similar à ocorrida e que pudesse desencadear, por erro, uma guerra nuclear.

Em consequência desta situação, ambas as superpotências tomaram consciência da necessidade de limitar a corrida ao armamento. Nessa perspectiva, a 5 de Agosto, os ministros dos Negócios Estrangeiros da URSS, Andrei Gromiko, dos EUA, Dean Rusk, e da Grã-Bretanha, Alec Douglas Home, comprometeram-se a não realizar testes nucleares nem na atmosfera nem debaixo de água. O tratado entrou em vigor a 10 de Outubro, com a adesão de cerca de uma centena de países, mas com a excepção da França, China, Albânia e outros, que consideravam que o acordo garantia a supremacia dos que já dispunham de arsenais nucleares e limitava os países emergentes. Além disso, ignorava o subsolo, o que impedia a eficácia do tratado.

Estados Unidos – a luta contra a discriminação

Paralelamente, desencadeou-se a fase culminante da luta contra a discriminação racial nos EUA, com centenas de manifestações de protesto por todo o país.

Este movimento culminou com a “marcha sobre Washington”, a 28 de Agosto.

O protesto, organizado por inúmeras associações pelos direitos civis e encabeçado por Martin Luther King, contou com a participação de aproximadamente 200 000 pessoas.

A sua comissão organizadora foi recebida no Capitólio pelos líderes dos partidos democrata e republicano e pelo presidente J. F. Kennedy, iniciando-se gradualmente a desmontagem da impunidade dos racistas brancos que aterrorizavam os negros, especialmente os que lutavam pelos seus direitos civis e eleitorais. Ainda em Outubro, o presidente Kennedy teve de colocar as forças policiais do Estado do Alabama sob autoridade do Governo federal, uma vez que o governador desse estado as usava para impedir os alunos negros de acederem a escolas que até aí tinham sido reservadas a brancos. O presidente J. F. Kennedy seria assassinado a 22 de Novembro de 1963, em Dallas, num crime cujo alcance jamais será esclarecido.

Criação da OUA

Em relação ao continente africano, o acontecimento mais importante deste período foi a criação, a 25 de Maio, em Adis Abeba, da Organização para a Unidade Africana (OUA), com a presença de 30 chefes de Estado e de Governo independentes, do continente. A sua carta fundadora estabelecia, entre os seus objectivos, “eliminar de África o colonialismo, em todas as suas formas”, e prometia ainda toda a ajuda necessária para a libertação dos territórios africanos que ainda não eram independentes. Além disso, a OUA decidiu cortar de imediato as relações diplomáticas, estabelecer um boicote comercial e proibir as ligações marítimas e aéreas com Portugal. Estas resoluções foram seguidas pelos poucos países que ainda mantinham estas relações, sendo Madagáscar o último a cortá-las, em Junho de 1964.

Ainda o Congo

Outro aspecto com importantes repercussões no continente africano foi a continuação da guerra do Catanga, sendo que, no princípio de Janeiro, as tropas da ONU ocuparam o centro mineiro de Jadotville.

Moisés Tchombé no Catanga. [CD/DN]

Nessa altura, o secretário-geral dessa organização rejeitou o pedido de negociações feito por Tchombé, entendendo que o seu único objectivo era ganhar tempo e, dias depois, este aceitou o plano da ONU que o obrigava a renunciar ao secessionismo.

Assim, em Fevereiro, a cúpula dos gendarmes catangueses, com o general Norbert Muke à cabeça, e outros 24 oficiais, tiveram de jurar fidelidade ao Governo central. Simultaneamente, o secretário-geral da ONU informava o Conselho de Segurança de que a missão da ONU no Catanga tinha terminado.

No entanto, Tchombé conseguiu fugir para Salisbúria e dali para Espanha, onde se estabeleceu, enquanto a maior parte do seu Exército, especialmente os gendarmes e a Força Aérea, se refugiaram de “armas e bagagens” em Angola. A ONU e grande parte da opinião pública internacional pediram a Lisboa o seu repatriamento, o que não foi concedido. Isto levou a que, a 17 de Março, o primeiro-ministro do Congo, Cyrile Adoula, acusasse Portugal de permitir o estabelecimento de bases em Angola e de as colocar à disposição dos separatistas, que as utilizavam para continuar a atentar contra a unidade do seu país. Independentemente da atitude portuguesa, a instabilidade no Congo continuou.

De facto, uma semana depois de o secretário-geral da ONU ter declarado o fim das hostilidades, estalou uma nova revolta contra o Governo central, no Kasai Sul. Em Setembro, o presidente Kasavubu dissolveu o parlamento e entregou o poder legislativo ao executivo presidido por Adoula, numa clara constatação da profunda crise em que o país estava mergulhado, desde a independência.

Durante todo esse periodo, Portugal apoiou o líder secessionista catanguês Tchombé com dinheiro e armamento, pois, no caso de o Catanga conseguir a independência, poderia estabelecer-se com o novo país uma aliança estratégica que lhe garantiria que a fronteira não pudesse ser frequentada pelos grupos que combatiam Portugal.
Assim, os militares catangueses refugiados em Angola converteram-se, desde então, numa poderosa arma capaz de neutralizar qualquer veleidade antiportuguesa do Congo Leopoldville.

A derrota de Tchombé não foi a única notícia preocupante para as autoridades coloniais, uma vez que o protectorado britânico da Niassalândia (futuro Malawi)

Salazar e Godfrey Amachree, enviado especial do secretário-geral da ONU. [DGARQ-TT-O Século]

passou a ser autónomo em 1 de Fevereiro, o que significava que, em pouco tempo, Moçambique teria a nordeste um novo país independente.

A posição da Espanha

Mesmo assim, o Estado Novo não estava disposto a modificar a sua política, apesar de até a reaccionária ditadura espanhola se ter comprometido a descolonizar.

Esta mudança na política espanhola foi comunicada a António de Oliveira Salazar pelo próprio Francisco Franco, no encontro que ambos os autocratas mantiveram na cidade fronteiriça de Mérida, na Extremadura espanhola, a 14 e 15 de Maio. Contudo, o franquismo mostrou-se disposto a apoiar o salazarismo na ONU, pois Franco agradeceria e recordaria sempre o apoio de Salazar nos duros anos da Guerra Civil espanhola.

A Espanha mostrou-se disposta a abandonar a Guiné Equatorial, para não se ver obrigada a descolonizar depressa e mal, como tinha acontecido com o Protectorado de Marrocos, em 1956. Por isso, em Dezembro, o Governo de Franco convocou um referendo na colónia, para estabelecer se os seus habitantes queriam um regime de autonomia. A resposta foi maioritariamente afirmativa.

África – outros casos

Maior repercussão ainda, teve no continente africano a independência do Quénia, a 12 de Dezembro. O seu primeiro-ministro, Jomo Kenyatta, foi um dos líderes lendários da emancipação do continente negro, e teve a incomum honra de passar da prisão para o Governo.

No entanto, os privilégios obtidos pela minoria branca, a nível eleitoral, e a manutenção das suas propriedades, representaram uma via intermédia entre o colonialismo e a independência real. Também o sultanato de Zanzibar, limítrofe de Moçambique, alcançou nessa altura a independência.

Outra adversidade para o colonialismo português foi a demissão do presidente do Congo Brazzaville, o abade Fulbert Youlou, depois da mobilização sindical que conduziu à revolução dos “três dias gloriosos do Congo” e que elevou ao poder Alphonse Massemba-Debat. Isto significou um maior isolamento da posição de Portugal na região, pois o presidente Youlou sempre tinha mostrado alguma compreensão pela postura portuguesa. De facto, em Fevereiro, dois seus representantes pessoais avistaram-se com Salazar para procurar uma saída negociada para o conflto angolano que, como referiu numa visita a Paris em Julho, passava pela celebração de eleições que permitissem às forças políticas angolanas expressarem as suas opiniões. Durante essa viagem, o próprio presidente do Congo Brazzaville se avistou com o embaixador português em Paris, para discutir a metodologia e calendário para a consulta.

A sua queda, como não podia deixar de ser, acabou com a política de indefinição de Brazzaville a respeito do colonialismo português, iniciando-se outra de apoio activo ao MPLA, o que aumentou a pressão da guerrilha contra o Governo de Lisboa.

Um novo factor de desestabilização do salazarismo foi a atitude da comunidade internacional, especialmente a dos países africanos. Em Fevereiro, os portugueses residentes na Serra Leoa foram expulsos deste país que, além disso, ainda proibiu a importação de produtos “Made in Portugal”, manifestando a sua oposição à política colonial portuguesa.

Em Julho, o Governo da Monróvia actuou em sentido idêntico, mas com a ressalva de que seria permitido aos portugueses que se demarcassem da política colonial do seu Governo, pedir o estatuto de refugiados políticos e continuar a residir legalmente no país.

A 4 de Fevereiro, foi celebrado em Argel o Dia de Angola, coincidindo com o terceiro aniversário do ataque às prisões de Luanda, e com o objectivo de consciencializar os argelinos da necessidade de apoiar o povo angolano na sua luta pela independência.

Nesse mesmo dia, em Dar es Salam, celebrou-se a III Conferência de Solidariedade dos Povos Afro-Asiáticos, que terminou com o apelo ao boicote diplomático e económico a Portugal. Os actos foram presididos por Julius Nyerere, decididamente empenhado em afastar o colonialismo da sua fronteira sul.

Em Abril, também o Governo do Senegal denunciou perante o Conselho de Segurança da ONU a agressão da sua fronteira com a Guiné-Bissau por quatro aparelhos da Força Aérea Portuguesa. Em Julho, foi a vez de Dacar anunciar o corte das relações diplomáticas e a proibição de passagem de pessoas e mercadorias portuguesas pelo seu território, medida que se estendeu depois, em Agosto, ao espaço aéreo. Esta interdição afectava também a África do Sul. Em Junho, também o Egipto anunciava a ruptura diplomática com Lisboa. Todas estas acções empreendidas pela OUA ou por Estados africanos eram coordenadas com a ONU, que continuou a ser o maior incómodo do salazarismo. Um exemplo disso foi a expulsão de Portugal, a 27 de Junho e por pressão da OUA, da Comissão Económica para África, organismo dependente das Nações Unidas e encarregado da promoção económica do continente.

Portugal e a ONU

O Governo português, vendo-se impotente para contrariar a unanimidade da pressão internacional, escudou-se nas suas veleidades isolacionistas.

Logo em princípios de Janeiro, Salazar declarou na Assembleia Nacional que Portugal poderia vir a ser o primeiro país a abandonar a ONU, e que recusava qualquer tipo de colaboração com ela. Por isso, em Março, o Comité de Descolonização das Nações Unidas tornou claro que os territórios não-autónomos administrados por Portugal seriam a prioridade máxima daquela comissão. Dias mais tarde, o Executivo português retirou legitimidade à sua autoridade para ditar a política a seguir nos seus territórios ultramarinos.

Perante esta atitude de Lisboa, 32 membros da OUA anunciaram, em Junho, perante o Conselho de Segurança, o seu desejo de condenar o regime de apartheid em vigor na África do Sul (RAS) e a repressão dos movimentos independentistas nas colónias lusas. Além disto tudo, as Filipinas, Marrocos e o Gana propuseram um embargo de armamento a Portugal e a sua expulsão da ONU, enquanto este não iniciasse medidas concretas de aproximação à descolonização.

Vasco Garín, embaixador de Portugal na ONU. [FE]

A proposta não chegou a ser avaliada porque os EUA impuseram uma redacção mais conciliadora, tentando recuperar a confiança do Executivo português, depois do período de extrema tensão vivido desde a chegada de Kennedy à Casa Branca. Por isso, a resolução que finalmente foi votada, a 31 de Julho de 1963, limitava-se a condenar a terminologia de “províncias ultramarinas”, com que Portugal denominava as suas colónias; e assinalava que a sua actuação naqueles territórios perturbava profundamente a paz e a segurança no continente africano, pelo que lhe era exigido o reconhecimento ao direito de autodeterminação.

Assim, os EUA, depois de terem votado com a França e a Grã-Bretanha contra a aplicação de sanções económicas, abstiveram-se na votação da resolução condenatória a Portugal, porque queriam dar-lhe tempo para ensaiar outra política.

Os Estados Unidos

Com este apoio do EUA a Portugal, foi renascendo uma maior confiança entre ambos os países, especialmente a partir de 7 de Julho, quando G. Williams, secretário de Estado dos Assuntos Africanos, declarou que, para os EUA, a relação com Portugal era vital e estratégica. O objectivo de Washington era que Lisboa reconhecesse o direito de autodeterminação, ainda que sem estabelecer nenhum calendário concreto. Este compromisso abstracto, asseguravam os norte-americanos, seria benéfico para Portugal, pois terminaria com a violenta campanha internacional de que era alvo, e também era bom para eles porque lhes permitiria acalmar os ânimos entre os países afro-asiáticos, que acusavam o Governo de Kennedy de ter uma política contraditória e dupla, dependendo do cenário em que se encontrava. Com o objectivo de levar Salazar a aceitar o direito de autodeterminação, J. F. Kennedy enviou, em Agosto, o subsecretário de Estado George Ball para se entrevistar com ele. Mas Salazar mostrou-se céptico em relação à política norte-americana e criticou-os acidamente pela sua interferência nos assuntos internos de um seu aliado. O mal-estar de Salazar foi em crescendo quando Ball, inspirado por Chester Bowles, o principal assessor de Kennedy para o Terceiro Mundo, lhe explicou que os EUA dariam a Lisboa 500 milhões de dólares, e outro tanto lhe entregariam os seus aliados da NATO, em troca da concessão, a médio prazo, de autonomia a Angola e Moçambique.

Salazar terá respondido: “Portugal não está à venda”.

Intransigência

Mas a generalizada hostilidade internacional e a própria contestação interna fizeram com que Salazar planeasse a realização de uma manifestação pública de apoio à sua política. Por isso, em 12 de Agosto, afirmou: “Só vejo vantagens em que (o povo português) se pronuncie, em acto solene e público, sobre a política ultramarina do Governo”. E a 27 de Agosto, ocorreram manifestações em massa, de apoio ao regime, em todas as cidades da Metrópole e nas colónias, acompanhadas pela visita a Angola e São Tomé e Príncipe, durante uma semana, do presidente da República, Américo Tomás, com a pretensão de demonstrar ao mundo o amor que, tanto africanos como europeus, tinham a Portugal, e que as colónias tinham paz e estabilidade.

Soldado em operações no Norte de Angola. [DGARQ-TT-O Século]

Tentando encontrar aberturas na posição intransigente do regime, George Ball avistou-se em Agosto com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira, que aceitou, em princípio, a hipótese de reconhecer o direito de autodeterminação,
ainda que sem definir nenhum prazo para levá-lo a efeito. Mas quando Salazar mudou de opinião, o seu ministro apoiou-o sem reservas, apesar da promessa dos EUA, de que garantiriam o respeito pelos interesses portugueses nas suas colónias, em quaisquer circunstâncias, o que não passava de uma questão retórica, com escassa aplicabilidade. Depois destes contactos frustrados, Ball enviou a Salazar, em Outubro, um memorando advertindo-o de que, com aquela política, baseada exclusivamente na força militar, não resistiriamais de 10 anos. Os seus cálculos falharam por apenas um ano.

Convites de Lisboa

Perante a pressão exterior, Salazar viu-se obrigado a realizar um qualquer gesto simbólico que transmitisse à diplomacia que o seu regime não estava na defensiva nem imobilista. Com esse fim, enviou a 29 de Junho uma carta a Haile Selassie, pedindo-lhe que mandasse um observador a Angola e Moçambique, a quem “garantia liberdade de movimentos”, para que pudesse informar a comunidade internacional acerca da situação real que ali se vivia. Mas o imperador etíope manteve-se à margem dessa questão, pois sabia que o salazarismo pretendia apenas ganhar tempo para não alterar a sua política, convencido que o tempo jogaria a seu favor, hipótese que parecia confirmar-se com as alterações desconcertantes de Washington.

Na mesma linha, em finais de Agosto, Franco Nogueira enviou um convite ao secretário-geral da ONU, U Thant, para que visitasse Lisboa. U Thant não compareceu mas enviou, em princípios de Setembro, um seu representante, o nigeriano Godfrey Amachree, a quem as autoridades do Estado Novo comunicaram a sua total indisponibilidade para o reconhecimento de direito de autodeterminação.

Negociações?

Em Setembro, os EUA substituíram o seu embaixador em Lisboa, C. Elbrick, pelo almirante George Anderson, um homem conservador que nutria alguma simpatia pela vontade portuguesa de resistir em África. A sua nomeação representava a viragem estratégica da posição de Kennedy a respeito da política colonial do seu aliado. Por isso, a 30 desse mês, e no decurso da XVIII Assembleia Geral, Franco Nogueira desafiou os ministros africanos que representavam a OUA a estabelecer negociações construtivas sobre o futuro das colónias. Contrariamente ao que vinha sendo habitual, os dignitários africanos acabaram por aceitar, sob pressão dos EUA e do próprio secretário-geral, que queria acreditar que Lisboa estava disposta a reformar aspectos essenciais da sua política. A OUA acabou por designar para as conversações bilaterais, que se iniciaram em Nova Iorque, a 14 de Outubro, os representantes do Gana, Guiné-Conacri, Libéria, Madagáscar, Marrocos, Nigéria, Serra Leoa, Tanganica e Tunísia. Pelo lado português, além do ministro dos Negócios Estrangeiros e do representante permanente na ONU, Vasco Garín, participou pessoal diplomático acreditado em Nova Iorque. As negociações iniciaram-se sob a presidência do secretário-geral U Thant mas, passadas duas semanas, suspenderam-se temporariamente e já não voltaram a reabrir-se, porque não se avançou em nenhum dos temas que interessavam aos membros da OUA, ou seja, a modalidade e o calendário que Portugal queria aplicar para a descolonização.

Por seu lado, para Lisboa, a aplicação do direito de autodeterminação significava aplicar a Lei Orgânica do Ultramar, que tinha sido aprovada em Junho de 1963. Esta previa uma ampla descentralização da administração colonial, concedendo maior poder aos governadores-gerais das províncias, e contemplava que estas tivessem maior presença na Assembleia Nacional, na Câmara Corporativa e no Conselho Ultramarino. Daí deduzia Lisboa que a participação dos nativos nos governos das colónias já tinha aumentado e aumentaria mais ainda no futuro, quando se melhorasse o censo eleitoral. Mas os países africanos independentes consideravam estas alterações irrelevantes e só aceitavam a independência.

O fracasso das negociações provocou uma crescente impaciência e impotência no seio da OUA, pois as conversações com Portugal tinham feito aflorar profundas divergências internas. Contudo, estas foram ultrapassadas com a apresentação de uma nova resolução, a 5 de Dezembro, em que se solicitava ao Conselho de Segurança que adoptasse os mecanismos necessários para que as resoluções da ONU se aplicassem aos territórios sob administração portuguesa.

Mais uma vez, quatro dias mais tarde, Lisboa voltou a convidar o secretário-geral da ONU a visitar Angola e Moçambique, mas U Thant recusou, adivinhando o abismo que separava a postura da organização a que presidia e a da ditadura portuguesa.

O Vaticano

As dificuldades do Governo português advinham também de um dos seus aliados incondicionais, o Vaticano, uma vez que o papa João XXIII publicou, em Abril, a encíclica Pacem in Terris, em que defendia o valor absoluto da paz e em que se referia em sentido claramente laudatório à independência dos povos, o que deixou o Governo português muito preocupado com esta nova Igreja que estava a afirmar-se no Concílio Vaticano II e que se afastava da atitude secular de aliança entre o trono e o altar. Esta tendência teve continuidade com o novo Papa Paulo VI, que chegou ao pontificado a 21 de Junho, depois do falecimento de João XXIII. A linha pontifical que pensava imprimir à sua actuação concretizou-a no discurso de Natal, em que saudou com ênfase as nações do Terceiro Mundo e o seu desejo de liberdade, o que foi outro forte revés para a ditadura.

Socialistas

Também o VIII Congresso da Internacional Socialista (IS), que teve lugar em Amesterdão, entre 9 e 12 de Setembro, condenou o regime português, especialmente pela opressão que praticava nas suas colónias, e intimou-o a que, respeitando a legalidade internacional, lhes concedesse o direito de autodeterminação.

A IS era uma organização integrada, quase totalmente, por organizações europeias cujos países estavam, na sua maioria, na NATO, o que mostra o isolamento do salazarismo.

República da África do Sul

O principal aliado de Portugal em África, durante a guerra colonial, foi a República da África do Sul (RAS), pois, apesar de o regime português sempre se ter desvinculado do apartheid e se ter apresentado perante a opinião pública internacional como um regime anti-racista, a verdade é a relação com Pretória foi decisiva e estratégica.

Em Maio, o ministro dos Negócios Estrangeiros da RAS encontrou-se com Franco Nogueira, como quem abordou os aspectos da cooperação bilateral: o aproveitamento do rio Cunene, na fronteira entre Angola e a Namíbia, e, especialmente, a construção de um grande aeroporto na ilha do Sal (Cabo Verde), vital para as suas comunicações, visto que os demais países africanos proibiam a Pretória a utilização dos seus aeroportos.

Lisboa concordou mas, perante as crescentes dificuldades que enfrentava internacionalmente, o ditador enviou uma carta, em finais de Agosto, ao seu homónimo sul-africano, Hendrik Verwoerd, dizendo-lhe que estavam praticamente sós no continente e que a situação pioraria ainda mais se a Rodésia do Sul se visse obrigada a aceitar um Governo de maioria negra. Lembrava-lhe também que a RAS teria paz nas suas fronteiras enquanto Portugal aguentasse, pelo que, no interesse de ambos os países, lhe solicitava o estabelecimento de uma cooperação militar eficaz. O primeiro-ministro sul-africano enviou, pouco depois, um emissário secreto a Lisboa, para concretizar o tipo de ajuda e a coordenação possível no âmbito da Defesa e informações.

Franco Nogueira com o ministro dos Negócios Estrangeiros da África do Sul, Eric Louw, para conversações sobre o aproveitamento das águas do rio Cunene, em Angola. [DGARQ-TT-O Século]

Em Setembro, Salazar também se encontrou com Roy Wellensky, primeiro-ministro da Federação da Rodésia e Niassalândia. Este comunicou-lhe que, em Dezembro, a federação se dissolveria e que todas as forças militares existentes passariam para o controlo da Rodésia do Sul, cujo primeiro-ministro, W. Field, estudava proclamar a independência unilateral daquela colónia. Mas a decisão estava pendente de saber se disporia de apoios suficientes, dada a gravidade da decisão e a frontal oposição que encontrariam por parte do bloco afro-asiático e dos não-alinhados. Salazar deu-lhe garantias do apoio do seu Governo a uma independência unilateral. Em Outubro, o próprio Field lhe comunicou a sua disponibilidade para proclamar a secessão branca, pelo que solicitava o início de conversações formais, de modo a estabelecer as modalidades dessa cooperação.

Da mesma forma, Salazar encontrou-se secretamente, em Lisboa, com Tchombé, reforçando a aliança pessoal entre ambos. O líder catanguês tinha-se comprometido, caso chegasse ao Governo do Congo, a desmontar progressivamente as bases guerrilheiras antiportuguesas, em troca do apoio de Lisboa ao seu Governo.

Portugal assegurava assim, poderosamente, a retaguarda das suas colónias mais importantes, Angola e Moçambique, ainda que a dinâmica da política externa portuguesa tenho colhido, no relacionamento com os seus vizinhos, algum fracasso significativo, como o facto de os países limítrofes das suas colónias se terem negado, em Abril, a firmar um pacto de não-agressão com Portugal.

Assinatura do novo contrato do Estado com o Banco Nacional Ultramarino presidida pelo ministro do Ultramar, Peixoto Correia. [DGARQ-TT-O Século]

Assim, por exemplo, os casos do ex-Congo Belga, do Malawi ou da Zâmbia não eram excessivamente complicados para Portugal, uma vez que estes países precisavam das linhas férreas e portuárias de Angola e Moçambique para as suas exportações e importações, o que permitia que Portugal exercesse chantagem sobre eles. Diferente era a situação da Guiné-Bissau, onde o controlo português tinha de processar-se noutros moldes e, por isso, as dificuldades ali foram sempre enormes desde o início da guerra e cresceram de ano para ano.

Medidas económicas

A defesa do império colonial ocupava o epicentro da política portuguesa. Assim, a 20 de Fevereiro, estabeleceram-se os mecanismos reguladores das operações de importação e exportação de capitais, tanto na Metrópole como nos territórios ultramarinos, o que era vital dada a necessidade de abrir a economia portuguesa e propiciar o seu crescimento, considerando o incremento dos gastos militares.

Também se substituiu o imposto extraordinário da Defesa, estabelecido pelo general Deslandes, e que foi um dos motivos da sua destituição à frente de Angola, por outra taxa que devia ser paga por sociedades, empresas e firmas comerciais com mais de cinco anos de implantação na colónia e que estivessem sujeitas à contribuição industrial ou à das actividades. Esta política fiscal pretendia regular o mercado único português, o que significava uma inflexão em relação à política de descentralização que havia sido iniciada pelo reformista Adriano Moreira.

Também com esse fim, foi criada, a 30 de Agosto, a Comissão de Coordenação dos Serviços Provinciais de Planeamento e Integração Económica entre Portugal e as suas colónias e, nos finais do mês seguinte, organizou-se em todos os territórios ultramarinos uma Comissão Técnica de Planeamento e Integração Económica. A vontade de manutenção imperial continuaria, pois, como eixo de toda a política portuguesa, como Salazar deixou claro numa intervenção pública, a 12 de Agosto, na qual sublinhou que não se podia descolonizar Angola nem Moçambique, porque não existiam independentes de Portugal, uma vez que este é que os tinha criado. Além disso, a Lei Orgânica do Ultramar já garantia os direitos dos africanos, ao ampliar a descentralização e a participação nos diversos níveis de decisão da nação.

A Oposição

A Oposição portuguesa viu-se perante o dilema de se demarcar da política colonial da ditadura, e ser acusada de antipatriota e traidora, ou de a denunciar, e aparecer como comunista, que era como o regime frequentemente a rotulava.

Além disso, a divisão própria da Guerra Fria, entre pró-americanos e pró-soviéticos, continuava a dividir os anti-salazaristas já que, ainda que desejassem a liberalização do regime, nem todos queriam prescindir do império. Um exemplo evidente da falta de programa próprio dos sectores democráticos, em relação à questão colonial, foi o opositor Henrique Galvão. Depois de ter sido convocado para Nova Iorque, em Dezembro, pela Comissão Descolonizadora, mostrou-se partidário da não independência das colónias, em sintonia com a maioria da Oposição liberal e social-democrata dessa época. Isto, por outro lado, não impediu que outro importante opositor, Humberto Delgado, tivesse participado em Setembro, no Rio de Janeiro, numa conferência conjunta com o representante do Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE) e se tivesse mostrado de acordo com as suas teses.

Durante essa época, também ocorreu um desentendimento entre Delgado e Galvão, em resultado do qual se iniciou uma maior aproximação do primeiro aos comunistas, que continuavam a ser a principal força da resistência. Contudo, o PCP estava muito debilitado, depois das graves detenções de 1962, a que se juntaram ainda aquelas que se deram dias depois do 1º de Maio de 1963, quando o partido foi atingido por uma onda de prisões, entre elas, 11 funcionários importantes, incluindo Fernando Blanqui Teixeira, que ocupava as funções de secretário-geral quando Álvaro Cunhal estava no estrangeiro. Além disso, foi detido todo o sector intelectual do partido, devido às confissões à PIDE de Rolando Verdial e, em Agosto, deu-se ainda a queda de nove funcionários do Porto.

A aproximação de Delgado ao PCP propiciou um encontro entre ambos em Praga, a 5 de Maio, estabelecendo-se um acordo de cooperação entre o general e o PCP.

Concordaram na necessidade de mudança da FPLN e do general para Argel, onde o Governo argelino lhes permitiu estabelecerem o seu quartel-general, e onde, em Abril, a Voz da Liberdade tinha iniciado as suas emissões, convertendo-se no porta-voz da organização e tendo Tito de Morais como primeiro director. Ambos os dirigentes decidiram também a realização de uma nova Conferência da FPLN.

Delgado regressou então ao Brasil, de onde partiria definitivamente para assistir à II Conferência da organização unitária que, finalmente, acabou por se realizar em Praga, em finais de Dezembro de 1963 e inícios de 1964. Aqui se constituiu a Junta Revolucionária Portuguesa, sob a presidência de Delgado. Na conferência decidiu-se reforçar e ampliar a organização unitária das forças anti-salazaristas, e intensificar a mobilização popular, para acelerar o desencadeamento do processo revolucionário que provocaria a queda da ditadura e o estabelecimento da democracia.

As dúvidas do PCP e a falta de decisão dos exilados em Argel contrastavam com a vontade do general de abandonar o Brasil e mudar-se rápida e definitivamente para a Europa, para traçar um plano que conduzisse ao derrube do Estado Novo. Por isso, em Praga, estruturou-se definitivamente a cúpula da organização, e Delgado foi escolhido para presidente. Além dele, integravam-na cinco membros, um designado pelo Comité Central do PCP – tendo sido inicialmente indicado Pedro Soares, que pouco tempo depois foi substituído por Pedro Ramos de Almeida –, Manuel Sertório, Tito de Morais, Piteira Santos e Rui Cabeçadas. A conferência apostou na transformação de Portugal num país industrial avançado, na reforma e modernização da agricultura, na protecção dos interesses das classes médias e trabalhadoras. Também ratificou a resolução aprovada na I Conferência, que tinha defendido o direito dos povos coloniais à independência, dizendo que a luta anticolonial era uma importante contribuição no combate contra o Governo salazarista. Delgado mostrou-se firme partidário da realização de uma acção armada que derrubasse a ditadura.

Esta atitude estava em consonância com a tradição pustchista da Oposição, mas também era reflexo de um certo guevarismo que influenciou a sucessão de guerrilhas que se estenderam por toda a parte, e, entre elas, os movimentos nacionalistas lusófonos.

Guerrilheiros numa posição defensiva. [Livro Guinea-Bissau]

Todo este ambiente acabou por encontrar eco na própria Oposição anti-salazarista.

O PCP sofreu um cisma, nascido do diferendo sino-soviético que, como aconteceu em Portugal, teve repercussões em todos os partidos comunistas do mundo. No PCP, o defensor das teses de Pequim foi Francisco Martins Rodrigues, destacado membro do Comité Central, que, naquele Verão, redigiu o documento “Luta pacífica e luta armada no nosso movimento”, reclamando acções violentas para derrubar a ditadura.

Considerado pela organização um desviacionista, acabou por ser expulso do partido em Dezembro, juntamente com Rui de Espiney e João Pulido Valente, que vieram a ser o núcleo aglutinador do maoísmo em Portugal.

Guiné – o PAIGC

No entanto, o principal problema do regime era a oposição independentista africana.

Angola continuava a concentrar todos os olhares internacionais, por ter sido onde primeiro se produziu a insurreição anticolonialista, mas em 1963 a guerra estendeu se à Guiné-Bissau. A 23 de Janeiro, cerca de uma centena de guerrilheiros do PAIGC atacaram o quartel de Tite, sede administrativa da circunscrição de Falacunda, na margem sul do rio Geba, no interior da colónia, o que colheu completamente de surpresa os portugueses, que se tinham fortificado na fronteira, esperando ser atacados a partir do Senegal ou da Guiné-Conacri. Nos dias seguintes, a guerrilha realizou diversas emboscadas na região de Bedanda. Estas primeiras acções armadas tiveram um forte impacto na Metrópole, pois em vez das incursões mal armadas e desorganizadas com que o Movimento de Libertação da Guiné (MLG) tinha iniciado a guerra, a norte, estas mostravam disciplina, organização e um armamento regular.

Estas  acções, por outro lado, também tiveram um efeito positivo para a sua direcção que, semanas antes, tinha sido detida em Campo Buaró, perto de Conacri, por contrabando de armas. De facto, as relações entre Sekou Touré, presidente da Guiné-Conacri, e o PAIGC não tinham sido ainda oficializadas pois em Conacri havia outros movimentos de libertação que pretendiam representar o povo da Guiné-Bissau, e que rivalizavam com o PAIGC, por considerar que este estava nas mãos de caboverdianos que não eram mais que agentes dos portugueses, e aos quais Touré tinha dado algum crédito. Também era comum, nessa época, pensar-se que o presidente da Guiné-Conacri tinha ambições territoriais em relação à colónia portuguesa.

Mas o êxito destas primeiras acções convenceu Conacri de que o PAIGC era uma organização eficiente sob o ponto de vista militar. E no campo estritamente político, Touré também pôde comprovar o apoio com que Cabral contava pois, enquanto o seu Estado-Maior esteve retido em Campo Buaró, numerosas embaixadas afro-asiáticas, além da soviética, mobilizaram-se pela sua causa. Quando se deu a prisão dos líderes do PAIGC, Cabral encontrava-se no estrangeiro mas, aquando do seu regresso a Conacri, em Fevereiro, encontrou-se com Touré que, pela primeira vez, lhe garantiu o apoio total e incondicional do seu país. A operacionalidade do PAIGC cresceu então consideravelmente: em Fevereiro, libertaram a ilha do Como; em Março, numa acção surpresa, perto de Cacine, apoderaram-se dos navios a motor Mirandela e Arouca, que iam carregados com várias toneladas de arroz, refugiaram-se no porto de Boké (Guiné-Conacri) e, depois de os descarregar, a guerrilha utilizou-os para os seus fins bélicos; em Maio, interromperam as comunicações fluviais pelo Geba e as terrestres em todo o Sul da colónia; e, em Junho, conseguiram implantar-se solidamente a norte daquele rio e na região ocidental, entre as povoações de Bula e Binar.

Nino Vieira numa base do PAIGC. [AHM]

 

Guiné – a FLING

Perante esta progressão da guerrilha, a resposta colonial passou do desconcerto inicial para uma acção planificada, em que apoiava a manobra militar com actuações políticas capazes de desmobilizar uma parte das populações afectas à guerrilha. Para isso, Portugal tentou aproveitar-se das divergências existentes entre Sekou Touré e o líder senegalês Leopold J. Senghor, aproximando-se da FLING, que este patrocinava. Consequentemente, em Julho, o líder da FLING, Benjamim Pinto Bull, deslocou-se a Lisboa onde se avistou com o ministro do Ultramar e também com Salazar. A este último encontro, no dia 14, assistiram também o comandante militar da Guiné, brigadeiro Peixoto Correia, e o subsecretário de Estado das Administrações Ultramarinas, Silva e Cunha.

O projecto de Pinto Bull era africanizar a administração da colónia, para reforçar o papel da FLING, e colaborar com as autoridades portuguesas, para reduzir a influência do PAIGC, pensando numa futura autonomia do território. A administração portuguesa concordou com este plano e concertaram uma viagem de Pinto Bull à colónia, acompanhado por Silva e Cunha, para iniciar a implementação do projecto. Mas o líder da FLING, que residia em Dacar, não chegou a deslocar-se a Bissau porque, entretanto, a 12 de Agosto, Salazar fez um discurso em que reafirmava, com alguns retoques cosméticos, a vontade de manter o império tal como era. Mesmo assim, Silva e Cunha deslocou-se à Guiné e ficou profundamente chocado com a rivalidade existente entre o governador e o comandante militar da colónia. No entanto, fruto dos contactos entre Pinto Bull e a administração portuguesa, o irmão do líder da FLING, James, foi nomeado, a 3 de Outubro, secretário-geral da província da Guiné, sem que este facto tivesse qualquer repercussão no decurso da guerra, que diariamente se ía agravando.

Com a chegada de tantas notícias catastróficas, o comandante militar, general Louro de Sousa, foi chamado a Lisboa no final do ano, para uma reunião com o Conselho Superior Militar, onde expôs a gravidade da situação militar.

Além disso, em privado, não deixou de assinalar a inevitabilidade da derrota.

Cabo Verde

Em relação a Cabo Verde, o problema da insularidade não permitiu o desenvolvimento da luta armada, apesar de o PAIGC o ter tentado inicialmente. De 17 a 20 de Julho, Amílcar Cabral organizou uma reunião de quadros responsáveis por dinamizar a luta no arquipélago, mas, dadas as dificuldades e a necessidade de se concentrar na guerra da Guiné, a questão de Cabo Verde, que não era prioritária, foi posta de lado. No entanto, em Julho, chegou a Conacri o alferes miliciano Silvino da Luz, que tinha desertado do Exército colonial em Angola, em Outubro do ano anterior, e que tinha estado detido vários meses na Nigéria.

Silvino seria encarregado de recrutar estudantes das ilhas para os incorporar na luta de libertação da Guiné-Bissau. Também na Praia (Santiago) e especialmente no Mindelo (S. Vicente), com Crisanto Lopes, o PAIGC organizou-se entre os estivadores, ainda que a sua influência social fosse então muito marginal.

Angola

Em Angola, pelo contrário, o desenrolar da guerra era favorável a Portugal. Se bem que com matizes, esse era também o diagnóstico da CIA que, numa informação de 5 de Abril, detectava um crescente mal-estar entre os colonos brancos, devido à demissão de Deslandes, e apontava para que as principais forças independentistas fossem incapazes de aumentar a área de conflito, pois não tinham implantação suficiente para se imporem pelos seus próprios meios e dependiam totalmente do apoio externo. Contudo, estimava que a FNLA tinha mais soldados e menos quadros do que os seus rivais do MPLA que, pelo contrário, dispunha de muitos generais mas de pouca tropa. E concluía, ainda, que a guerra em Angola só poderia ser decidida por quem tivesse mais meios e mais elementos combatentes, o que era, inegavelmente, nesse momento, o caso da FNLA, apesar da debilidade da sua direcção e da sua falta de quadros. Além disso, tinha também a vantagem de contar com a ajuda incondicional da República do Congo, como ficou demonstrado nas comemorações do segundo aniversário das sublevações no Norte, a cujos actos assistiu o primeiro-ministro, Adoula. E ainda o facto de a FNLA ter criado o GRAE dava-lhe uma aparente dimensão suprapartidária.

O GRAE/FNLA beneficiou, além do mais, da constituição da OUA, cujos estatutos estabeleciam a obrigação de todos os países independentes do continente colaborarem na libertação daqueles que ainda não o eram. Com essa finalidade, constituiu no seu seio um Comité de Libertação Africano, para ajudar materialmente os nacionalistas independentistas e criar condições para que essa ajuda fosse eficaz.

No caso de Angola, essas medidas passavam por conseguir concretizar uma aliança entre a FNLA e o MPLA. Com esse objectivo, a 1 de Julho, o presidente do Congo Brazzaville, Fulbert Youlou, defendeu que a integração do MPLA e da FNLA seria a melhor solução mas, perante a oposição dos seguidores de Agostinho Neto, trabalhou então no sentido da constituição de uma comissão encarregada de estudar a fusão. Pouco dias depois, também o primeiro-ministro argelino, Ben Bella, se manisfestou no mesmo sentido. Para fugir a esta pressão, o MPLA apresentou, a 10 de Julho, a Frente Democrática de Libertação de Angola (FDLA), que incluía mais quatro agrupamentos que, meses antes, este partido tinha denunciado como agentes do colonialismo português.

Tratava-se dos Bacongos de Angola (Nto Bako), do Nguizako (Acordo dos Filhos do Congo), do Movimento de Defesa dos Interesses de Angola (MDIA), que posteriormente foi rebaptizado como Movimento Democrático para a Independência de Angola, e do Movimento Nacional de Angola (MNA). Esta Frente incluía também a União Nacional dos Trabalhadores Angolanos (UNTA), um desdobramento táctico do MPLA e que, portanto, estava integrado na sua linha política. Os objectivos do MPLA eram múltiplos. Primeiro, demonstrar que eram um pólo capaz de abranger um amplo sector da sociedade angolana, pelo que não podia simplesmente propor-se a sua dissolução; segundo, com a inclusão das pequenas formações bacongas, classificadas dias antes como tribalistas, tentavam aproximar-se do Congo Leopoldville, para que este não lhe fechasse as portas; e, terceiro, pretendia impedir, por todos os meios, que a OUA reconhecesse mimeticamente o GRAE, como se propunha fazer uma comissão de auscultação, que devia chegar a Leopoldville três dias depois da constituição da FDLA.

Partida de 400 colonos portugueses para Angola a bordo do paquete Quanza, em 22 de Fevereiro de 1963. [DGARQ-TT-O Século]

Esta comissão ouviu então Agostinho Neto, em representação da FDLA, coligação completamente desconhecida, tanto nos meios internacionais como entre os próprios angolanos; Holden Roberto, em nome da FNLA-GRAE; e Viriato da Cruz, que surgiu como representante do MPLA, apesar de Neto, ao ocupar a presidência da organização, o ter expulso depois de o derrotar no congresso. Ao saber desta reunião, o sector oficial do partido protestou veementemente, o que não serviu de nada, pois tinham abandonado circunstancialmente aquela sigla.

Estas rivalidades internas do MPLA reforçaram ainda mais a convicção da delegação da OUA, da sua debilidade e da força dos seus adversários. Assim, os seguidores de Viriato da Cruz, depois de se apresentarem como o verdadeiro MPLA, integraram-se no GRAE, estabelecendo uma aliança com a FNLA, pelo que a comissão de auscultação recomendou a todos os membros da OUA que apoiassem o GRAE. De facto, entre Outubro e Dezembro, este foi reconhecido por um total de 12 Estados africanos.

A disputa entre os dois sectores que reclamavam a liderança do MPLA chegou a provocar várias vítimas, entre elas Matias Miguéis e José Miguel. O primeiro tinha sido eleito vice-presidente na candidatura de Neto, em Dezembro de 1962, e o segundo era também um dirigente histórico do MPLA. Ambos foram sequestrados em Brazzaville, quando embarcavam para Leopoldville, depois de terem representado o GRAE na Conferência de Solidariedade com os Povos Afro-Asiáticos, na Indonésia. O seu desaparecimento foi denunciado pelos seus partidários, e também pela FNLA-GRAE, o que colocou Neto em sérias dificuldades. Este, além de já ter graves problemas, também viu a sua liderança questionada por Mário Pinto de Andrade, o seu antecessor no cargo, por ter constituído a FDLA com partidos-fantoche.

Pinto de Andrade foi demitido de responsável do departamento de Relações Internacionais e foi expulso do partido, o que desacreditou e enfraqueceu ainda mais o MPLA.

A partir do reconhecimento do GRAE pelo Governo de Leopoldville, a situação do MPLA tornou-se extremamente precária e os seus militantes eram detidos com frequência, pelo que, em Dezembro, a direcção teve de mudar-se para Brazzaville, além de que, a 2 de Novembro, também lhes tinha sido proibida a actividade política naquele país.

O primeiro ataque do MPLA em território angolano deu-se a 21 de Novembro, quando um pequeno destacamento, enviado por Lima, atacou os postos de polícia de Massabi, na fronteira de Ponta Negra. Os portugueses sofreram baixas mortais e os atacantes vários feridos e um prisioneiro. No entanto, o MPLA conseguiu o eco que pretendia, uma vez que Portugal apresentou um protesto perante o secretário-geral da ONU, dando notoriedade à agressão. U Thant nomeou um conselheiro seu para verificar a veracidade da queixa. Depois deste ataque, o MPLA criou o primeiro Centro de Instrução Revolucionária (CIR), destinado à formação de quadros, tanto a nível político, como militar. Estabeleceu-se em Luobomo, perto de Brazzaville, e foi dirigido por Rocha Dilolwa.

As dificuldades do MPLA contrastavam com o bom caminho da FNLA-GRAE, reforçada com os ex-membros do MPLA, seguidores de Viriato da Cruz. Estes desejavam actuar de forma imediata, uma vez que Roberto tinha acesso fácil à fronteira angolana, e o responsável militar do GRAE tinha anunciado, em Outubro, em Leopoldville, a intensificação das acções militares. De facto, desde Maio que Peterson, um dos comandantes da FNLA, se avistava com Kuanda, em Elisabethville, para tratar do acesso à fronteira este de Angola, através da Rodésia do Norte.

Parece que o futuro chefe de Estado zambiano se tinha comprometido a ajudá-los mas, dadas as debilidades deste país e a sua dependência dos Estados racistas vizinhos para aceder ao mercado internacional, essa colaboração acabou por não se concretizar.

Cabinda

Paralelamente às actividades da FNLA-GRAE e do MPLA, o movimento independentista de Cabinda acelerou a sua convergência, graças ao apoio do presidente do Congo Brazzaville, Fulbert Youlou. Quando se reuniram os diversos
grupos secessionistas do enclave, de 2 a 4 de Agosto, em Ponta Negra, o próprio Youlou assistiu ao acto, onde estiveram representantes do Movimento de Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC), dirigido por Luís Ranque Franque, do Comité de Acção para a União Nacional dos Cabindas (CAUNC), encabeçado por Henrique Tiago Nzita, e da Aliança do Miombe (ALIAMA), liderada por António Eduardo Sozinho. A sua união deu lugar à Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), cuja direcção orgânica recaiu em Ranque Franque.

A relação das autoridades de Brazzaville com o separatismo de Cabinda era de carácter estrutural, já que desejavam integrá-lo no seu próprio território.

A questão da distribuição e pagamento da água no planalto dos Macondes foi um dos principais motivos da revolta das populações. [AHM]

A efervescência do nacionalismo no enclave também se deveu ao aparecimento de importantíssimas reservas de petróleo, o que acelerou o apoio das companhias petrolíferas, em especial das francesas, que pensavam que a independência
as favoreceria.

Moçambique

Por seu lado, em Moçambique, a FRELIMO continuava a preparar a insurreição militar. Em Janeiro de 1963, no seu I Congresso, tinha sido decidido pedir formalmente ao Governo português a transferência de poderes e a independência
do país e, em caso de resposta negativa, iniciar, em Março, a luta de libertação nacional.

No entanto, este calendário não se concretizou – a guerra só se desencadeou em Setembro do ano seguinte e a primeira petição, exigindo negociações directas com Lisboa, só foi formulada em Outubro. De facto, o calendário das resoluções do congresso era inaplicável por não ser realista. Além disso, a união de todas as formações que deram origem à organização não decorreu de forma satisfatória, verificando-se rapidamente dissidências importantes, o que, no entanto, não impediu que, em meados do ano, cerca de 120 moçambicanos da FRELIMO se encontrassem em bases militares argelinas para receber formação guerrilheira.

Outros grupos foram enviados para a URSS e para a China com objectivos idênticos, calculando-se que, no total, cerca de 250 moçambicanos tenham recebido formação militar nesse ano, nesses três países.

Em Maio, os portugueses realizaram vastas operações militares no Norte, com numerosas detenções e brutalidade sobre os nativos, na tentativa de impedir o eclodir da guerra, mas a mobilização clandestina continuou.

Durante o mês de Agosto, sucederam-se as greves entre os estivadores dos portos de Lourenço Marques, Beira e Nacala.

A falta de coesão da direcção da FRELIMO, cuja unidade não estava solidificada, evidenciou-se nessa altura, quando abandonaram a organização Adelino Gwambe e Mathew Mmole, líderes, respectivamente, da UDENAMO e do MANU, para criar, a 21 de Maio, em Kampala, a Frente Unida Anti-Imperialista Popular Africana de Moçambique (FUNIPAMO).

Simultaneamente à aparição desse novo partido, deram-se tentativas de restaurar a UDENAMO, a partir de dois pólos onde existiam militantes, o Cairo e Acra. O mesmo sucedeu com a UNAMI e o MANU, que também pretenderam restaurar-se. Mas, além do problema da unidade, a direcção da FRELIMO teve outra grave deficiência: a falta de autoridade de Eduardo Mondlane.

Partida de um contingente militar para Moçambique, a bordo do paquete Pátria. [DGARQ-TT-O Século]

Mondlane tinha sido catapultado para a liderança pelo seu prestígio como ex-investigador da ONU, como professor universitário nos EUA e por não pertencer a nenhum dos três partidos que se unificaram.

No entanto, a sua actuação foi ambígua porque era refém da política norte-Americana, país do qual tinha uma grande dependência económica e política. Em Fevereiro tinha sido recebido por Kennedy na Casa Branca; em Maio recebeu, da CIA, através do Instituto Afro-Americano de Nova Iorque, 70 000 dólares e, em Junho, a Fundação Ford, através da mesma instituição, ofereceu-lhe mais 99 700 dólares, para o Instituto de Moçambique, em Dar es Salam, fundado nesse ano como centro de educação secundária e tendo como directora a sua esposa, Janet Mondlane, de nacionalidade norte-americana.

De qualquer forma, esse favor económico ajudou a consolidar a sua liderança. Mas a FRELIMO também recebeu ajuda da Argélia, da URSS e da República Popular da China, tendo sido o único movimento independentista que a obteve destes dois países comunistas, em confronto entre si.

Mondlane também trouxe dos EUA um colaborador estreito, “Leo Milas”, que desempenhou cargos de grande responsabilidade dentro da organização. Era membro do Comité Político, responsável pelo Departamento de Defesa e Segurança, e substituía Mondlane como responsável máximo, quando este estava no estrangeiro.

Depois de várias actuações pouco claras, e de rumores insistentes, descobriu-se que não era moçambicano, mas sim norte-americano, e que mantinha relações estreitas com a CIA. Depois de ter sido expulso da FRELIMO, denunciou, numa conferência de imprensa, que Mondlane mantinha relações próximas com Israel e os EUA. Também em Dezembro, seria expulso o dirigente máximo da UNAMI, José Baltasar da Costa “Chagonga”.

Timor

Em Timor-Leste, o denominado Bureau de Libertação da República de Timor actuava a partir de Jacarta. Na Primavera, e segundo um comunicado, assegurava que tinha constituído um Governo com 12 ministros, que se tinha estabelecido em Batugalde, no interior do país. A sua existência desencadeou a resposta das autoridades coloniais, que reforçaram o seu dispositivo militar com um número significativo de efectivos.

1963 - UNIDADES MOBILIZADAS

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