A entrevista
O ex-presidente da República, Craveiro Lopes, concedeu uma entrevista ao Diário de Lisboa, publicada no dia 10 de Agosto de 1963. Na entrevista do ex-presidente defendia a livre informação e uma evolução na política ultramarina, que estava na “tradição da nossa administração”, advogando a participação útil de todos.
A entrevista começou por ser interditada pela censura, mas acabou por ser autorizada e publicada na edição de 10 de Agosto, sob o título “Julgo que deveriam discutir-se livremente certos aspectos fundamentais da política geral, a evolução da vida económica e os problemas ultramarinos”.
Nas suas declarações, o marechal vai bastante mais longe que no prefácio que escrevera para um livro de Homem de Mello e defende “uma evolução gradual do regime”, com “a abolição da censura” e o respeito pela “livre informação”, o que, na boca de um ex-presidente, é um desafio e uma heresia. “Como complemento lógico”, reclama “a liberdade de discussão e de expressão”. No campo económico, critica a recente integração no espaço EFTA, “quando todos sabem que os principais interesses do nosso comércio externo se situam na zona do Mercado Comum”.
Quanto às colónias, o ex-presidente, profundo conhecedor de Angola e Moçambique, sentencia: “Não soubemos aproveitar as oportunidades para estabelecer a evolução gradual que está na tradição da nossa administração ultramarina”. E numa alusão à cegueira e à rigidez de Salazar, afirma que há que reconhecer “com coragem e com senso as realidades da hora presente, por mais duras e dolorosas que sejam”. Uma crítica implícita mas inequívoca à guerra como solução para o problema africano.
A entrevista – a única que concedeu desde a saída de Belém – foi uma demarcação pública e formal em relação à ditadura. Não admira, pois, o seu impacto internacional – nas chancelarias e na imprensa. Sintomática foi a notícia do Jornal do Brasil, que titulou na primeira página da edição de 12 de Agosto: “Craveiro pede mais liberdade em Portugal”.
A resposta de Salazar: o enxovalho pessoal ao marechal
Ao tempo em que Craveiro Lopes fez as bombásticas declarações ao Diário de Lisboa já a PIDE investigava uma informação que lhe chegara sobre um alegado romance do marechal. Tratar-se-ia de uma senhora casada, de ascendência espanhola, bastante mais nova, bela e distinta, Elizabeth Humanes Dias.
Viúvo há cinco anos, vivendo sozinho no seu apartamento na Rua Sinel de Cordes, apreciador da companhia feminina, ignora-se como Craveiro Lopes se travou de
amores com Elizabeth, o que é indiscutível é a PIDE ter tomado conhecimento do romance e iniciado um processo de “agressão moral” a Craveiro Lopes
Craveiro Lopes
Foram tranquilos, quase apagados, os sete anos do mandato presidencial do general Craveiro Lopes. No final, porém, ele surpreendeu todos ao entrar em ruptura afectiva e política com Salazar.
Liberto do dever de lealdade para com Salazar, que se impusera a si mesmo durante os sete anos de chefia do Estado, Craveiro Lopes estreitou relações com sectores militares mais descontentes com o curso do regime, a ponto de se comprometer na tentativa de golpe de Estado, de Abril de 1961, liderada pelo ministro da Defesa, general Botelho Moniz.
A intervenção no golpe Botelho Moniz: voltaria a ser presidente
São conhecidos os pormenores da intentona e as razões que ditaram o seu fracasso.
Planeada para 13 de Abril de 1961, os líderes golpistas reuniram-se, ao princípio da tarde, no EMFGA, no Palácio da Cova da Moura – Botelho Moniz, Costa Gomes, o ministro do Exército, coronel Almeida Fernandes, e muitas outras chefias militares.
Craveiro Lopes compareceu à civil, levando consigo uma mala, onde transportava a farda de marechal e um revólver. Salazar antecipou-se e demitiu os revoltosos dos seus postos no Governo e nas Forças Armadas. Assumiu ele próprio a pasta da Defesa e, a meio da tarde, numa manobra política, falou ao país, na rádio e televisão, sobre Angola, onde a guerra rebentara havia dois meses.
Foi o famoso discurso em que anunciou a ida da tropa para Angola, “rapidamente e em força”. E foi com Angola que justificou a remodelação governamental e a alteração de várias chefias militares. Nos dias imediatos correu o boato da prisão de Craveiro Lopes e de Botelho Moniz, o que Salazar não teve a coragem de fazer.
Viagem a Angola e encontro com Spínola
Ao deixar o Palácio de Belém, e apesar da promoção a marechal, passou a ser alvo de atenta vigilância por parte da PIDE e da Legião Portuguesa. Crescentemente crítico da política de Salazar, e já depois de ter participado na tentativa de golpe de Estado de Botelho Moniz, em Abril de 1961, prefaciou, em 1962, um controverso livro de Manuel José Homem de Mello.
Antes da entrevista ao Diário de Lisboa, ainda em 1962, Craveiro Lopes viajou para Angola, para visitar o seu filho que estava em comissão de serviço.
Encontrou-se aí com vários militares, entre os quais o então tenente-coronel Spínola, comandante de um Batalhão de Cavalaria em operações no Norte de Angola. O pretexto foi a tradicional solidariedade e boa camaradagem entre militares de Cavalaria, arma de origem de Craveiro Lopes.
A devassa da vida íntima de Craveiro Lopes: os métodos do regime
O regime de Salazar não tinha estofo político e moral para suportar um dissidente com o perfil, a dimensão e o prestígio do ex-presidente. Sem olhar a meios para atingir os seus fins, a ditadura recorreu à chantagem mais baixa para o silenciar. Fortemente pressionado e incomodado, o ex-presidente acabou por morrer de ataque cardíaco, menos de um ano depois.
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