Uma solução alternativa
A independência de Moçambique não interessava apenas a Portugal e à FRELIMO, muitos países africanos procuravam influenciar o seu futuro. Entre os mais interessados contavam-se a Zâmbia e o Malawi, que dependiam de Moçambique para o acesso ao mar e que para isso necessitavam dos portugueses, mas que também tinham deveres de solidariedade para com os movimentos de libertação e que, por isso, não podiam deixar de ajudar a FRELIMO na sua luta.
No dia 12 de Setembro de 1973, Kenneth Kaunda, auxiliado por Marx Chona, passava para o papel o seu Plano de Lusaca para ser apreciado pelo Governo de Portugal. Alguns dirigentes da FRELIMO haviam tido prévio conhecimento do plano e se não o aplaudiam, aceitavam pelo menos analisá-lo.
A política da Zâmbia: um difícil exercício de equilíbrio
A Zâmbia praticava uma política dupla, auxiliando os guerrilheiros moçambicanos e angolanos com bases de apoio logístico no seu território, mas continuava a servir-se dos portos portugueses para o escoamento das suas riquezas e para o seu abastecimento económico. As pressões internacionais obrigavam Kenneth Kaunda a decretar o suicídio económico do seu país. A inflação aproximava o país da catástrofe. A alta dos preços era geral para todas as mercadorias de uso corrente e muitas de primeira necessidade desapareciam dos mercados. Greves e manifestações estudantis percorriam a outrora calma Lusaca e foi neste quadro que Kenneth Kaunda tentou em Setembro de 1973 estabelecer um acordo entre Portugal e a FRELIMO que abrisse caminho à paz e que constituísse uma saída para enfrentar o problema de isolamento da Zâmbia.
O início do Plano de Lusaca – não era mau se impedisse o avanço dos soviéticos
O chamado Plano de Lusaca é, em resumo, uma proposta de início de negociações entre Portugal e a FRELIMO para uma futura independência de Moçambique. O presidente Nyerere, da Tanzânia, tinha conhecimento do plano e apoiava-o na medida em que ele dificultasse o avanço russo no subcontinente, que era meio caminho para agradar à República Popular da China com quem a Tanzânia tinha relações privilegiadas e que estava a construir uma linha de caminho-de-ferro que iria servir à Zâmbia como alternativa à de Benguela. Moçambique independente seguiria depois a inclinação política que lhe aprouvesse, sendo certo que uma nação de influência lusitana implantada no meio do continente elevaria as possibilidades de equilíbrio político, favorecendo todos os territórios vizinhos.
Jorge Jardim, o mensageiro e intermediário
O portador do plano para o apresentar ao Governo português seria o cônsul do Malawi, engenheiro Jorge Jardim, que os zambianos julgavam de boas relações com Marcelo Caetano. Os primeiros contactos foram estabelecidos em 15 de Julho, pelo Alto Comissário da Zâmbia em Londres, Amoch Phiei, para conversações em que intervêm Marck Chona, conselheiro de Kaunda, e o encarregado de Negócios da Zâmbia em Portugal, Chipampata, personalidade chave em todo este processo e amigo pessoal de Marck Chona, além de próprio Kaunda. Jorge Jardim discutiu com Marck Chona uma solução pacífica do problema de Moçambique, explicando as dificuldades para levar tal projecto para a frente, devido à existência de uma forte Extrema-Direita portuguesa. No entanto a nomeação de Baltazar Rebelo de Sousa para ministro do Ultramar, que Jardim anunciou, poderia facilitar as coisas, dado que ele conhecia muito bem os problemas de Moçambique e advogava uma terceira solução que levaria Moçambique à independência, embora não liderada pela FRELIMO.
Jorge Jardim revelou também a transferência de Silva Cunha para o Ministério da Defesa, onde as suas posições de intransigência não gozariam de grande apoio e acrescentou que diversos generais pensavam como ele e, por conseguinte, poderia avançar-se embora cautelosamente.
A FRELIMO estava informada
A Zâmbia informou a FRELIMO destas conversas. Joaquim Chissano, então chefe do Departamento de Segurança, de passagem por Lusaca, respondeu que conhecia bem Jardim e pediu às autoridades zambianas que lhe dissessem que a FRELIMO estava muito interessada nas negociações, embora conhecesse os projectos de Baltazar Rebelo de Sousa, futuro ministro do Ultramar, para apoiar a GUMO, um grupo dirigido pelo advogado Máximo Dias da Beira e por Joana Simeão que havia colaborado com Jorge Jardim. Rebelo de Sousa queria este grupo para servir de alternativa à FRELIMO e Marcelo Caetano autoriza a sua existência apesar dos receios que tinha da Extrema-Direita de Moçambique chefiada por Gonçalo Mesquitela, o chefe da ANP local.
O Plano de Lusaca
O plano está dividido em duas parte, a primeira expressa a posição da Zâmbia e a segunda as acções para defender os interesses de Portugal.
O Plano de Lusaca é, no essencial, uma proposta para Portugal romper os estreitos contactos que tinha já em desenvolvimento no âmbito do Exercício Alcora com a África do Sul e a Rodésia.
Não assustar Marcelo Caetano
Perante este memorando, Jorge Jardim refreou os entusiasmos dos zambianos dizendo-lhes que o projecto devia ser apresentado pouco a pouco a Marcelo Caetano, para não o assustar. O problema que Jardim levantou nessa altura foi Costa Gomes, contra quem tinha um ódio patológico desde os anos 60, quando foi a Angola participar em operações de tipo militar contra os guerrilheiros.
Mas não foi Costa Gomes, nesse tempo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, quem inviabilizou o Plano de Lusaca, foi a incapacidade do Governo de Marcelo Caetano em ler os sinais de revolta contra a guerra que vinham das Forças Armadas. Em Novembro de 1973 já os quadros intermédios desde Agosto estavam envolvidos no processo de contestação que daria origem, primeiro ao Movimento dos Capitães, e depois ao Movimento das Forças Armadas. Conhecedora do mal-estar nas Forças Armadas Portuguesas e ainda a explorar as repercussões internacionais dos massacres de Wiriyamu, a FRELIMO avançava militarmente e não se interessou por fazer alianças e repartir o poder.
Um plano fora de tempo
O texto do Plano de Lusaca parecia, à primeira vista, ser mais difícil de aceitar pela FRELIMO do que por Portugal. Hoje, para justificar o seu fracasso, alguns diplomatas zambianos afirmam que se tratou apenas de um balão de ensaio lançado pela Zâmbia para testar as intenções do Governo português. Do lado português, alguns defensores de Marcelo Caetano explicam a recusa de deixar prosseguir os contactos com o facto de ele não ter por Jorge Jardim, nem pelas suas qualidades de agente para missões difíceis, o mesmo apreço que Salazar tinha. Há, no entanto, outra explicação menos lisonjeira para o voluntarismo de Kaunda e a inibição de Caetano para a morte no ovo do Plano de Lusaca: é que, em 1973, o regime português já não tinha sequer credibilidade para negociar o futuro das suas colónias com os movimentos de libertação. A situação militar na Guiné e em Moçambique era favorável ao PAIGC e à FRELIMO. Não precisavam de negociar. O Governo de Marcelo Caetano estava envolvido numa aliança com a Rodésia e a África do Sul. A aliança Alcora era conhecida de todos os governos da região. Bastava aos movimentos de libertação deixar Portugal envolver-se no caixão antecipado do apartheid em que se metera para obterem a independência sem terem de fazer concessões. Ao estabelecer como prioridade estratégica a aliança com a Rodésia e a África do Sul e de elevar essa aliança ao patamar institucional em que situava a relação de Portugal, África do Sul e Rodésia – com órgãos de coordenação política, militar e económica – Marcelo Caetano impedia qualquer possibilidade de saída para a guerra que não fosse a determinada pelos seus aliados, nada mais que dois regimes proscritos.
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