1973 - Perder a guerra e as ilusões

1973
A dissidência militar

Situação Internacional – Vietname, Yom Kippur e Chile

No campo internacional, três acontecimentos tiveram especial relevância: os acordos de paz no Vietname, que levaram à saída dos EUA da guerra; o conflito do Yom Kippur, que colocou de novo em confronto árabes e Israel; e o golpe de Estado contra Salvador Allende, no Chile.

As conversações entre a delegação norte-americana, presidida por Henry Kissinger, e a norte-vietnamita, encabeçada por Le Duc, reiniciaram-se a 8 de Janeiro, em Paris e concluíram-se 19 dias mais tarde, com a assinatura do armistício quadripartido, envolvendo os EUA, o Vietname do Sul, a guerrilha pró-comunista do Vietcong e o Vietname do Norte.

No Chile o golpe de Estado aconteceu depois de um longo período de desestabilização política. O patronato, a Igreja Católica e as forças da Oposição, lideradas pela Democracia-Cristã, fizeram tudo para desgastar o Governo de Salvador Allende.

No dia 11 de Setembro a Força Aérea Chilena bombardeou o palácio presidencial. Allende ordenou aos seus seguidores que se rendessem e, para si, preferiu o suicídio, para não cair nas mãos dos seus inimigos. O golpe de Estado provocou cerca de 4000 vítimas.

Outro dos grandes conflitos de então (e de hoje) que se reavivou foi o Israelo-árabe, com a guerra do Yom Kippur, iniciada em Outubro. O conflito precipitou-se após a recusa de Israel cumprir a Resolução 242 da ONU, que lhe exigia o regresso às fronteiras de 1967. O ataque sincronizado sírio-egípcio desencadeou-se a 6 de Outubro, quando os judeus celebravam a festa do Yom Kippur – o Dia do Perdão. A partir de dia 8, depois de tapada a brecha causada pela Síria, iniciou-se a contra-ofensiva israelita.

Como consequência da guerra, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), reunida no Kuwait, decidiu-se por uma redução de 5% mensais no seu fornecimento de petróleo, e o embargo do mesmo aos EUA e à Holanda, para assim obrigar Israel a mudar de ideias.

O acordo de paz foi assinado a 11 de Novembro e estabelecia a criação de uma força de interposição. Nessa altura, Washington apadrinhou uma Conferência de Paz em Genebra, que se iniciou a 21 de Dezembro, e que contou com a participação dos EUA, Israel, Egipto e Jordânia.

Ainda que não tenha tido nenhuma repercussão, permitiu que o Egipto e Israel mantivessem um canal de comunicação secreto e, assim, os EUA e Israel conseguiram dividir a frente árabe para que Telavive não voltasse a ver-se, como quase se viu, à beira da catástrofe.

 

Grécia

Outra situação importante foi a da Grécia, onde a Junta de Coronéis começou a dar sinais de desagregação interna. A 1 de Junho, o presidente do Governo, coronel Georgios Papadopoulos, depôs o rei Constantino II e proclamou a República. Contudo, a oposição ao Governo continuou a crescer, especialmente a estudantil. A 14 de Novembro, na Escola Politécnica de Atenas, os alunos barricaram-se com cartazes e bandeiras, mas os tanques derrubaram os gradeamentos exteriores do recinto universitário, provocando 57 mortos. Depois destes incidentes, foi proclamado o estado de emergência. A desagregação da Junta Militar acelerou-se e, oito dias depois, com apoio dos EUA, o coronel Demetrios Loannidis depôs Papadopoulos e nomeou um novo Governo.

 

Espanha

Ao longo do ano aconteceram numerosos movimentos grevistas, em Pamplona, em Barcelona e nas regiões mineiras. Também a actividade da organização armada País Basco e Liberdade (ETA) cresceu exponencialmente, com o assassinato do presidente do Governo, almirante Carrero Blanco, a 20 deDezembro, em Madrid.

 

África

Em África, o ano de 1973 ficou marcado por ser o ano culminante da seca que tinha começado em 1968 e que assolou vários países, como o Senegal, Gâmbia, Mauritânia, Burkina Faso, Níger, Mali, Sudão, Etiópia, Eritreia e Chade. Causou a morte a mais de 250 000 pessoas e a milhões de animais, provocando a destruição das sociedades organizadas em torno da criação de gado e a sedentarização forçada dos que se dedicavam à pastorícia, especialmente os tuaregues, obrigando-os a concentrarem-se nas cidades. Estes problemas relacionados com a desertificação abrangeram uma área de 4 milhões de km2 e afectaram uma população de 50 milhões de pessoas. Na Líbia, a 15 de Abril, na povoação de Zuwara, Muamar Kadafi anunciou a “Revolução Cultural Líbia”, uma adaptação local da de Mao Zedong. Kadafi tomou várias decisões com implicações externas ao seu país: nacionalizou 51% da participação das companhias petrolíferas estrangeiras e ocupou cerca de 114 000 km2 de território do Chade, a faixa Aouzu, que se pensava ser rica em petróleo e urânio, e que viria a provocar uma guerra com este país, apoiado pela França. O conflito estendeu-se até 1994. Também no Magrebe se acentuou o crescente distanciamento entre Marrocos, o principal aliado dos EUA na região, e a Argélia, próxima da URSS. O rei Hassan II reforçou o seu perfil autocrático, dando a sua concordância à execução de 12 oficiais e suboficiais que, supostamente, teriam participado na tentativa de regicídio de Kenitra, no ano anterior. A Argélia, por seu lado, reforçou a sua imagem de paladina do Terceiro Mundo e dos movimentos de libertação nacional, ao ser o país anfitrião da IV Cimeira dos Países Não Alinhados.

 

Senegal e Guiné-Conacri

Por seu lado, os países vizinhos da Guiné-Bissau reforçaram o seu apoio ao PAIGC. Em fins de Novembro, seguindo-se à proclamação unilateral de independência da colónia portuguesa, o Senegal proibiu a actividade legal da FLING, para não se incompatibilizar com o PAIGC, num momento em que a derrota portuguesa parecia próxima e em que a sua intenção era reforçar os laços com este futuro país independente para não ter problemas na fronteira de Casamança. Na Guiné-Conacri, Sekou Touré reforçou o estado policial e aumentou as suas medidas de segurança, surgindo cada vez menos em aparições públicas. Os responsáveis portugueses detectaram, em Dezembro, um reforço do poder aéreo de Sekou Touré, ficando com dúvidas sobre se este seria partilhado com o PAIGC. De facto, por esta altura, dois caças de fabrico soviético, procedentes desse país, tinham sobrevoado a guarnição portuguesa de Burumtuma, o que fez aumentar a apreensão perante um possível incremento das acções aéreas do inimigo. Durante esse período, Portugal continuou com a sua acção desestabilizadora, financiando o jornal A Guiné Livre (nº1, 20.XII.1973), editado pela Oposição política dirigida pelo capitão Abou Soumah.

 

Zâmbia

Em Moçambique, o aumento da actividade militar da FRELIMO na zona de Cahora Bassa foi facilitado pela proximidade da fronteira da Zâmbia. Este país, com maior ou menor discrição, começou a apoiar mais decididamente a guerrilha, como se provou em Março, quando a população de Vila Gamito foi atacada por mísseis, tendo-se provado que a rampa de lançamento estava situada em território zambiano.

 

Zaire e Namíbia

No Zaire, Mobutu continuou a manter excelentes relações com Portugal, como se comprovou em Dezembro, quando libertou todos os prisioneiros portugueses que tinha em seu poder. Apesar disso, permitia algumas actuações da FNLA na fronteira norte, não só para que essa organização continuasse viva nos fóruns internacionais, como para, indirectamente, recolher algum crédito como dirigente africano comprometido com a emancipação do continente.

Na Namíbia, a SWAPO conseguiu mobilizar as populações de Caprivi e as dos ovambos. Perante esta escalada militar, o Exército sul-africano passou a dirigir a luta contra-subversiva na Namíbia. Em Março, na Ovambolândia, bantustão criado para estabelecer governos-fantoche na Namíbia, à imagem do que sucedia na África do Sul, deram-se graves confrontos com a polícia, que causaram a destruição de edifícios públicos, e protestos contra o Governo colaboracionista, a repressão policial e a restrição de movimentos da população local. Em Abril, a Igreja Luterana juntou-se aos protestos e a SWAPO actuou de acordo com ela. As eleições na Ovambolândia realizaram-se a 1 e 2 de Agosto, com uma participação de 2,5% do eleitorado, o que mostrou a força da SWAPO, que tinha pedido o boicote eleitoral e que, a 30 de Setembro, foi reconhecida pela ONU como a representante do povo da Namíbia. A mobilização política entre os ovambos estendeu-se aos membros angolanos desta etnia, o que causou grandes preocupações às autoridades coloniais portuguesas.

 

Portugal, África do Sul e Rodésia

Nesta fase, também se assistiu a um incremento na cooperação portuguesa, sul-africana e rodesiana. Em Janeiro, chegou a Pretória o primeiro avião-hospital português, com sete feridos graves para serem operados, marcando o início deste tipo de ajuda. No princípio de Julho, o general Kaúlza de Arriaga visitou esta capital e encontrou-se com o ministro da Defesa, Pieter Botha, e outras autoridades militares. Em Setembro, foi a vez do ministro da Defesa português, Sá Viana Rebelo, visitar oficialmente a África do Sul, para tratar de assuntos de segurança e cooperação militar, relacionados com a deterioração da situação moçambicana. E, no início de Novembro, este mesmo problema foi analisado outra vez pelos dois ministros, desta vez em Lisboa. Também foi decisiva a intervenção militar da Rodésia em Moçambique, especialmente nos distritos de Tete e Zambézia. A coordenação do eixo Rodésia, África do Sul e Portugal foi reforçada em Junho quando, depois de uma reunião realizada em Pretória, se chegou a acordo para estabelecer aí um Quartel-General permanente, encarregado de coordenar as acções operacionais conjuntas. Em finais de Novembro, foi nomeado para o dirigir o major-general sul-africano Chester V. Clifton Jr.

 

MPLA

Simultaneamente com a melhoria da situação militar em Angola, proporcionada pela cooperação sul-africana e zairense, o MPLA desagregava-se irremediavelmente. Em Fevereiro, na base de Kalunga, situada no Leste, e depois de uma agitada assembleia, emergiu uma nova cúpula, dirigida por Agostinho Neto. Os sectores que a contestavam, liderados por Hugo Azancot de Menezes, Gentil Viana, João Vieira Lopes, Eduardo Macedo dos Santos e Mário Pinto de Andrade, organizaram a Revolta Activa e reclamaram por maior democracia interna. Apontavam o autoritarismo presidencialista de Agostinho Neto como a principal causa da Paralisação da organização e, além disso, apontavam o facto de só este ter acesso a todos os fundos da organização, sem nenhum tipo de controlo. A Revolta Activa juntamente com a do Leste enfraqueceram o MPLA, acrescendo-lhe ainda o desmantelamento, pela PIDE/DGS, da estrutura clandestina em Luanda. Nos primeiros três meses foram detidas mais de 250 pessoas ligadas a redes de apoio à 1ª Região Militar. Tratava-se de dois grupos diferentes, bem estruturados, e sem relação entre si, que já tinham realizado actos de sabotagem e que pretendiam desencadear a luta armada na capital.

A inflexão da situação do MPLA só poderia conseguir-se se o acordo assinado com a FNLA se mantivesse e se pudessem ter acesso à fronteira zairense para abastecer as regiões militares fronteiriças a este país. Mas, a reunião em Kinshasa entre os dois movimentos, no princípio do ano, foi um fracasso e, depois da denúncia do acordo por parte de Agostinho Neto, na VIII Conferência de Chefes de Estado de África, em Maio, as duas organizações passaram ao confronto aberto. O MPLA acabou por perder dois dos seus comandantes e 36 guerrilheiros. Por seu lado, a FNLA manteve uma escassa operacionalidade, ainda que tenha realizado incursões ao longo da fronteira, incluindo no distrito de Luanda onde, em Maio, atacou o Caxito e, em Outubro, uma das principais fazendas de café.

 

Guerrilheiros do MPLA numa chana do Leste de Angola. [CD/DN]

 

UNITA

No que diz respeito à UNITA, esta passou de aliado imprescindível de Portugal a inimigo, na sequência da substituição, a 31 de Março, do general Bettencourt Rodrigues pelo general Barroso Hipólito, como comandante da Zona Militar Leste. Contudo, nos primeiros meses, Portugal ainda insistiu em integrar Jonas Savimbi na estrutura administrativa colonial. Mas, quando a UNITA realizou o seu III Congresso, de 13 a 18 de Agosto, e a DGS tomou conhecimento das suas resoluções, tornou-se claro que a sua colaboração com Portugal fora apenas táctica e Barroso Hipólito actuou em conformidade.

 

Amílcar Cabral

O cenário de guerra mais preocupante para Lisboa era o da Guiné-Bissau. A impossibilidade de aplicar o Plano Senghor deixou a iniciativa político-militar nas mãos do PAIGC, cujo secretário-geral, a 8 de Janeiro, na Rádio Libertação, anunciou que nesse ano se proclamaria unilateralmente a independência, algo que o Governo português certamente não desejava. São fortes os indícios que apontam para o envolvimento da ditadura colonial no assassínio de Amílcar Cabral, a 20 de Janeiro. A dimensão do golpe revela também a necessária colaboração de Sekou Touré. Primeiro, não se compreende como é que, num regime policial como o que existia em Conacri, e apesar dos tiroteios que se deram em várias zonas da cidade, não apareceram forças policiais nem militares, até Sekou Touré ter sido avisado pelo embaixador cubano, Óscar Oramas; segundo, apesar da vigilância especial que se estabeleceu nas ruas, os executores materiais do assassínio conseguiram entrar no palácio presidencial e entrevistar-se com Touré; terceiro, parece claro que as relações entre Amílcar Cabral e Sekou Touré sempre foram tensas, e que este tinha receio da projecção internacional do líder do PAIGC e do apoio que recebia da URSS e dos seus aliados; além disso, era partidário da criação da Grande Guiné, que deveria incluir a colónia portuguesa, como afirmaram, entre outros, Nino Vieira e Luís Cabral.

Por outro lado, a atitude de Sekou Touré nos momentos posteriores ao golpe foi muito suspeita. É seguro que Sekou Touré estava interessado numa nova direcção do PAIGC com menor relevo internacional e intelectual. Para dissipar as suspeitas que caíam sobre si, nomeou uma comissão internacional de investigação, integrada por membros do seu partido, por Samora Machel e Joaquim Chissano (FRELIMO) e pelos embaixadores de Cuba, Argélia e Tanzânia, entre outros, mas em menos de um mês e por decisão presidencial a comissão teve de concluir os seus trabalhos, sem ter chegado a aceder aos documentos dos interrogatórios realizados no campo de concentração de Boiró Mamadou, onde se encontrava a maior parte dos suspeitos. Outra evidência da participação indirecta de Sekou Touré no golpe foi a sua contribuição para aprofundar a brecha entre guineenses e cabo-verdianos, pois afirmava abertamente que era uma injustiça que o PAIGC fosse dirigido por mulatos. Ainda que, na verdade, como indicou o embaixador cubano, Óscar Oramas, a prolongada ausência dos dirigentes máximos do PAIGC das zonas de guerra e o facto de estes serem maioritariamente cabo-verdianos tenham criado ressentimentos. De facto, esta fractura foi amplamente utilizada pelo comando português na sua acção psicológica contra a guerrilha. Depois do desaparecimento de Amílcar Cabral, houve uma reunião em Conacri, com Nino Vieira, Chico Mendes, Úramo Djaló, Osvaldo Viera, Carlos Correia e Vítor Maria, para impedir que outro cabo-verdiano liderasse o PAIGC, tentando neutralizar Aristides Pereira e Luís Cabral. Mas o clima de terror instaurado e as dezenas de execuções impediram as mudanças propostas pelos guineenses. Este dilema só se resolveria em Novembro de 1980, depois da derrocada de Luís Cabral e da sua substituição por Nino Vieira.

 

Amílcar Cabral em 1971. [Foto de Bruna Polimeni, Associação Tabanka]

 

PAIGC

Uma semana depois da execução de Amílcar Cabral, os principais dirigentes do PAIGC fizeram um apelo ao reforço da acção bélica. O PAIGC contava com uma nova arma, o míssil terra-ar Strela, que foi utilizado pela primeira vez a 25 de Março, abatendo um avião militar, operação que se repetiu três dias mais tarde, derrubando outro aparelho e matando o piloto.

Entretanto, a 8 de Maio, o PAIGC iniciou a ofensiva Nô Pintcha, na frente norte, atacando o quartel de Guidage, junto à fronteira com o Senegal. A operação durou um mês, durante o qual as forças portuguesas sofreram 39 mortos e 122 feridos, tendo sido abatidos outros três aviões, o que impediu o abastecimento da guarnição, que ficou completamente isolada. Para acabar com a ofensiva guerrilheira, a unidade de Comandos africanos, a 17 desse mês, atacou a base de Cumbamori, no Senegal, o seu centro logístico mais importante. Dez dias mais tarde, o PAIGC desencadeou outra ofensiva, no Sul, a Amílcar Cabral, com o objectivo de conquistar o quartel de Guileje, a 15 km da Guiné-Conacri. No dia 22, perante os bombardeamentos contínuos e sabendo que o reabastecimento seria muito difícil, o comandante, major Coutinho Lima, ordenou a evacuação, deixando para trás armamento pesado, veículos e rádios. Spínola processou o major por ter abandonado a praça num ataque de pânico, mas a população e os militares cercados consideraram que este agira com humanidade e firmeza. Em qualquer dos casos, o êxito de Guileje deu ao PAIGC uma grande força moral e a convicção de que outras guarnições poderiam também cair. Com essa finalidade, entre 31 de Maio e 5 de Junho, atacaram Gadamael, uma aldeia fortificada, a 3 km da Guiné-Conacri, provocando 24 mortos e sete feridos, mas esta não caiu graças aos reforços que chegaram.

 

Mapa da região de Guidage.

 

Independência da Guiné-Bissau

A 6 de Agosto, Spínola regressou a Portugal e foi substituído pelo general Bettencourt Rodrigues. Pouco depois, a 24 de Setembro, em Madina do Boé, o PAIGC proclamou a independência, no que foi apoiado pela Assembleia Geral da ONU que, a 2 de Novembro, saudava o novo país com 93 votos a favor, 30 abstenções e sete contra (Portugal, Brasil, Espanha, África do Sul, EUA, Grã-Bretanha e Grécia). A resolução também criticava a ocupação portuguesa de algumas áreas do novo país e pedia a admissão da Guiné-Bissau na Nações Unidas. Outros 88 países reconheceram o novo país nas semanas seguintes.

 

Moçambique

As dificuldades militares levaram a que, a 26 de Maio, a empresa italiana concessionária da construção da linha de transporte de electricidade de Cahora Bassa abandonasse a obra por falta de segurança, confirmando assim que a condução da guerra por parte do general Kaúlza era bastante deficiente. Por isso, quando em Julho concluiu a sua comissão, foi substituído pelo general Basto Machado. Mas a 10 de Julho, antes da sua saída, ainda rebentaria um escândalo de dimensões internacionais, quando o padre católico britânico Adrian Hastings publicou um artigo no The Times de Londres, denunciando o massacre de Wiriyamu, exactamente seis dias antes de o ditador visitar a Grã-Bretanha. Além disso, esta notícia serviu de argumento para que o Governo de Bona imprimisse uma inflexão à sua política relativa a Lisboa, aproximando-se dos movimentos de libertação africanos. Também os governos belga, holandês e canadiano aproveitaram para se distanciar da política colonial portuguesa.

Por outro lado, a situação militar foi-se deteriorando, devido à maior operacionalidade da FRELIMO que, a 13 de Setembro, utilizou pela primeira vez os mísseis terra-ar. Um deles atingiu um avião da Força Aérea, no distrito de Cabo  Delgado, que transportava adidos militares estrangeiros, levando a que o piloto tivesse de aterrar de emergência.

 

Áreas da actuação da guerrilha em Moçambique, em Dezembro de 1973. [ADN]

 

Programa de Lusaca

Foi neste contexto de degradação militar que as autoridades zambianas prepararam o texto que tem sido conhecido como o Programa de Lusaca, em conjunto com Jorge Jardim, Neyrere e a própria FRELIMO, e que pretendia estabelecer um Governo de maioria negra em Moçambique, que também preservasse os interesses portugueses e que, além da participação da FRELIMO, incluísse outras forças, como o Grupo Unido de Moçambique (GUMO), criado em meados desse ano e constituído por negros de classe média, afectos a Portugal. Os seus dirigentes eram o advogado Máximo Dias, que se encontrou com Marcelo Caetano em Lisboa, em Setembro, e a filóloga Joana Simeão. Por trás deste projecto estavam as forças com interesses económicos no país. Mas este plano não teria sucesso devido às dúvidas de Marcelo Caetano, quando lho apresentaram. A saída de Kaúlza de Arriaga encheu de pessimismo os colonos, não porque tivessem apreço pelos seus dotes militares, mas porque a maior parte entendeu que a guerra já estava perdida. De facto, nessa época, Aga Khan, autoridade máxima dos ismaelitas, enviou uma carta aos seus seguidores, na sua maioria comerciantes, aconselhando-os a retirar os seus valores da colónia. Por outro lado, o desenrolar da guerra fez com que a FRELIMO não tivesse necessidade de negociar, especialmente quando o Movimento dos Capitães começou a desgastar a máquina colonial.

 

S. Tomé e Príncipe

Em Janeiro, o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe foi reconhecido pelo Comité de Libertação da OUA como legítimo representante deste arquipélago, apesar de nunca ter realizado ali nenhuma actividade.

 

Marcelo Caetano

Marcelo Caetano, durante este período, viveu acossado pela oposição dos sectores democráticos, que queriam a democratização e a descolonização, e pela dos sectores ultra, que exigiam maior firmeza com a Oposição política e nenhuma cedência na frente da guerra. E foram precisamente as más notícias militares que acabaram com a escassa margem de manobra que ainda tinha porque, à perda da iniciativa estratégica na Guiné e em Moçambique, juntou-se a contestação dos capitães, para a qual não era possível encontrar solução, uma vez que esta passava pela descolonização e democratização. Esta era uma inflexão política para a qual Marcelo Caetano não tinha vontade, nem autonomia, porque o núcleo da ditadura no Exército, no mundo económico, no aparelho de Estado e na Igreja, não estava disposto a permiti-la.

 

Os decretos dos capitães

A 13 de Julho, em plena época de férias, publicou-se o Decreto-Lei 353/73, posteriormente alterado com o 409/73, de 20 de Agosto, que pretendia incentivar os oficiais milicianos a incorporarem-se no Quadro Permanente, tentando assim suprir a falta de capitães. O problema é que estes acabavam por ultrapassar os oficiais provenientes da Academia Militar, nas promoções. Na mobilização que daqui nasceu, para obrigar o Governo a retirar este decreto, foram aflorando, paulatinamente, o cansaço da guerra, o facto de os militares profissionais deixarem de ter medo de falar de política e a convergência, em pouco tempo, com as ideias da Oposição Democrática, que tinha uma proposta para alcançar a paz. Mas a prova definitiva e a constatação de que o problema não era só corporativo deu-se quando, apesar da derrogação dos decretos a 12 de Outubro, a contestação prosseguiu, tendo conseguido eleger, em Óbidos e na Costa da Caparica, a 1 e 5 de Dezembro, respectivamente, a cúpula de generais que deveria ocupar o poder, em substituição de Marcelo Caetano, e a direcção do movimento, que seria encarregada de derrubar a ditadura.

 

Ala Liberal

A falta de flexibilidade do Governo também foi notória em relação à Ala Liberal. Se, em 1972, as divergências tinham surgido com a Reforma Constitucional, em Janeiro de 1973 surgiram em resultado da desproporcionada actuação policial no caso da capela do Rato, que Sá Carneiro e Miller Guerra denunciaram na Assembleia Nacional. Perante a justificação governamental, ambos apresentaram a renúncia aos seus lugares, no fim do mesmo mês. Outra atitude crítica para com o Governo foi protagonizada por 23 deputados desse grupo, numa reunião de trabalho ocorrida em finais de Julho, e na qual desistiram de qualquer colaboração futura com o Governo e renunciaram a concorrer a futuras eleições. A importância da Ala Liberal também cresceu com o destaque dado à sua actividade pelo semanário Expresso (nº 1, 06.1.1973), dirigido por Pinto Balsemão, e que ampliou a liberdade de imprensa para limites até então desconhecidos da ditadura.

 

Primeira página do primeiro número do semanário Expresso, 6 de Janeiro, 1973.

 

Oposição Democrática

Um significativo contributo para a democratização do país foi dado, nesse período, por sectores progressistas do clero. Entre outros, há a destacar o padre Mário de Oliveira, detido em Março. Em Novembro, foi detido e julgado o grupo que editava os Cadernos GEDOC (Grupo de Estudos e Intercâmbio de Documentos, Informações e Experiências) e o Boletim Anticolonial: Felicidade Alves, Abílio Cardoso, Nuno Teotónio Pereira, Mendes Mourão e Luís Moita. O Congresso de Aveiro não abordou directamente a questão da descolonização e centrou-se na questão das liberdades públicas e da unidade de acção, unidade que se tornou possível a partir de 19 de Abril, quando, em Bad Minstereifel (RFA), nasceu o Partido Socialista. O seu secretário-geral, Mário Soares, defendeu também a necessidade de conseguir uma unidade tácita com o PCP. A primeira reunião conjunta teve lugar em Setembro, na sequência da qual emitiram um comunicado, defendendo a urgência de liquidar a ditadura fascista, de acabar com a Guerra Colonial e de negociar a independência completa e imediata dos povos de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.

 

Extrema-Esquerda

Paralelamente, a Extrema-Esquerda, caracterizada por ser uma constelação difusa e sectária, contava mesmo assim com amplo apoio popular. Destacavam-se, pelo emprego da violência revolucionária, as BR, que também lançaram em Setembro o Partido Revolucionário do Proletariado (PRP), que defendia o marxismo-leninismo, matizado pela influência da Revolução Cubana. Com a mesma influência ideológica, ainda que não se considerasse leninista, estava a LUAR, que tinha praticamente todos os seus operacionais presos, tendo o seu líder máximo, Palma Inácio, sido detido em França, em meados de Fevereiro, e libertado pouco depois. Em geral, as forças esquerdistas ensaiaram novas formas de actuação, mais ousadas e menos pautadas pelas rigorosas medidas de segurança que envolviam o PCP. Assim, jovens radicais desafiaram o regime em diversas manifestações, a 30 de Março e 2 e 3 de Abril, em diversos bairros da capital, algumas delas incentivadas pelo MRPP. Simultaneamente, surgiram diversos grupos pró-chineses: a União Comunista (Marxista-Leninista), a Organização Comunista Marxista-Leninista e o Comité de Apoio à Reconstrução do Partido Marxista-Leninista. Por último, criou-se a Liga Comunista Internacionalista, de carácter trotskista e seguidora da IV Internacional.

 

Movimentos sociais

Houve, neste período, uma nova crise estudantil, e sucederam-se os assaltos policiais às sedes das associações de estudantes, que foram sendo fechadas pela polícia, até ao ponto de, em Abril de 1974, só haver duas abertas. Também o movimento sindical protagonizou numerosos incidentes. Em Novembro, a Intersindical criou um secretariado clandestino de cinco membros que, em Dezembro, lançou uma campanha pelo salário mínimo nacional.

 

Congresso dos Combatentes

Outro sector a limitar a capacidade de Governo de Marcelo Caetano foi o salazarista ortodoxo que, de 1 a 3 de Junho, realizou o I Congresso dos Combatentes do Ultramar, com intenção de criticar a política descentralizadora de Marcelo Caetano em África e de reforçar a política de mão pesada contra a Oposição política. Mas a estratégia ultra falhou quando militares do QP da Guiné contestaram a filosofia em que se baseava o congresso, chegando a ser recolhidas 400 assinaturas de oposição ao mesmo. Ideologicamente próxima dos organizadores deste congresso encontrava-se a Associação de Estudos para o Progresso Nacional, criada em Setembro e constituída por tecnocratas de Extrema-Direita, entre os quais se encontravam Francisco Lucas Pires, José Vale de Figueiredo, Gomes de Pinho, Artur Anselmo e Luís Sequeiros.

 

Cartaz do I Congresso dos Combatentes.

 

Generais

A mesma crítica subjacente ao Congresso dos Combatentes foi utilizada pelos generais Venâncio Deslandes, Kaúlza de Arriaga e Pinto Resende, ao convidarem o general Spínola para um jantar em Lisboa, para tentar destituir Marcelo Caetano. A reunião, realizada a 21 de Setembro, não levou a nenhum acordo porque o general Spínola, recém-chegado da Guiné, queria ter uma perspectiva mais aprofundada dos assuntos militares e esperar que o Governo o recolocasse. Esta conspiração militar ultra também quis estabelecer ligação com o Movimento dos Capitães e, a 3 de Dezembro, o coronel Frade Júnior encontrou-se com dois capitães ex-cadetes, enquanto outros dois coronéis se encontraram com dois milicianos que também tinham organizado um processo de contestação ao regime. No meio destas tomadas de posição, o major Carlos Fabião denunciou que se preparava um golpe de Extrema-Direita com a participação de Silvino Silvério Marques, Luz Cunha, Kaúlza de Arriaga e Henrique Troni. Por isso, o medo de uma desestabilização por parte da Extrema-Direita também marcou os últimos meses do regime.

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