1970 - A ilusão das grandes operações

1970
Síntese militar

O comandante-chefe das Forças Armadas em Moçambique, general Kaúlza de Arriaga, contrariamente aos seus antecessores, acreditava que podia chegar à vitória mediante uma grande esforço ofensivo directo sobre as forças da FRELIMO. Com esse objectivo, lançou, em Julho-Agosto, no planalto dos Macondes (distrito de Cabo Delgado), a Operação Nó Górdio, complementada, posteriormente, com a Operação Fronteira, ao longo do rio Rovuma. Foi um período de intensa actividade operacional, com frequentes contactos e rebentamentos de minas. As forças portuguesas viram, então, subir o número de baixas em combate para valores nunca dantes atingidos, grande parte das quais devido ao accionamento de minas.

Por outro lado, o desgaste provocado pelas duas operações não se ficou pelas vidas humanas perdidas. Diversos recursos, desde os financeiros aos equipamentos, haviam sido consumidos em elevada quantidade, inviabilizando, nos tempos mais próximos, um esforço militar de envergadura semelhante.

Diversamente do que sucedia em operações convencionais, a conservação do terreno não fazia parte dos objectivos da guerrilha. Por essa razão, as forças da FRELIMO não tiveram qualquer relutância em buscar outras áreas, fora da zona de operações, para prosseguir a sua acção. Um objectivo apetecível era o grandioso empreendimento de Cahora Bassa, em Tete. Ainda as tropas portuguesas se encontravam empenhadas nas duas grandes operações em Cabo Delgado e já a actividade política e militar da FRELIMO se revelava preocupante em torno da barragem em construção.

 

Ferido em Moçambique durante uma operação. [AJM]

 

O empreendimento hidroeléctrico de Cahora Bassa cedo se revelou constituir, no plano militar, um autêntico tiro no pé. Implantado numa zona de guerra e a cerca de 600 quilómetros da Beira – porto de desembarque dos materiais – o estaleiro de construção da barragem transformou-se num factor de risco adicional, para o qual os meios disponíveis eram manifestamente exíguos. Para a FRELIMO, impedir a construção da barragem passou a ser, por razões de prestígio, a principal prioridade da sua actividade operacional. A concretização dessa opção foi precedida por uma acção política de aliciamento das populações da área, à qual se seguiram as operações contra as tropas portuguesas. Daí que os efectivos militares em torno da barragem não tenham cessado de crescer, chegando a atingir cerca de metade do total de tropas presentes em Moçambique (38 712 homens, só do Exército, no final do ano). Tete passava a ser a zona de Moçambique a merecer a prioridade de meios, militares e civis.

No capítulo dos efectivos, 1970 foi o único ano da guerra em que se registou, relativamente ao ano anterior, uma diminuição do número de tropas do Exército no conjunto dos três teatros de operações. De facto, passou-se dos 121 251, do final de 1969, para 120 720, um ano depois. Embora fosse uma quebra relativamente insignificante (-0,44%), ela reflectia, sobretudo, o facto do recrutamento na Metrópole ter atingido o seu limite, ficando, assim, sujeito às variações anuais dos valores dos jovens em idade militar. O recurso ao recrutamento local logrou manter o nível dos efectivos, obtendo mesmo saldos positivos nalguns casos, como foi, neste ano, o da Guiné, único dos três teatros de operações onde se verificou um ligeiro aumento.

No capítulo da organização territorial, destaca-se, ainda na Guiné, a divisão de todo o teatro de operações em zonas, sectores e subsectores. O desenrolar das operações, todavia, obrigou a frequentes alterações do dispositivo, muitas vezes procurando um melhor ajustamento ao próprio dispositivo do PAIGC.

Até este ano, os centros de instrução com responsabilidades na formação de quadros milicianos funcionavam exclusivamente com instrutores do QP. O escassíssimo número de subalternos do QP faz com que, a partir de agora, especialmente no 1.º ciclo (geral) de instrução, sejam já oficiais milicianos a ministrar a instrução aos futuros quadros, com reflexos na qualidade da referida formação e no enquadramento das tropas. Para piorar a situação na instrução e enquadramento das tropas, é neste ano que se iniciam os Cursos de Comandantes de Companhia (CCC) no âmbito do Curso de Oficiais Milicianos (COM). Tratava-se de seleccionar, logo no COM, jovens milicianos para futuros comandantes de companhia, numa modalidade de “fabrico rápido” que, muito naturalmente, levou à introdução, no léxico militar da época, da expressão “capitães de aviário”. De facto, era possível ir de recruta do COM a comandante de companhia no curto prazo de 14/15 meses.

A diminuição da qualidade da instrução vai continuar a pressionar o desenvolvimento de diversos tipos de forças especiais. Em Moçambique, chegou-se mesmo a criar Grupos Muito Especiais (GME). Em Setembro, foram criados em Vila Pery vários Centros de Instrução, entre os quais uma Companhia de Instrução de Pisteiros, com instrutores formados na Rodésia.

Por fim, refira-se que 1970 é o ano em que o número de capitães do quadro permanente (QP) das armas de Infantaria, Cavalaria e Artilharia atinge o seu valor mais elevado ao longo da guerra: 1100. Este resultado era enganador, na medida em que se sabia que, dentro de dois anos, haveria uma queda pronunciada do número de capitães disponíveis devido à escassa alimentação do QP proporcionada pela Academia Militar. 

 

 

 

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