1973 - Perder a guerra e as ilusões

1973
Assassínio de Amílcar Cabral - a interrogação persistente

Em 20 de Janeiro de 1973, quando preparava o II Congresso do PAIGC, Amílcar Cabral foi assassinado em Conacri. As condições da morte e os autores materiais são conhecidos, mas resta conhecer as motivações e quem esteve por detrás dessa morte. Amílcar Cabral regressava a casa com a mulher ao volante de um Volkswagen. O carro foi mandado parar por três militantes do PAIGC que saíram de um jipe e lhe apontaram as armas. Eram chefiados por Inocêncio Kany, um dos comandantes da Marinha, que o mandou seguir. Cabral recusou e foi abatido diante da mulher, Ana Maria.

Ao mesmo tempo outros conspiradores haviam prendido Aristides Pereira, secretário-geral adjunto, que se encontrava no seu gabinete e levaram-no amarrado para uma das vedetas que os esperava no porto de Conacri.

Vários dirigentes do PAIGC foram presos, entre eles Vasco Cabral e José Araújo, todos cabo-verdianos, além de Ana Maria.

À meia-noite, Conacri estava isolada e um grupo de conspiradores apresentou-se a Sekou Touré para lhe comunicar a morte de Cabral. “Acabámos de assumir as nossas responsabilidades”, disse Mamadou Touré, de alcunha o Momo. Sekou Touré mandou-os deter e reuniu-se no dia seguinte, 21 de Janeiro, com Samora Machel da FRELIMO que se encontrava de passagem em Conacri e com os embaixadores de Cuba e da Argélia.

Os conspiradores foram interrogados e as conclusões desse interrogatório estabeleceram que a origem do plano se encontrava em Lisboa e que a acção não pretendia a eliminação de Cabral, mas sim a liquidação do PAIGC.

Valentino Mangana, um dos presos, referiu que as autoridades portuguesas tinham assegurado que Portugal estava pronto a conceder a independência aos negros da Guiné-Bissau na condição do PAIGC ser eliminado e de todos os cabo-verdianos serem excluídos do movimento nacionalista, porque Portugal pretendia conservar as ilhas de Cabo Verde. Assim, os negros deviam desembaraçar-se de todos os mestiços. Isto feito, Portugal constituiria um Governo e as forças portuguesas retirar-se-iam para Cabo Verde e cooperariam com os negros da Guiné no sentido de lhes assegurar a protecção.

Nené, um dos responsáveis das comunicações do PAIGC, confessou que já tinha comunicado por rádio para Bissau a liquidação do “homem grande” (Cabral). 

 

Portugal na origem da morte de Cabral: teorias

Como acontece normalmente após a morte violenta de um líder político, as teorias conspirativas cobrem todas as possibilidades. Neste caso incluem Sekou Touré, que o veria como um concorrente no seio dos dirigentes africanos e até como destinatário da ajuda internacional (parece que Sekou Touré ficava com uma parte do que era destinado ao PAIGC), dos serviços secretos soviéticos, que não confiariam na sua pureza ideológica, de disputas internas entre cabo-verdianos e guinéus, envolvendo Nino Vieira. Há teorias e explicações para todos os gostos, mas há poucas dúvidas sobre a participação de elementos portugueses na conspiração que provocou a morte de Cabral. Absolutamente certo é que as autoridades portuguesas, com Marcelo Caetano no Governo em Lisboa e Spínola em Bissau, já tinham tentado eliminar Amílcar Cabral uma vez, por ocasião da Operação Mar Verde, em 1970, e com os mesmos pressupostos de que a sua morte enfraqueceria o PAIGC e desencadearia a luta entre cabo-verdianos e guinéus. Se essa justificação serviu em 1970, quando as forças portuguesas estavam em melhores condições, melhor serviriam em 1973, quando se encontravam numa situação militar muito mais difícil.

 

Coerência nas declarações dos conspiradores

Cabo Verde: as declarações dos interrogatórios dos conspiradores publicadas algum tempo depois e apresentadas no Congresso do PAIGC são coerentes com as referências feitas à questão da importância de Cabo Verde – que foi referida numa conversa entre Marcelo Caetano e Spínola após o encontro com Senghor em Cape Skiring e só conhecida muito depois de surgirem as transcrições dos interrogatórios feitos aos conspiradores. Uma independência da Guiné e o recuo das forças portuguesas para Cabo Verde, ou a sua concentração em posições escolhidas, estavam nos planos de Spínola, como se verá nas medidas que ele propôs em Junho após os grandes ataques do PAIGC a Guidage e Guileje.

Os antecedentes dos conspiradores envolvidos na morte de Cabral também indicam uma ligação inequívoca às autoridades portuguesas e à PIDE/DGS em particular. Mamadou Touré, “Momo”, era um antigo empregado de bar que foi preso em Bissau em 1962 e esteve vários anos no Tarrafal, onde encontrou outro dos conspiradores, Aristides Barbosa. Ambos serão amnistiados em 1970 e regressaram a Bissau, de onde partiram para Conacri para se reintegrarem no PAIGC.

 

A PIDE/DGS e Spínola

A partir da certeza que a delegação da PIDE/DGS de Bissau esteve envolvida na conspiração contra Amílcar Cabral algumas conclusões são legítimas: A sede da PIDE/DGS em Lisboa estava dentro da conspiração e esta era do conhecimento de Marcelo Caetano; Se a conspiração foi organizada pela delegação da PIDE/DGS de Bissau, o general Spínola estava dentro do assunto. Nenhum dirigente da PIDE se atreveria a desencadear um golpe destes na Guiné sem autorização de Spínola.

Na manhã de 21 de Janeiro, a morte de Cabral era do conhecimento do general Spínola com algum pormenor. Resta assim a dúvida de saber se a morte de Cabral fazia parte das ordens, ou se foi um acto superveniente, deliberado ou fruto das circunstâncias do momento.

 

A análise de Spínola à morte de Amílcar Cabral

O primeiro Relatório de Informações de 1973 do Comando-Chefe da Guiné reconhece que «apesar do “desaparecimento”, já no final do período, do secretário-geral do Partido, a actividade inimiga não ter sido afectada, assistindo-se até ao seu recrudescimento nos dias que se seguiram à morte de Amílcar Cabral».

Spínola manifestou num documento de análise da situação por ele assinado e difundido até ao escalão de comandantes de Agrupamento/Batalhão, a seguinte opinião sobre esta morte: “O assassinato de Amílcar Cabral apresenta-se como um golpe profundo na estrutura do PAIGC. Constitui a perda dificilmente reparável dum chefe político com reais qualidades pessoais, traduzidas por notória originalidade, que soube impor internacionalmente o Partido e imprimir-lhe o necessário, mas difícil, compromisso entre cabo-verdianos e guinéus combatentes, que só um homem da envergadura de Amílcar Cabral poderia conseguir.”

A análise política das consequências da morte de Amílcar Cabral feita pelos oficiais de Spínola também veio a revelar-se ajustada, embora tenha esbarrado no autismo de que sofria o regime herdado por Marcelo Caetano e que este não soube, não pôde ou não quis modificar. Pronunciava-se o Quartel-General da Guiné da seguinte forma: “Amílcar Cabral não era de modo algum um demagogo, mas antes um político hábil, cauteloso, com exacto sentido de oportunidade. Na sua acção diplomática, à escala mundial, tudo leva a crer que tivesse conseguido garantias seguras que lhe permitissem pronunciar tão grave quanto espectacular decisão (declaração unilateral de independência, anunciada na Mensagem de Ano Novo), procurando consolidá-la com a obtenção da neutralidade dos Países Ocidentais, nomeadamente os EUA, da Grã-Bretanha e da França, para que estes países não opusessem veto na ONU às futuras intenções do PAIGC.”

Se estas qualidades eram também boas razões para tentar eliminar Amílcar Cabral, o resultado da sua morte foi a substituição de um dirigente de grande nível e visão por homens medianos como Aristides Pereira e Luís Cabral, ou homens de guerra como Nino Vieira.

Se, como muitos indícios parecem indicar, a intenção dos autores da acção em Conacri era eliminar Cabral para enfraquecer o PAIGC, o resultado militar no terreno não foi conseguido, como as análises dos tempos que se seguiram à sua morte reconhecem. Desta forma, Portugal perdeu um interlocutor de elevada craveira com quem poderia negociar no futuro.

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