1970 - A ilusão das grandes operações

1970
Operação Mar Verde - um tiro no escuro

Antecedentes

O plano da Operação Mar Verde foi iniciado em 1969 com a proposta do comandante Alpoim Calvão de destruir as lanchas torpedeiras do PAIGC e da Guiné-Conacri, assim evitando que elas pudessem atacar navios e embarcações portuguesas.

Como desde 1964 as autoridades portuguesas mantinham através da PIDE e dos serviços secretos franceses contactos com o FNLG, o Front National de Libération Guinéen, uma organização que se opunha ao regime de Sekou Touré, foi decidido usar os seus elementos para colaborarem na operação, que passava a ter a deposição de Sekou Touré e a instalação de um Governo mais colaborante com Portugal como um dos seus objectivos. A operação ia assumindo um carácter de bola de neve. Como em Conacri se encontravam estacionados aviões Mig-17 da Força Aérea da Guiné-Conacri, a sua destruição passou a ser adicionada ao rol de objectivos, a que se somava a morte de Sekou Touré, com um assalto à sua residência, a prisão ou a morte de Amílcar Cabral e, finalmente, a libertação dos prisioneiros portugueses feitos pelo PAIGC durante os anos de guerra e que se encontravam numa prisão na capital da Guiné.

Eram, aparentemente, demasiados objectivos, mas Alpoim Calvão convenceu Spínola da sua exequibilidade e este mandou-o a Lisboa convencer Marcelo Caetano.

 

Spínola visita as tropas antes do início da operação. [ARC]

 

A utilização de forças do FLNG implicava vários problemas. Um deles consistia nas desfavoráveis repercussões internacionais de um golpe de Estado fomentado num país estrangeiro pelo Governo português. Outro era de ordem prática, dado os elementos da organização se encontrarem dispersos por vários países africanos, o que obrigava a trazê-los sob o maior sigilo até ao território da Guiné, onde seriam treinados. Com maior ou menor secretismo, eles foram reunidos na ilha de Soga, de onde não lhes era permitido sair e, embora muitos deles tivessem servido no exército colonial francês ou no da Guiné-Conacri, foram submetidos a uma intensa preparação, dirigida por instrutores portugueses, que durou de Janeiro a Novembro de 1970.

Outro dos problemas era, precisamente, a quantidade e a variedade dos objectivos, nada menos que 52, a que se somava o desconhecimento da cidade, da qual nem existiam mapas actualizados, e a inadequação das forças portuguesas empenhadas na acção, que não tinham nem experiência, nem treino de combate em zonas urbanas.

Conseguido o assentimento do presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, com a condição de que não fosse deixado em Conacri qualquer indício da intervenção portuguesa, tudo estava preparado para lançar a Mar Verde, apesar dos graves riscos políticos que poderia desencadear. 

 

Lanchas Montarte e Hydra prontas para partir, na ilha de Loga. [ARC]

 

Desenrolar da operação

Ao fim da tarde de 19 de Novembro zarpou da ilha de Soga uma força naval comandada por Alpoim Calvão, constituída por quatro lanchas de fiscalização e duas de desembarque. A bordo seguiam uns 200 homens do FLNG, Fuzileiros guineenses e uma companhia de Comandos também africanos.

Apoiadas por um avião da Força Aérea, estas unidades navegaram para o Sul e conseguiram atingir as imediações de Conacri, sem a sua presença ter sido observada, pelas 20 horas do dia 21 de Novembro. As lanchas fundearam depois em pontos diferentes, esperando a hora do desembarque, marcada para a 1h30 da madrugada de domingo, dia 22.

O primeiro passo a ser dado era o da neutralização de todas as vedetas, o que também impediria qualquer resistência séria. Dessa missão encarregou-se uma equipa de catorze Fuzileiros africanos, comandados por um jovem oficial europeu. Apesar de ter sofrido alguns feridos, a equipa pôde regressar aos botes, deixando em chamas as vedetas, que um pouco mais tarde explodiram.

Pela 1h40 largaram de outras lanchas dez botes transportando uma equipa destinada a tomar posse de um complexo militar, situado a cerca de sete quilómetros da cidade. A equipa dividiu-se então em três grupos. O primeiro encaminhou-se para a prisão La Montaigne, onde se encontravam detidos os prisioneiros portugueses. Após um breve combate com os guardas, os prisioneiros foram libertados. O objectivo do segundo grupo era o ataque a instalações do PAIGC, o que foi alcançado com a destruição de cinco edifícios e algumas viaturas. Também foram abatidos alguns militantes do partido.

O terceiro grupo, após um violento combate com os defensores, arrasou um complexo de milícias e uma residência de férias de Sekou Touré.

De outra lancha largaram três equipas. A primeira assaltou o quartel da Guarda Republicana e libertou cerca de 400 presos políticos, alguns dos quais pegaram em armas e se juntaram aos atacantes. Essa lancha atracou ao cais do Yacht Club e desembarcou as outras duas equipas. Uma delas ocupou a central eléctrica e cortou a energia à cidade, com o propósito de desorientar os defensores e facilitar a retirada dos atacantes. O terceiro grupo ocupou sem resistência um campo militar e destroçou uma coluna motorizada que acorrera ao local.

Pelas 4 da manhã haviam sido alcançados com êxito e apenas ligeiras baixas os objectivos situados na parte norte da cidade. Já na parte sul a acção não decorreu com tanto sucesso. Uma equipa vinda para terra à 1 da manhã, comandada por um alferes guineense e encarregada de ocupar a estação emissora de rádio, não conseguiu chegar ao seu destino por falta de orientação. Sete outras equipas todavia cumpriram as suas missões no interior da cidade sem grande resistência, com a excepção da encontrada no quartel da Gendarmerie. Neste recontro foi destruída uma coluna de blindados. No palácio presidencial também não foi possível encontrar Sekou Touré. Ainda outra equipa, a que fora dada ordem de ocupar o aeroporto e destruir os aviões de caça Mig que se deviam aí encontrar fracassou, no seu intento. No caminho, um tenente guineense desertou, levando consigo vinte homens. O comandante da equipa, um capitão Pára-quedista europeu, prosseguiu no seu trajecto, mas teve a surpresa de não encontrar no aeroporto os aviões Mig, que dias antes haviam sido transferidos para outro local.

O propósito inicial de Alpoim Calvão era de permanecer em Conacri até que o Governo de Sekou Touré fosse derrubado. Considerando contudo que a não destruição dos Mig poderia constituir um grave perigo para as suas embarcações, decidiu-se por uma rápida retirada. Soube-se mais tarde que os aparelhos não estavam operacionais, dada a falta de preparação dos seus pilotos. Desanimou-o também a constatação feita então de que o FLNG não reunia as condições para um eficaz apoio popular na sua tentativa de subir ao poder. A partida de Conacri teve lugar já depois do nascer do sol e o regresso a Bissau processou-se sem obstáculos de maior, embora tivessem sido feitos quatro tiros de morteiro em direcção a uma das lanchas. A flotilha aportou à ilha de Soga no dia seguinte, a meio da tarde. A nível militar a Operação Mar Verde foi um sucesso, as vedetas torpedeiras foram postas fora de combate, várias instalações do PAIGC foram inutilizadas e os prisioneiros portugueses libertados. O custo humano orçou apenas em três mortos e três feridos graves. No plano político é que a operação resultou num estrondoso fracasso. Sekou Touré continuou no poder, Amílcar Cabral não foi aprisionado ou abatido e a União Soviética teve com este ataque o pretexto para instalar uma base naval no golfo
da Guiné. 

 

 

Um mar de mistérios

A Operação Mar Verde é uma acção singular entre todas as realizadas durante a guerra nos três teatros de operações. Na clássica divisão dos manuais militares, pertence ao grupo das operações irregulares e foi neste âmbito a de maior envergadura, complexidade e impacto internacional. Foi realizada para obter efeitos políticos directos através da execução de um golpe de Estado num país estrangeiro, por militares portugueses actuando com uniformes e equipamentos das forças desse país e em conjunto com elementos estrangeiros oposicionistas ao Governo, prevendo o assassinato de um chefe de Estado, Sekou Touré. O objectivo principal era político: mudar o regime na Guiné-Conacri através de um golpe de Estado e morte do seu presidente Sekou Touré e dar um profundo golpe no PAIGC através da eliminação do seu líder, Amílcar Cabral. Os outros objectivos eram tácticos: a libertação dos militares portugueses prisioneiros, a destruição das lanchas torpedeiras e dos aviões Mig.

A acção militar começou pela reunião numa base isolada na ilha de Soga dos efectivos que iriam participar na operação e na sua instrução. Um conjunto heteróclito, em que se incluíam militares portugueses dos Comandos e dos Fuzileiros africanos, enquadrados por graduados, oficiais e sargentos, europeus, num total de cerca de 250 homens, e de cerca de 150 vindos das fileiras da Oposição ao regime de Sekou Touré e recolhidos no Senegal, na Gâmbia, na Costa do Marfim, através de contactos estabelecidos com dirigentes instalados em Paris e em Genebra, que constituíam o FNLG (Front National de Libération Guinéen). Neste conjunto incluiu-se ainda um jornalista da revista Jeune Afrique, Siriadiou Djaló, e um operacional aventureiro que servira o exército colonial francês, o comandante Assad.

 

 

Aspecto das tropas embarcadas durante a retirada. [ARC]

 

Êxitos e fracassos

A análise à Operação Mar Verde tem sido geralmente focada na relação entre os objectivos explícitos e os resultados obtidos, para determinar se foi um sucesso ou um fracasso. Estes factos permitem admitir que, além do êxito que constituiu a libertação dos prisioneiros portugueses e a retirada sem comprometimento das forças da Mar Verde, os fracassos nos outros objectivos foram, contudo, os que melhor serviram os interesses das autoridades portuguesas. Os fracassos, ao limitarem os resultados a uma operação de resgate de prisioneiros, evitaram as imprevisíveis consequências no plano externo que adviriam para Portugal pela responsabilidade por uma invasão do território de um Estado soberano, pela morte do seu chefe de Estado no seu próprio país e pela de Amílcar Cabral, um dos mais prestigiados líderes de movimentos de libertação africanos.

Mas é ainda possível deixar a interrogação sobre o futuro do general Spínola, que inevitavelmente seria apresentado como o principal responsável directo por uma aventura deste tipo, e de Marcelo Caetano, que a autorizou. As razões que levaram estes dois homens a patrocinarem uma operação que envolvia tais riscos, essas permanecerão um segredo, mas existe uma outra abordagem que tem a ver com a personalidade de Spínola e com os seus objectivos. Assim, sob o ponto de vista de Spínola a Operação Mar Verde teve três objectivos:

  • Retaliar a morte dos três majores ocorrida em Teixeira Pinto, fazendo o PAIGC pagar esse acto que Spínola jamais perdoou;
  • Alterar a situação na Guiné-Conacri, trocando um vizinho hostil por um colaborante e retirando a base de apoio ao PAIGC;
  • Provocar com a invasão da Guiné-Conacri e as mortes de Sekou Touré e de Amílcar Cabral um abalo nas relações entre Portugal e a comunidade internacional que obrigasse o Governo português e Marcelo Caetano a definir com clareza uma nova política para o Ultramar.

É que depois destes actos nada poderia continuar na mesma em Portugal.

 

Missão da Operação Mar Verde.

 

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