Por Josep Sánchez Cervelló
Pós-guerra
Terminada a II Guerra Mundial, os representantes dos Estados Unidos da América, da União Soviética e da Grã-Bretanha, que já se tinham reunido em Yalta em Fevereiro de 1945, voltaram a encontrar-se em Potsdam (Julho – Agosto) para estabelecerem o desarmamento, o desmantelamento do nazismo, o controlo da economia alemã e a delimitação das suas novas fronteiras, ficando a União Soviética com Könisgsberg e o Norte da Prússia Oriental, e sendo transferidos para a Polónia os territórios a Este dos rios Oder-Neisse. Para além disso, a Alemanha teve de acolher a população germânica da Europa Oriental. Os vencedores resolveram também criar um governo representativo na Polónia e iniciar a evacuação do Irão, que sovié- ticos e britânicos ocupavam desde 1941, pelo facto de Reza Pahlevi ter alinhado com as potências do Eixo.
A Conferência de São Francisco (Abril de 1945) estabeleceu os princípios de funcionamento da ONU. A sua filosofia concretizou-se na sua Carta, de 26 de Junho, em cujo primeiro artigo se afirmava que o objectivo da organização era manter a paz e a segurança internacionais, desenvolver relações de amizade entre os povos, fomentar a cooperação entre nações e impulsionar os direitos humanos. A ONU desempenhou um papel chave nessa época, já que permitiu que as divergências se discutissem na Assembleia Geral, perante a opinião pública mundial, o que favoreceu as independências do Terceiro Mundo e ajudou a mitigar o abuso dos países grandes sobre os pequenos.
Guerra Fria
O desacordo entre os vencedores da II Guerra Mundial conduziu à Guerra Fria, anunciada por W. Churchill em Fulton (Missouri) em Março de 1946, quando afirmou que do Báltico ao Mediterrâneo se tinha instalado uma cortina de ferro, mostrando a total incompatibilidade entre os sistemas capitalista e comunista. A partir de então, os americanos implementaram a “Doutrina Truman”, destinada a apoiar os países que estivessem em perigo de cair em mãos comunistas. Paralelamente às medidas militares, o secretário de Estado George Marshall propôs a reconstrução económica da Europa (1947), para que Moscovo não se aproveitasse da fome e do mal-estar resultantes da destruição bélica e aumentasse as suas áreas de influência. O confronto bipolar teve diversos cenários, sendo um dos mais importantes a Indochina onde, em 1946, ocorreu a sublevação contra os franceses pelas guerrilhas comunistas do Vietmin, que se reforçaram depois da vitória de Mao.
Ze Dong na China em 1949. A França viu-se obrigada a retirar (Acordos de Genebra de Julho de 1954). O conflito recrudesceu em 1956 entre o Vietname do Norte e o Vietname do Sul apoiados, respectivamente, pela URSS e pelos Estados Unidos da América.
Outro importante episódio da Guerra Fria foi o conflito da Coreia, iniciado em 25 de Junho de 1950, quando tropas da Coreia do Norte cruzaram o paralelo 38 e invadiram a Coreia do Sul, com a intenção de unificar o país pela força. O conflito durou até que foi assinada a paz de Panmunjon, em Junho de 1953, que consagrou a actual divisão do país.
Também o conflito israelo-árabe deriva do pós-guerra mundial, estendendo-se os seus efeitos até à actualidade. As suas origens mais próximas remontam a 15 de Maio de 1948, quando foi proclamado o Estado de Israel e se iniciou a primeira guerra israelo-árabe (Maio de 1948 – Janeiro de 1949), que provocou o êxodo de milhares de palestinianos e a consolidação do Estado hebraico. A segunda confrontação iniciou-se quando o presidente egípcio Nasser nacionalizou o canal de Suez (Julho de 1956). Nessa altura, Londres e Paris, com interesses no Canal, e de acordo com Telavive, organizaram uma ofensiva conjunta contra o Sinai e Suez (Outubro). Mas a pressão da ONU, da URSS e dos Estados Unidos obrigou-os à retirada.
Na altura da agressão ao Egipto ocorreu a insurreição húngara contra a presença soviética no país (Outubro–Novembro de 1956). Era o fim do desmantelamento do estalinismo, que se tinha iniciado depois da morte do ditador Iosiv Stalin em 1953. A mudança de orientação tornou-se evidente durante o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (Fevereiro de 1956), durante o qual Nikita Krutchov denunciou os crimes do seu antecessor e o culto à sua personalidade, propondo a aproximação ao Ocidente. Mas a repressão húngara provocou um recrudescimento da Guerra Fria, o que teria especiais repercussões nos processos de descolonização que se iniciavam.
A descolonização
Em Outubro de 1945, os afro-americanos William du Bois e George Padmore organizaram o V Congresso Pan-Africano, em Manchester, ajudados por Kwame Nkrumah. A resolução mais importante que adoptaram foi a de que se aplicasse a Carta da ONU às colónias. Embora neste congresso não tenha havido representação nem da África francófona nem da lusófona, as suas resoluções chegaram a alguns círculos africanos de expressão portuguesa, em especial a do reconhecimento do artigo 73º da Carta das Nações Unidas que estabelecia a evolução gradual dos territórios não-autónomos, até ao governo próprio.
Também se repercutiram poderosamente no continente negro a independência da Índia e as ideias de Ghandi, muito mais do que as metrópoles eram capazes de vislumbrar. No Próximo Oriente, as independências dos territórios sob man datos franceses, em 1945, e da Transjordânia britânica, em 1946, assinalaram o caminho que, no ano seguinte, iriam percorrer o Paquistão, a Índia e Ceilão. Também a figura de Nkrumah, que conduziu o Gana à independência em Março de 1947, teve impacto entre as elites africanas ao sul do Sahara. Posteriormente, também teve influência a derrota francesa em Dien Bien Phu (7 de Maio de 1954), o início da sublevação argelina (1 de Novembro do mesmo ano) e as independências de Marrocos e da Tunísia (Março de 1956).
Os fracassos franceses estiveram por detrás da aprovação, em 1956, da Lei Deffere, conhecida como Lei-Quadro, que estabelecia um aumento do autogoverno. Dois anos mais tarde, De Gaulle promulgou uma nova Constituição, criando a Comunidade Francesa que devia ser integrada pela Metrópole e pelas colónias. Mas, devido à oposição do presidente Sékou Touré da Guiné-Conacri, país que alcançou a independência em 1958, o projecto fracassou.
A independência da Guiné-Conacri teve grande importância para as colónias portuguesas, já que era o primeiro país que tinha fronteira com uma delas, a Guiné-Bissau, e ali se estabeleceram o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e o Partido Africano para a Independência (PAI) em 1960. O quebra-cabeças de Portugal aumentou ainda mais com as independências do Senegal, em Abril, também com fronteira com a Guiné e do ex-Congo Belga, em Junho, que era limítrofe de Angola. O presidente do Senegal, receando a atitude pró-soviética do seu homónimo Touré procurou, inicialmente, pressionar pacificamente Portugal.
O Congo
Mas não foi essa a postura do presidente congolês de origem bacongo, Joseph Kasavubu, que sempre apostou na independência de Angola. Para além de sentir simpatia pelos bacongos angolanos designou como primeiro-ministro o radical Patrice Lumumba, o que fez aumentar a tensão das relações com a ex-Metrópole, enquanto o país se desintegrava, ao amotinar-se a força pública congolesa contra os oficiais brancos e contra o Exército belga, encarregado de supervisionar o período constituinte. Nesta altura estalaram choques intertribais e brutalidades contra os europeus, razão que os levou a abandonar precipitadamente o país, criando um vazio de poder, que foi aproveitado pelo líder catanguês Moisés Tchombé para declarar a independência da província cuprífera do Catanga (11 de Julho). Enquanto isso, Albert Kalonji fazia o mesmo (9 de Agosto) na província diamantífera do Kasai.
O Governo central exigiu a retirada das tropas belgas enquanto solicitava ajuda à ONU. Entretanto, Portugal permitia o recrutamento de mercenários em Angola e o apoio às forças rebeldes de Tchombé. No início de Setembro, o presidente da República destituiu Lumumba, mas a caótica situação obrigou o Exército a intervir, à frente do qual se encontrava o coronel Mobutu, que expulsou todos os técnicos comunistas do país. Lumumba acabou por ser detido e justiçado pelas forças catanguesas.
Contudo, neste Congo instável, mas independente, encontraram refúgio as organizações emancipalistas antiportuguesas.
Outro país com o qual Portugal se confrontou foi o Daomé, por causa da fortaleza de São João Baptista de Ajudá, que tinha sido construída pelos portugueses em 1471, e que tinha menos de 1 km2 de superfície. Quando esse país se tornou independente da França (Agosto de 1960) pediu a Portugal a devolução do enclave, pedido que reiterou na ONU, em Dezembro do mesmo ano, sem que Portugal o tomasse em consideração. Em 1 de Agosto de 1961, na comemoração do 1º aniversário da independência, o Daomé viria a ocupar a fortaleza.
A Índia
Contudo, o maior quebra-cabeças do regime foi o chamado Estado Português da Índia. Já em Setembro de 1946, Salazar, em resposta a declarações de Jawaharlal Nehru, em que este reivindicava a soberania indiana, alertava para a necessidade de Portugal estar preparado para não abandonar o território. Esta posição chocava frontalmente com a postura da União Indiana, que, desde Janeiro de 1953, pediu para negociar com Portugal a transferência de soberania. Perante a obstinação da ditadura, em 31 de Dezembro Nova Deli encerrou a sua embaixada em Lisboa e bloqueou as exportações de Goa, Damão e Diu, tentando que, por métodos pacíficos, Portugal se dispusesse a negociar. Em Julho de 1954, a União Indiana ocupou Dadrá e Nagar-Aveli, que eram duas pequenas dependências de Damão. De Julho de 1954 até Setembro de 1955 houve contínuos conflitos na fronteira, entre as forças da ordem portuguesas e os satya-grahas (civis desarmados que queriam ocupar pacificamente o território). A intervenção do Exército português provocou um número indeterminado de vítimas; só em 15 de Agosto de 1955, houve 12 mortos e 38 feridos, enquanto no interior dos territórios se deram centenas de detenções de simpatizantes da causa indiana, obrigando a utilizar prisões especiais em Goa, como o manicómio de Pangim.
A repressão deu alento às organizações emancipalistas que foram surgindo nos inícios dos anos 50, sendo a mais importante o Congresso Nacional, de tendência socialista. De uma sua cisão surgiu o Partido do Povo Goês, comunista e liderado por Divakar Kakodhar e Jorge Vaz, e o Conselho de Libertação Goês, de carácter católico, fundado em Bombaim em Agosto de 1954 e encabeçado por A. Soares. Para além disso, foram criadas outras organizações no estrangeiro que procuraram sensibilizar a opinião pública mundial para o colonialismo português e que colaboraram na sua denúncia junto aos outros movimentos de libertação lusófonos. Os mais destacados foram o Goan Lage e o Goan Political Convention. O representante mais significativo do primeiro foi Aquino de Bragança e, do segundo, João Cabral.
Portugal levou o caso da ocupação de Dadrá e Nagar-Aveli ao Tribunal Inter- nacional de Haia, que ditou uma sentença ambivalente, em Abril de 1960. De facto, ao mesmo tempo que reconhecia que Portugal tinha direito de passagem de pessoas e mercadorias, negava o trânsito de tropas. Apesar disso, o regime apresentou-a como favorável à sua causa, escondendo que o diferendo, em vez de terminar, se tinha enquistado.
Timor
Também neste período houve graves desordens em Timor-Leste. A colónia tinha sido ocupada pelo Japão durante a II Guerra Mundial. Concluído o conflito, Portugal retomou o seu controlo em 27 de Setembro de 1945. Dois factos tiveram influência no pós-guerra timorense: os problemas derivados da ocupação japonesa e os relacionados com a independência da Indonésia. O desmantelamento da presença nipónica teve em conta os que tinham defendido a soberania portuguesa, beneficiando-os na distribuição de terras realizada pelo Governo de Lisboa, mas, como esta não foi efectuada com equidade, acabou por provocar um profundo mal-estar entre os que se consideraram prejudicados. Também várias centenas de colaboracionistas foram encarcerados e deportados para a ilha de Ataúro. Por isso a independência da Indonésia (em Dezembro de 1949) foi saudada pelos prejudicados durante o processo de desmantelamento da presença do Japão e por alguns islamizados que desejavam a integração de Timor-Leste no novo país, sentimento que foi reforçado pela Conferência de Bandung. Todos estes factores, juntamente com a influência que teve na colónia a “permesta” (movimento secessionista que teve o seu epicentro nas Molucas do Sul), acabaram por se concentrar na Revolta de Viqueque, iniciada em 7 de Junho de 1959. Este acontecimento teve componentes tribais, anticolo- niais e a participação de oficiais indonésios, que eram financiados pelos Estados Unidos, contrários ao Governo pró-comunista de Ahmed Sukarno e que pretendiam fazer de Timor-Leste uma base de operações, com a cola- boração de Portugal, que permitisse que estes oficiais se estabelecessem em Uato-Lari, lugar onde começou a revolta. Ali, os nativos assaltaram os postos administrativos de Uato-Lari e Uato-Carbau. Os atacantes não causaram vítimas, mas as autoridades portuguesas desencadearam uma feroz repressão e, com a colaboração do Exército e de paramilitares, destruíram algumas aldeias indígenas e executaram os seus habitantes. Os números da repressão, segundo vários autores australianos, oscilaram entre os 500 e os 1000 mortos. Para além disso, umas cinquenta pessoas consideradas como responsáveis do movimento foram presas e encarceradas durante 70 dias numa barcaça ancorada em Díli, ficando submetidas a um rigoroso sol dos trópicos para, finalmente, serem deportadas para Angola. Para impedir a repetição de factos similares foi enviada para esta colónia uma delegação da PIDE de Angola.
O Terceiro Mundo
A superpotência que mais simpatias despertou no Terceiro Mundo foi a URSS porque, para além do prestígio de ter derrotado o nazismo, tinha o atractivo de dispor de um modelo político e económico alternativo ao capita- lismo que, aparentemente, permitia passar directamente do pré-capitalismo a uma sociedade plenamente industrializada. Para além disso, formalmente, a URSS apoiou sem reservas a descolonização, em contraponto com o que fizeram os Estados Unidos, que foram mais pragmáticos e estiveram mais dependentes dos seus interesses a curto prazo do que de uma visão global do processo. Por isso, muitos representantes de territórios coloniais ou países recém-independentes se aproximaram de Moscovo. Para além disso, também se apoiaram na ONU, na Liga Árabe, criada em 1945, e no Movimento dos países afro-asiáticos, surgido na reunião de Nova Deli em 1947, organizada por Jawaharlal Nehru, com representantes de 28 países, 12 dos quais tinham participado na fundação da ONU, e que pretendia encontrar uma política equidistante dos blocos e conseguir a redenção do Terceiro Mundo.
Em 1954 reuniram-se em Colombo os chefes de Estado do Sri Lanka, do Paquistão, da Indonésia, da Índia e da Birmânia, para condenar o colonialismo e preparar uma cimeira afro-asiática que acabaria por se realizar em Abril de 1955 em Bandung, com a presença de 29 países de ambos os continentes, em representação de 1350 milhões de habitantes. A cimeira escolheu a via da neutralidade face a soviéticos e americanos, a luta contra o colonialismo e a segregação racial e o apoio, para além de tudo, às reivindicações independentistas de argelinos, de tunisinos, de marroquinos e dos árabes contra Israel.
A correlação de forças dos países emancipalistas na ONU foi fortalecida, em
1960, com a integração de 17 novos países africanos e asiáticos. Desta maneira, o Terceiro Mundo, cujos aliados eram maioritariamente os países comunistas, passou a ter maioria na Assembleia Geral e atacou a política colonial portuguesa.
O regime português e a Oposição
O Governo português saiu profundamente debilitado da II Guerra Mundial pela natureza e características do seu regime, que tinha inegáveis concomitâncias com os derrotados. Contudo, apesar da guerra, a ditadura salazarista manobrou para não ficar encurralada. Assim, em Agosto de 1943, tinha já concedido aos Aliados facilidades sem restrições no porto da Horta e à Grã- Bretanha, em concreto, a utilização sem limites do aeroporto das Lajes, nos Açores, concessão que foi ampliada em Novembro de 1944 aos americanos. Em paralelo à aproximação aos Aliados, a ditadura suavizou ou maquilhou, segundo os casos, a sua brutalidade repressiva. Assim, desde Junho desse ano, melhoraram as condições dos presos do Tarrafal, especialmente com a chegada, em Janeiro de 1945, do novo director, o capitão David Prates da Silva.
O Governo de Lisboa, para calar a crescente contestação social e para conseguir apoios fundamentais que lhe permitissem superar a crítica do pós-guerra, aumentou, em Fevereiro de 1945, em 15%, os salários dos funcionários civis e dos militares. Contudo, a mobilização dos trabalhadores continuou intensa naquele ano, como vinha sendo desde Outubro de 1942. Assim, em Abril houve greves e protestos em diversas zonas do país contra o aumento dos preços e a escassez de alimentos.
Mas o maior desafio para o regime ocorreu nos dias 7 e 8 de Maio, quando milhares de pessoas celebraram a vitória aliada com manifestações em Lisboa, Porto, Alenquer, Évora, Santarém, Almeirim, Seixal, Alhos Vedros, Setúbal, Cova da Piedade, Barreiro, Almada, etc. Esta ampla contestação colheu de surpresa o regime, tornando-se visível o inequívoco distancia- mento do Estado Novo em relação às classes médias que antes o tinham apoiado e que nessa altura, cansadas do autoritarismo, esperavam a sua substituição.
A oposição ao Estado Novo foi sempre civil e militar. De facto, os civis (socialistas, comunistas, sectores republicanos e a Maçonaria) conspiraram com os sectores militares liberais debaixo da liderança do general Norton de Matos e do comandante Mendes Cabeçadas. A sua primeira intervenção significativa deu-se em Janeiro de 1945 quando tentaram, sem êxito, que o presidente da República, Óscar Carmona, destituísse Salazar. Contudo, o desprestígio do regime, depois da vitória aliada, e o cansaço das Forças Armadas pela atitude desconsiderada e arbitrária do ministro da Guerra, capitão Santos Costa, fizeram com que, entre Agosto e Outubro, se tentasse um pustch militar que também não teve êxito.
Perante o crescente mal-estar da Oposição, Salazar, em 7 de Maio, prometeu realizar uma consulta eleitoral, respeitar as liberdades políticas e autorizar a propaganda da Oposição. Em 7 de Setembro, tendo em vista estas futuras eleições e para assegurar o controlo social, a ditadura aprovou uma revisão constitucional que procurava converter o Executivo num órgão legislativo por antonomásia, em detrimento da futura Assembleia Nacional. Para isso, em 22 desse mesmo mês, foi modificada a Lei Eleitoral, passando o país a estruturar-se em várias circunscrições eleitorais em lugar da única vigente. Contudo, manteve-se o mecanismo de outorgar à lista mais votada de cada distrito a totalidade dos lugares, prevenindo o caso de ocorrer alguma vitória da Oposição, extremo que nunca ocorreu porque os escrutínios durante o Estado Novo sempre foram manipulados.
Também foi reformado o Código Penal e, no papel, instituiu-se o Habeas Corpus e concedeu-se amnistia e indulto para os crimes políticos, excluindo os de rebelião armada ou terrorismo. Para além disso, a actividade da oposição, julgada até então pelo foro militar, passou à jurisdição civil, ao mesmo tempo que a polícia política foi reorganizada e rebaptizada como PIDE, com a suposta pretensão de acabar com certas arbitrariedades, mas pouco se alterou.
Esta bateria de medidas legais e reformistas pretendia passar o “teste” democrático ante a Grã-Bretanha e os Estados Unidos da América, funda- mentalmente. Para o regime era imprescindível autorizar o aparecimento da Oposição e demonstrar que o regime permitia a existência de pluralismo político.
Em 6 de Outubro, Salazar dissolveu a Assembleia Nacional e anunciou eleições legislativas para 18 de Novembro. Os sectores democráticos até então perseguidos puderam reunir-se legalmente. Em 8 de Outubro, no Centro Republicano Almirante Reis, de Lisboa, cerca de 200 pessoas constituíram o Movimento de Unidade Democrática (MUD). Os seus dirigentes colocaram uma série de exigências preliminares ao escrutínio eleitoral: liberdades políticas, legalização dos partidos, realização de um novo recenseamento eleitoral, já que o vigente só incluía 12% da população metropolitana, fiscalização das votações, etc. Como estas exigências não foram atendidas, o MUD desistiu de ir às urnas, obtendo a União Nacional, o partido único da ditadura, a totalidade dos 120 lugares na Assembleia Nacional.
Para além desta oposição interna, o ex-presidente do Governo e presidente da União Patriótica e Democrática Portuguesa, José Domingues dos Santos, e seus correligionários, que estavam em França, solicitaram que o Governo britânico e o Governo francês exercessem a sua influência para acabar com o Estado Novo. Iguais petições foram dirigidas pelo Grande Oriente Lusitano ao presidente norte-americano Harry S. Truman e por Jaime Cortesão, a partir do Brasil, à ONU. Nenhuma seria atendida.
Entretanto, a situação interna em Portugal era de autêntica crise social, com racionamento dos produtos de primeira necessidade e com um aumento constante dos preços, o que provocou numerosas greves e actos de pro- testo. Somou-se a isto também o mal-estar político, que o monopólio eleitoral da ditadura não pôde extinguir.
Neste pano de fundo emergiu o fracassado golpe da Mealhada. Nesta localidade, no dia 10 de Outubro de 1946, rendeu-se a coluna militar do Regi- mento de Cavalaria nº 6 do Porto, comandada pelo capitão Fernando Queiroga, quando este verificou que os outros comprometidos não se tinham sublevado. Contudo, estes acabaram por preparar um novo levantamento em Abril do ano seguinte, embora, de novo, tenha sido neutralizado pelo Governo, sendo detidos quatro generais, um almirante, diversos oficiais de menor graduação e vários civis. Durante o julgamento (Junho de 1948) ficou provado que os golpistas tinham sido recebidos pelo presidente da República, o que revelava o distanciamento que já existia entre este e Salazar.
O regime português e o Ocidente
Com o início da Guerra Fria, o mal-estar interno seria ultrapassado, com o apoio de Salazar ao bloco ocidental, o que lhe permitiu apresentar-se como aliado contra o comunismo e reforçar a sua aliança com os Estados Unidos. Para isso, prolongou as facilidades militares que esse país tinha nos Açores (Fevereiro de 1948) e em reciprocidade Portugal foi incluído no Plano Marshall (Janeiro 1950), vencendo as resistências que tinham existido até então. Também foi permitida a entrada de Portugal na NATO (Abril de 1949), na ONU (Dezembro de 1955) e na EFTA (Janeiro de 1960).
Fruto desta aceitação internacional do salazarismo foram as visitas a Lisboa dos secretários-gerais da NATO (Janeiro de 1951 e Março de 1957), do vice- presidente do Brasil (Setembro de 1951), do primeiro-ministro da Irlanda (Setembro de 1953), do chefe do Executivo da Grécia (Outubro de 1954) e dos presidentes do Brasil (Abril de 1955 e Agosto de 1960). A partir de 1957 estiveram na capital portuguesa a rainha da Grã-Bretanha (Fevereiro), o ministro da Defesa holandês (Setembro), o presidente do Paquistão (Novembro), o presidente da Indonésia (Maio de 1959 e Maio de 1960), o imperador da Etiópia e o primeiro-ministro de Marrocos (Julho de 1959). Em 1960 chegaram o secretário-geral da ONU e o ministro da Defesa da RFA (Janeiro), o presidente do Peru (Março), o presidente dos Estados Unidos e as delegações dos países membros da EFTA (Maio), os reis do Nepal (Junho) e da Tailândia (Agosto), e os ministros da Defesa da França e da Economia da África do Sul (Outubro).
Esta abertura de Portugal ao mundo não foi acompanhada por uma modificação do sistema político, que manteve a repressão como garantia de obediência social e de funcionamento do sistema. Assim, a PIDE foi reorganizada em Agosto de 1954, conseguindo maiores poderes ao ser aumentado o período de detenção sem controlo judicial, passando de 180 a 360 dias, e com a possibilidade de o alargar arbitrariamente com as chamadas “medi- das de segurança”. Esta situação de desprotecção agravou-se em Março de 1956, quando foi decretado que as detenções podiam realizar-se por períodos de três anos, sempre que se considerasse o réu potencialmente perigoso, o que na prática, e sobretudo nas colónias, conduziu a detenções longuíssimas. Para além disso, aproveitando a onda de anticomunismo, o regime orientou a repressão para o Partido Comunista Português e para os seus aliados, enquanto a perseguição contra a oposição liberal passou a ser feita com menor brutalidade. O diferente grau de repressão dividiu ainda mais o movimento anti-salazarista, que se polarizou entre pró-atlantista e pró-comunista, concedendo assim ao regime um período de tranquilidade desde o início da Guerra Fria até 1958, quando se realizaram eleições presidenciais.
Humberto Delgado
No escrutínio de 1958 enfrentaram-se o almirante Américo Tomás e o general da Força Aérea Humberto Delgado. O primeiro tinha sido catapultado pelo sector ultra da ditadura, impedindo assim a recandidatura do general Craveiro Lopes, que actuava demasiado independentemente do presidente do Conselho. A sua não recandidatura abriu uma grave crise no seio das Forças Armadas, para o que contribuiu também a Oposição, ao apresentar o general Delgado. Este, numa campanha populista, desinibida e moderna, pôs a nu todas as vergonhas do Estado Novo, que, por sua vez, se viu impelido a manipular, mais descaradamente que o habitual, o resultado eleitoral (Junho de 1958) e, para que não voltasse a ocorrer um desafio semelhante, a modificar a Constituição, estabelecendo que as futuras eleições presidenciais se fariam de forma indirecta, mediante um colégio eleitoral de salazaristas (Agosto de 1959).
A ressaca da campanha de Humberto Delgado afectou também uma parte da Igreja Católica. Assim, em Maio de 1958, 28 destacados católicos demarcaram-se do apoio que a Igreja dava à ditadura e em Junho, depois da fraudulenta contagem eleitoral, o bispo do Porto, D. Antônio Ferreira Gomes, denunciou duramente a ditadura, o que lhe valeu o exílio um ano depois. Também cresceu a oposição no seio das Forças Armadas, agrupando-se os partidários dos generais Craveiro Lopes e Humberto Delgado. Por detrás do mal-estar militar esconderam-se, como sempre, a totalidade dos grupos oposicionistas, que juntos tentaram realizar um novo pustch militar. Conhecido como o Golpe da Sé, acabou por ser abortado em 11 de Março de 1959, com a detenção de nove militares e 22 civis.
A questão colonial
Quando Portugal entrou na ONU foi-lhe perguntado, como a todos os países, se administrava territórios não-autónomos. Em Novembro de 1956, o Governo português respondeu negativamente, escudando-se no texto constitucional. Reconhecendo implicitamente os problemas que acarretaria a sua postura de não sair de África, o salazarismo fez uma revisão constitucional (Junho de 1951) que, formalmente, extinguiu o “Império Português” e fez nascer as províncias ultramarinas. A argúcia jurídica não serviu para nada já que, em 15 de Dezembro de 1960, a Assembleia Geral, mediante a resolução 1542, estabeleceu que as províncias ultramarinas eram territórios não-autónomos, pelo que Portugal tinha a obrigação de informar sobre eles, sendo instado a trabalhar conjuntamente com a comissão encarregada do processo descolonizador. Começou então uma acesa disputa entre o Governo português e a maioria das nações representadas na ONU. Foi a partir daqui que a ditadura passou a utilizar a questão colonial como factor de coesão nacional, e a Oposição, praticamente sem fissuras, não se atreveu a demarcar-se, numas alturas porque estava de acordo e em outras para não ser acusada de traição. O Partido Comunista foi a relativa excepção, quando em 1957, durante o seu V Congresso, pediu a independência imediata e completa para as colónias. Mesmo assim, manteve um duplo comportamento – um como partido e outro como força integrada no conjunto dos sectores oposicionistas, com os quais acordou programas que não reflectiam as suas posições anticoloniais.
A ditadura impediu, de facto, um debate livre sobre a chamada questão “ultra- marina”. Mas as contradições que o império gerou na Grã-Bretanha, Holanda ou França, apesar dos seus sistemas democráticos, evidenciaram o quanto era espinhosa esta questão, assim como os mitos que em torno dela se criaram nas sociedades ocidentais.
Boa parte da contestação anticolonial baseava-se no recrutamento obrigatório de mão-de-obra nativa através do denominado “contrato”, que obrigava ao trabalho para o Estado praticamente grátis ou para os europeus a preços baixos e em condições indignas. Em Janeiro de 1947, este sistema de prática esclavagista foi denunciado pelo deputado da Assembleia Nacional por Angola Henrique Galvão. As difíceis condições de vida acabavam em frequentes conflitos laborais. Nesse mesmo ano ocorreu uma greve no porto de Lourenço Marques e nas plantações vizinhas e, em 1948, houve novas desordens públicas na capital de Moçambique, com centenas de detidos, alguns dos quais foram deportados para São Tomé. Em 1950, o bispo da Beira (Moçambique), Soares Resende, denunciou a brutalidade com que eram tratados os nativos ao serem obrigados a cultivar determinados produtos por decreto, o que provocava a emigração em massa das populações, realçando que nas zonas onde se tinha introduzido a cultura obrigatória do algodão os camponeses passavam fome.
Batepá
Em 1952, o arcebispo de Luanda também denunciou ao Governo a perversidade do sistema de “contrato”. Mas o conflito que atingiu maior amplitude teve lugar em São Tomé e Príncipe e é conhecido como a matança de Batepá, ocorrida entre 2 e 8 de Fevereiro de 1953. As suas origens relacionam-se com o desejo do governador e dos donos das roças, com a colabo- ração significativa da Igreja Católica, de obrigar os nativos do arquipélago, que eram considerados assimilados, a trabalhar nas plantações de café ou cacau, num momento em que os preços nos mercados internacionais eram altos e a produção estava parada por falta de mão-de-obra. Para obviar a essa situação, o governador previu o estabelecimento no arquipélago de 2500 colonos de Cabo Verde. A reintrodução do “contrato” em São Tomé encontrou a férrea oposição dos “forros”, a pequena elite crioula da colónia que constituía o escalão mais baixo do funcionalismo local. O governador viu nesta atitude uma brutal ingratidão e desarmou os cem soldados são-tomenses, apoiando-se na guarnição de 80 militares de origem angolana, nos “contratados” de Angola e Moçambique, nos presos comuns que libertou do cárcere e, especialmente, nos colonos portugueses. Todos eles, seguindo as suas ordens, iniciaram uma verdadeira caça aos são-tomenses. As aldeias indígenas foram saqueadas e incendiadas, superando o número de vítimas mortais a meia centena. Houve, também, centenas de detidos que foram brutalmente torturados. O governador, tenente-coronel de Artilharia Carlos de Sousa Gorgulho, que governava a colónia desde 1945 e desejava acumular méritos para ocupar o mesmo posto em Angola, informou que tinha desbaratado uma ampla conspiração comunista dirigida pelo forro Salustiano Graça, um engenheiro dono de uma roça, que tinha contado com o apoio de outros dois proprietários portugueses, Virgílio Lima e Carlos Soares, opositores do Estado Novo e que, nas eleições de 1949, tinham votado no candidato oposicionista Norton de Matos. Em consequência desta informação, foi enviada uma companhia de caçadores indígenas de Angola, um reforço da PSP e uma secção da PIDE, sendo a primeira colónia em que esta polícia se instalou. Curiosamente, foi a investigação da polícia política que demonstrou as falsidades do governador, destituído em 17 de Abril sem que lhe fosse instaurado nenhum processo disciplinar e passando à situação de reserva em Dezembro de 1968, como general de brigada.
As notícias do massacre chegaram ao exterior graças a Salustino Graça, que pôde contactar com os seus familiares de Lisboa, os quais contrataram o advogado Manuel de Palma Carlos. Este, chegado a São Tomé, escolheu como secretária Alda Graça do Espírito Santo, professora e sobrinha do principal acusado. Ela encarregou-se de difundir o massacre que, contudo, continuou mal conhecido por causa do isolamento do arquipélago e da censura de imprensa salazarista. Apesar disso, já em Fevereiro de 1953, embora brevemente, a notícia saiu em periódicos internacionais, mas a sua máxima divulgação ocorreu na Conferência Pan-Africana de Tunes, em Dezembro de 1959. A matança de Batepá desempenhou um papel determinante na gestação do moderno movimento emancipalista de São Tomé.
Outro protesto menos dramático ocorreu em Junho de 1955 na localidade moçambicana de Pachanga, onde a população se insubordinou contra o chefe de posto pelos abusos que cometia. Foi dirigida pelo pastor protestante Kamba Simango, com o apoio do régulo da localidade e da Igreja Evangélica. As autoridades coloniais detiveram os três dirigentes acusando-os de serem os principais agitadores. A multidão exigiu a sua libertação, o que provocou uma confrontação que, para além de diversas detenções, conduziu Simango ao exílio.
Pidgiguiti
Em 1957 aconteceu outro diferendo, desta vez por questões salariais, entre a administração colonial e os marinheiros e estivadores do porto de Pidjiguiti (Bissau). A greve satisfez, em grande parte, as petições dos trabalhadores, sem repressão significativa nem vítimas.
Estimulados por este precedente, em 3 de Agosto de 1959 ocorreu outro conflito no porto de Bissau com idêntica finalidade que a anterior, desta vez impulsionado pelo Movimento de Libertação da Guiné (MLG), que tinha alguns dos seus dirigentes a trabalhar no porto, como César Mário Fernandes, e onde, para além disso, existia uma célula de apoiantes desta organização.
A greve foi considerada ilegal pela polícia que quis dispersá-la pela força. Perante a resistência dos trabalhadores, solicitou o apoio do Exército, tendo provocado um elevado número de vítimas. Mas, como sucede sempre nestes casos, a disparidade dos números é gritante. Assim, os nacionalistas mencionaram 50 mortos e dezenas de feridos, enquanto que o Governo português reconheceu apenas sete mortos e 17 feridos. Os factos, através do chefe da Estação Postal de Bissau, Fernando Fortes, ligado ao Partido Africano para a Independência (PAI), chegaram ao Congo Brazzaville, à Guiné-Conacri e ao Senegal, sendo difundidos pelas suas estações da rádio.
Mueda
Outra grande matança de população nativa que antecedeu o início da Guerra Colonial ocorreu na colónia de Moçambique, em Mueda, em 16 de Junho de 1960. Perante as péssimas condições de vida, os chefes macondes queixaram-se às autoridades coloniais. Os principais protestos provinham das dificuldades que tinham os camponeses para vender a um preço digno a sua produção e pelos obstáculos que eram colocados às suas cooperativas, pois temia-se que apoiassem a subversão. Para atalhar o mal-estar, as autoridades convocaram uma reunião em Mueda. Apareceram ali vários milhares de pessoas. Os chefes e os dirigentes camponeses tiveram uma longa reunião com o administrador da região, que acabou sem acordo. No final, a polícia quis deter os que considerou responsáveis pelo protesto, mas a multidão resolveu impedi-lo, amotinando-se, o que provocou uma brutal intervenção dos milita- res, que abriram fogo e provocaram um número elevado de vítimas. O massacre de Mueda, como aconteceu com Batepá e Pidjiguiti, deixou uma marca na luta de libertação. Estes conflitos, com provável excepção do de Pidjiguiti, não foram inspirados directamente por uma força política determinada, mas provocados pela própria brutalidade do sistema colonial.
Angola
Foi com este pano de fundo que se assistiu, nos anos 50, a um surto de organizações emancipalistas. Em Angola, uma das primeiras foi o Movimento para a Independência de Angola (MIA) criado em meados de 1952. Pertenciam ao movimento Ilídio Machado e André Franco de Sousa. O MIA manteve uma inter-relação com o Movimento de Libertação Nacional (MLN), fundado nessa época por uma elite branca, encabeçada pelo engenheiro Calazans Duarte e por Julieta Gandra, contando também com africanos, como Pedro Pacavira. Os dois movimentos acabaram por se fundir em Abril de 1959, dando lugar ao Movimento de Libertação Nacional de Angola (MLNA). Os seus integrantes eram pró-comunistas e tinham ligações ao PCP. Em 1958, surgiu o Movimento Nacional de Angola (MINA), impulsionado pelo médico José Bernardo Domingos. Era, de todas estas organizações, a que tinha maior implantação territorial fora de Luanda, com núcleos em Malange e no Uíge. Em Abril de 1960 era presidido por Agostinho Neto e integrava, entre outros, Aristides Van Dunem e Joaquim Bernardo.
Também em Novembro de 1955 tinha sido criado por António Jacinto, Viriato da Cruz e Ilídio Machado, o Partido Comunista de Angola (PCA), que tinha contactos com o PC do Brasil, através das companhias regula- res de navegação. Mas, dado o clima anticomunista existente, no ano seguinte decidiram criar uma frente de massas que aglutinasse todos os sectores nacionalistas, o Partido de Libertação e Unidade Angolana (PLUA). Estes grupos acabaram por convergir numa frente ampla, o MPLA,
fundado em 31 de Janeiro de 1960, depois da II Conferência dos Povos Africanos realizada em Tunes. De facto, como referiu Carlos Pacheco, é uma falsidade histórica estabelecer a fundação do MPLA em Dezembro de 1956, pois foi um rumor fabricado para lhe dar mais antiguidade que a UPA e, portanto, maior legitimidade. É evidente que o MPLA não existia antes de 1960, apesar das detenções efectuadas pela PIDE em Março, Maio e Junho de 1960, que afectaram especialmente o MIA e o MLN, embora também o MINA e outros grupos menores. Já as detenções de Junho de 1960 teriam afectado o MINA, mas não houve nenhum detido do MPLA. Contudo, a capilaridade destes movimentos, a dupla militância e as características da luta anticolonial, que requeriam mais a soma de esforços que a militância concreta, ajudam a entender a convergência do nacionalismo não étnico no MPLA a partir de 1960, já que parecia ser a única organização responsável, mediática e com dirigentes reputados na oposição ao tri- balismo e ao colonialismo.
Juntamente com estes grupos existia, em Luanda, o Exército de Libertação de Angola (ELA), integrado por Pedro Benge, Pascoal da Costa (“Luzerna”) e Joaquim Figueiredo, que mantinha contactos com a UPA. Também o cónego Manuel das Neves mantinha contactos semelhantes, tendo recebido dois emissários norte-americanos do American Comitee on Africa – Frank Monteiro e Paul Shearman – enviados por Holden Roberto depois de este receber uma carta enviada pelo cónego. Estabeleceu-se, assim, um sistema de ligação estruturado e permanente, para lutar pela emancipação do país.
As origens da UPA remontam ao diferendo pela sucessão ao trono do antigo reino do Congo, depois da morte de Pedro VII em Abril de 1956, cuja capital estava no distrito angolano do Zaire. Esboçaram-se duas linhas: uma impulsionada pelos portugueses e pela Igreja Católica, que pretendia eleger António III, e outra defendida por grupos protestantes residentes em Angola e no Congo Belga, que queriam Manuel Nekaka, mais independente. Ao ser designado o candidato português, a facção derrotada procurou ajuda no Congo Belga, onde foi desenhada uma estratégia que passava pela independência do ex-reino do Congo, nele incluindo Cabinda. Este grupo tinha formado em Leopoldville a União dos Povos do Norte de Angola (UPNA), em Maio de 1954, que agrupava só os povos bacongos. No mês seguinte, escreveram ao secretário-geral da ONU solicitando a independência do reino do Congo. Perante a hostilidade que levantavam as reclamações territoriais tri- balistas, em 1958 esta formação transformou-se na União dos Povos de Angola (UPA), que seria presidida por Holden Roberto e dirigida por assimilados protestantes.
Em paralelo com estes grupos, surgiram outros no Norte de Angola, influenciados pelos acontecimentos do Congo Belga, dada a permeabilidade da fronteira. Tiveram, a princípio, características messiânicas e uma base tribal. Destacou-se aquele que foi encabeçado por Simão Toco, que anunciou o fim da miséria e uma nova mensagem divina. Este pseudo-profeta, natural de Maquela do Zombo (Uíge), foi detido pelas autoridades portuguesas em 1949 e deportado para o Sul da colónia. As suas ideias espalharam-se entre os bacongos, emigrados no ex-Congo Belga, onde criaram a Aliança do Povo Zombo (ALIAZO) em 1956, que era uma espécie de sociedade de socorros mútuos.
Outro foco nacionalista desenvolveu-se no enclave de Cabinda. Em 1956 foi criada, em Brazzaville, a Associação de Indígenas do Enclave de Cabinda (AIEC), que pretendia a anexação de Cabinda ao Congo.
Posteriormente, em 1958 e em Leopoldville, foi criada a Associação dos Residentes no Enclave de Cabinda, dirigida por Luís Ranque Franque que, em 20 de Dezembro de 1960, se transformou no Movimento de Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC). O seu objectivo era conseguir a secessão de Angola e a sua independência. Nesta época também surgiu a Aliança do Maiombe, que inicialmente era mais cultural e recreativa do que política.
Guiné-Bissau
O moderno emancipalismo na Guiné-Bissau surgiu em 1954 quando um grupo destribalizado, dirigido por Amílcar Cabral, criou em Bissau a Associação Desportiva e Recreativa dos Africanos, que não foi legalizada. No ano seguinte, esse núcleo fundou o clandestino Movimento para a Independência Nacional da Guiné (MING), dirigido por José Francisco Gomes e Luís da Silva, com o beneplácito de Cabral, que era o seu principal fiador. O MING, que teve escassa actuação, foi o embrião do Partido Africano para a Independência (PAI), criado em Setembro de 1956 em Bissau. A sua direcção, para além de Cabral e do seu irmão Luís Cabral, era formada por Aristides Pereira e Júlio de Almeida, entre outros. A repressão levou os seus dirigentes ao exílio ou ao cárcere entre 1959 e 1960. Também deram vida, em 1958, ao sindicato União dos Trabalhadores Guineenses (UNTG), mas que não teve expressão formal até depois da independência.
Em 1958, em Bissau, surgiu outro grupo: o Movimento de Libertação da Guiné (MLG). Entre os seus fundadores havia membros que também eram do PAI mas que, nessa época, estavam desmobilizados, casos de Francisco José Gomes e Rafael Barbosa. Na sua constituição, como tinha sucedido em Angola, teve um papel destacado gente em torno do PCP, neste caso a farmacêutica desterrada Sofia Guerra. Esta organização esteve directamente relacionada com a greve de Pidjiguiti. Como parte dos seus integrantes pro- cediam do PAI e depois se identificaram com o PAIGC, este facto permitiu, como também aconteceu em Angola, que este partido reclamasse não só a sua participação nos acontecimentos de Agosto de 1959, como inclusiva- mente a sua direcção.
A principal divergência que tinha o MLG com o PAI era a questão cabo-verdiana pois, para os seus integrantes, os naturais desse arquipélago, que formavam a parte mais baixa dos escalões da administração colonial, eram co-participantes, juntamente com os portugueses, na dominação colonial. A partir da repressão subsequente ao massacre de Pidjiguiti, membros do MLG estabeleceram-se especialmente no Senegal, mas também na Guiné-Conacry. Ali, e sob a direcção de François Mendy, um ex-militar que esteve na Argélia, começou, desde inícios de 1960, a preparar a luta armada na Guiné- Bissau, contando com manjacos que tinham participado sob a bandeira francesa na II Guerra Mundial. Em paralelo a este movimento foi criada em Dacar, em 1959, a Frente de Libertação da Guiné (FLG), dirigida por Benjamin Pinto Bull, Ibraima Diallo e também contrária à pretensão da independência conjunta da Guiné e Cabo Verde.
Moçambique
Em Moçambique, a primeira organização nacionalista foi o núcleo de Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM), criado em 1949 como secção do Centro Associativo dos Negros de Moçambique, entidade que, por sua vez, se tinha constituído na década dos anos 30. O NESAM foi impulsionado por moçambicanos que tinham estudado na África do Sul. Entre eles Eduardo Mondlane, futuro presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), e os futuros primeiros-ministros Joaquim Chis- sano e Mário Machungo. O movimento emancipalista moçambicano formou-se entre os emigrantes que estavam na Tanzânia, Malawi e Zâmbia, países em que grupos étnicos moçambicanos tinham ramificações. Mais tarde, juntaram-se a estes grupos os exilados procedentes da pequena burguesia nativa das cidades do Sul, principalmente Lourenço Marques e Beira, que seriam os que viriam a dirigir o movimento. O primeiro partido foi a União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO), o mais destribalizado dos grupos que acabaram fundando a FRELIMO e o mais moderno ideologicamente. Tinha sido fundado em 1960 em Salisbúria. Os seus membros provinham maioritariamente das regiões de Manica-Sofala, Gaza e Maputo.
A Casa dos Estudantes do Império
O outro grande foco de difusão anticolonial teve as suas origens na própria Metrópole, através de um projecto da ditadura destinado a atrair as elites das colónias. Para isso, em finais de 1944, dado que não havia universidades em África, foi criada em Lisboa a Casa dos Estudantes do Império (CEI). Era uma instituição, resultante da colaboração do Ministério das Colónias com a Mocidade Portuguesa, que servia de residência aos alunos ultramarinos que estudavam na Metrópole. Em Fevereiro de 1945 e em Março de 1959, respectivamente, foram abertas delegações em Coimbra e Porto. A importância desta instituição foi fundamental na hora de criar relações entre os membros das diversas colónias, o que ajuda a entender o aspecto unitário e fraternal que tiveram, especialmente, as elites da Guiné-Cabo Verde, Moçambique e Angola educadas em Portugal. Pela CEI passaram, entre outros, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos, Alda Lara, Mário de Andrade, Amílcar Cabral, Noémia de Sousa, Carlos Ervedosa, Fernando Mourão, Arménio Ferreira, Lúcio Lara, Eduardo dos Santos, etc. A partir da CEI foi implementado também o Centro de Estudos Africanos (CEA), organizado em Lisboa, entre Outubro de 1951 e Abril de 1953, pelo santomense Francisco José Tenreiro, com o apoio de Mário de Andrade, Amílcar Cabral, Viriato da Cruz, Luandino Viera, Agostinho Neto, Vasco Cabral e Marcelino dos Santos, entre outros. Todos estes “assimilados” viriam a ter um papel dirigente na luta anticolonial com excepção, se se quiser, de Tenreiro, que foi deputado na Assembleia Nacional entre 1961 e 1965, embora para a reivindicação da africanidade tenha sido essencial tanto a sua praxis como a sua obra literária.
O objectivo do CEA era debater, em petit comité, os problemas que afectavam o continente negro, procurando encontrar alternativas de futuro. Desse círculo saiu também a criação do Clube Marítimo Africano, em Junho de 1954, do qual Agostinho Neto foi o principal organizador. Formalmente tratava-se de uma instituição desportiva, recreativa e cultural mas, na realidade, foi uma forma, organizada a partir de Lisboa, de criar uma ligação com as colónias, através dos empregados negros da Companhia Colonial de Navegação e da Companhia Nacional de Navegação. Foi por essa via que se difundiram os documentos gráficos da matança de Batepá e diversos textos elaborados no interior de Angola. A luta para derrotar o colonialismo português tinha, para essas elites, uma concepção global e por isso decidiram, também, a criação de um organismo unitário que agrupasse os nacionalistas de todas as colónias. Já em 1954, Agostinho Neto tinha constituído em Lisboa o Movimento Democrático das Colónias Portuguesas para debater, trocar informação e difundir a luta anticolonial. Nesta aventura intervieram, também, Mário de Andrade, Octávio Van Dunem, Humberto Machado, entre outros. As suas convicções revolucionárias e libertadoras cresceram em contacto com os sectores da Oposição democrática portuguesa, entre eles o MUD-Juvenil e o PCP, que era a força hegemónica do anti-salazarismo.
Movimento Anti-Colonial
O Movimento Democrático foi a semente do Movimento Anti-Colonial (MAC) criado na capital francesa, em Dezembro de 1957, pelos angolanos Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz, Lúcio Lara, o santomense Guilherme do Espírito Santo, o moçambicano Marcelino dos Santos e o cabo- verdiano Amílcar Cabral.
O MAC estruturou-se com dois suportes, um no estrangeiro com Lúcio Lara, Viriato da Cruz e Mário de Andrade e outro em Portugal dirigido por Amílcar Cabral e Agostinho Neto. O seu objectivo era ampliar a contestação internacional ao salazarismo e representar as colónias lusas nos círculos afro-asiáticos.
Com esse objectivo participaram em Janeiro de 1960 na II Conferência dos Povos Africanos em Túnes. Aqui, Frantz Fanon, conselheiro do Governo Provisório da Argélia, sugeriu aos delegados do MAC que abandonassem a pretensão de libertar as cinco colónias africanas a partir de um organismo colectivo e criassem organizações específicas para cada uma delas, mas sem deixarem de coordenar as suas acções. Assim foi o MAC sepultado e nasceu um novo organismo – a Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional (FRAIN) – em 28 de Janeiro desse ano, integrando-o o PAI da Guiné-Bissau e o MPLA recém-criado. Fanon pensava também que os dirigentes nacionalistas angolanos eram excessivamente elitistas e sem relação com as massas, por isso sugeriu que o MPLA se fundisse com a UPA, representada na Conferência por Holden Roberto, que esteve presente integrando a delegação do American Committee on Africa. O prestígio de Fanon fez com que, em 31 de Janeiro, todas as delegações das colónias portuguesas assinassem uma declaração comprometendo-se a coordenar esforços dentro da FRAIN. A concretização do acordo com Holden Roberto não foi conseguida, porque este pensava que os integrantes da FRAIN eram todos comunistas. Este cisma ideológico alargou-se não somente durante a luta pela independência mas também ao longo da guerra civil posterior. Para além disso, Holden Roberto partia como líder reconhecido pelas instituições afro-asiáticas, pois tinha participado já em Dezembro de 1957 na primeira Conferência do movimento, realizada no Cairo. Em Agosto de 1960, delegações do MPLA e do PAI visitaram a China, estabelecendo desde então canais privilegiados com os países do Oriente, o que dificultava indirectamente as relações com a UPA.
Medidas preventivas
As mobilizações dos nacionalistas africanos não passaram totalmente despercebidas ao poder colonial. Prevendo o desencadear da Guerra Colonial, Portugal tomou algumas medidas preventivas. Já em 1958 chegou a PIDE a Angola, e em Março do ano seguinte, o Estado-Maior do Exército enviou à Argélia o major Almiro Canelhas em missão de observação, e uma delegação de seis oficiais, dirigida pelo major Joaquim Pinheiro, para frequentar um curso de 40 dias de duração sobre “Pacificação e Contra-guerrilha”. Por seu lado, a Marinha, em Fevereiro de 1960, enviou a Angola diversas unidades para evitar desordens, enquanto a Força Aérea iniciou o seu desenvolvi- mento em Angola, em Novembro desse ano, com a instalação dos sete primeiros PV-2 em Luanda.
Também em Abril de 1960 foi criado o Centro de Operações Especiais em Lamego.
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