Alemanha
Na cena internacional, a novidade mais relevante a nível político, no continente europeu, deu-se na República Federal da Alemanha (RFA), onde a aliança entre os sociais-democratas e os liberais permitiu desalojar do poder os democratas-cristãos,
que o ocupavam desde a criação da RFA, em Maio de 1949. As eleições para a Presidência da República, a 5 de Março de 1969, deram a vitória ao social-democrata Heinemann e as legislativas de Setembro levaram Willy Brandt ao poder federal a 21 de Outubro. A partir de Janeiro e desse lugar privilegiado, iniciou a Ospolitik (abertura ao Leste), para acelerar a distensão na Europa e reduzir a tensão entre os blocos da Guerra Fria.
Crise jordano-palestiniana
Outro dos aspectos centrais deste ano foi o mal-estar palestiniano, depois da derrota árabe na Guerra dos Seis Dias (Junho de 1967) e perante a incapacidade de actuar de forma unida e coerente contra o ocupante israelita que, em Setembro, começou a colonizar os novos territórios ocupados. Para retaliar, Georges Habache, líder da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP), ordenou o sequestro de quatro aviões que se dirigiam a Nova Iorque, para que fossem levados para a pista jordana de Zarqa. Um Boeing 747, da norte-americana Pam Am, foi desviado e feito explodir no Cairo no dia seguinte, porque o seu tamanho não permitia fazê-lo na pista jordana, mas um Boeing 707, da norte-americana TWA, um DC-8, da suíça Swissair, e um UC-10, da britânica BOAC, foram então levados para Zarqa. Daqui foi pedida a libertação de vários guerrilheiros detidos na Grã-Bretanha, Suíça e RFA, que foram libertados. A 12 de Setembro, uma vez conseguidos os seus objectivos, fizeram explodir os aparelhos no deserto jordano. Era mais do que a paciência do rei Hussein estava disposta a tolerar. Quatro dias mais tarde, o monarca nomeava o marechal Habib Madschali como governador militar da Jordânia, com plenos poderes, ao mesmo tempo que declarava a lei marcial e exigia aos fedayin que depusessem as armas e respeitassem o recolher obrigatório 24 horas por dia, anunciando que quem fosse encontrado na rua seria imediatamente fuzilado. Os blindados do Exército jordano assaltaram a sede da OLP, em Amã, e atacaram os principais campos de refugiados – Irbid, Salt, Zarqa, Sweileh – sem distinguir entre civis e guerrilheiros, provocando entre 10 000 e 20 000 mortos. O maior beneficiado desta crise foi Israel, que interveio nos confrontos em apoio do rei Hussein, intimidando, com voos rasantes, a OLP e os reforços que Damasco enviara para apoiar Arafat, o que debilitou profundamente a liderança do presidente sírio, general Salah Yadid, e precipitou a sua substituição pelo general Hafez al-Asad, através de um golpe de Estado a 13 de Novembro. Também Nasser foi uma vítima directa da crise palestino-jordana, uma vez que faleceu no dia seguinte a ter conseguido o acordo entre Hussein e Arafat, com um enfarte do miocárdio, atribuído às profundas tensões que suportou para impedir que esta crise afundasse o edifício do pan-arabismo que se tinha empenhado em erguer. Estas crises também afastaram definitivamente os regimes “baasistas” do Iraque e da Síria.
Vietname e Camboja
Outro conflito que continuava a polarizar a atenção da comunidade internacional era o Vietname. No início de 1970, os Estados Unidos chegaram à conclusão de que deviam negociar com os seus oponentes a saída do Vietname mas, antes de propor formalmente um plano de paz, acharam conveniente reforçar os seus aliados na zona. Nessa perspectiva, em Março de 1970, deram o seu aval ao golpe de Estado, no Camboja, do marechal Lon Nol, antigo primeiro-ministro, que depôs o monarca Norodom Sihanouk. A destituição de Sihanouk deveu-se à sua obstinação em manter a neutralidade do seu país, ainda que, secretamente, tenha permitido a instalação de bases comunistas no Norte. Por seu lado, Lon Nol, sendo primeiro-ministro em 1969, tinha autorizado, confidencialmente, os Estados Unidos a bombardear as áreas comunistas. Estes bombardeamentos prolongaram-se até 1973, provocando cerca de 600 000 mortos e, segundo a CIA, deram popularidade aos khmers vermelhos, cujo regime genocida não teria conseguido implantar-se sem a ajuda, indirecta, de Washington. Os Estados Unidos manifestavam formalmente que desejavam a paz na zona e Nixon apresentou, em princípios de Outubro, em Paris, um novo plano de paz que previa um cessar-fogo vigiado por observadores neutrais e a convocatória de uma conferência de paz. Mas este foi recusado tanto pelo Vietcong, como pelo Vietname do Norte, como fez saber a Kissinger, Le Duc Tho, representante de Hanói. Apesar disso, em Dezembro, os norte-americanos reduziram os seus efectivos em 133 000 homens.
Biafra
Em relação ao continente africano, o mais significativo foi o fim da guerra do Biafra, a 15 de Janeiro. Nesse dia, o general-chefe do Estado-Maior Central, Philip Effiong, acabou com os últimos combates da guerra. Assim terminava a secessão dos ibos, iniciada pelo general Ojuku, a 30 de Maio de 1967. O custo da guerra foi brutal: dois milhões de mortos, três milhões de ibos deslocados, a total desorganização do país e uma fome generalizada.
Zâmbia
Quanto aos países vizinhos das colónias portuguesas, merecem destaque os esforços conciliadores da Zâmbia, que continuou a tentar levar Portugal à mesa das negociações com os movimentos de libertação angolanos. No entanto, as autoridades de Lisboa não só não se deixaram envolver nessa tentativa como chegaram a planear para o dia 4 de Fevereiro, dia nacional do MPLA (por coincidir com o assalto às prisões de Luanda), um ataque à base “Oásis”, situada em território zambiano, junto à saliência de Cazombo, ao sul de Caripanda e onde, segundo a PIDE, se encontrava Agostinho Neto e a maior parte da direcção do MPLA. Esta base estava numa ilha, no meio de um pântano. A acção envolvia a 20ª Companhia de Comandos e os Flechas, mas o elevado volume da água impediu a aproximação dos efectivos implicados na acção, levando a que esta fosse suspensa. Os Serviços de Informação portugueses, bem implantados na Zâmbia, referiam sempre o jogo duplo de Kaunda e, por isso, as suas propostas nunca foram tomadas em consideração por Lisboa.
Tanzânia
Em relação à Tanzânia, Jorge Jardim preparou um golpe de Estado que visava colocar no poder o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Óscar Kambona (um maconde), em substituição de Julius Nyerere que, a 30 de Outubro, tinha sido reeleito presidente por mais cinco anos. Esta operação pretendia, com a utilização de tropas portuguesas e com o apoio da Oposição interna que a PIDE subsidiava, neutralizar o apoio do Governo tanzaniano à direcção da FRELIMO. A acção foi precedida por uma campanha de desestabilização, através de sabotagens e panfletos, e teria sido um complemento importante desta manobra, a destruição da principal base da FRELIMO, a de Nachingwea, que se encontrava perto do rio Rovuma, na Tanzânia. O comando português entendeu que a maneira mais efectiva de a destruir seria através de um bombardeamento com os Fiat, mas acabou por não haver autorização governamental para levar a cabo a acção, porque a prioridade foi dada à Operação Mar Verde, sobre Conacri, cujos objectivos eram idênticos. O Governo português não podia dar-se ao luxo de manter duas operações simultâneas de desestabilização de países vizinhos.
Senegal
Relativamente ao Senegal, em Fevereiro, dois representantes do Governo português, Alexandre da Cunha, alto funcionário do Ministério do Ultramar, e o chefe da PIDE de Bissau, encontraram-se, em Dacar, com os responsáveis máximos senegaleses dos ministérios do Interior e dos Negócios Estrangeiros, para que fossem intermediários junto do PAIGC e os ajudassem a negociar um hipotético cessar-fogo, em troca de um aumento de participação no Governo da Guiné-Bissau. Posteriormente, em Junho, encontraram-se os ministros dos Negócios Estrangeiros português e senegalês, Franco Nogueira e Doudou Tima, respectivamente. Mas a situação estagnou aqui porque nem Franco Nogueira queria abandonar a ortodoxia salazarista nem Marcelo Caetano se atrevia a desafiá-la.
Lisboa-Pretória-Salisbúria
O mais importante, neste período, foi o estreitamento militar do eixo Lisboa-Pretória-Salisbúria. Em Março realizou-se uma reunião bilateral entre as cúpulas militares portuguesa e sul-africana, para tirar conclusões da efectividade da cooperação aérea que vinham a desenvolver desde Junho de 1968, no Leste e Sudeste de Angola. A conclusão, além de considerar a experiência como altamente positiva, apontava para a necessidade de coordenação de todos os efectivos militares de que dispunham a região, incluindo os da Rodésia, para elaborar um plano conjunto de defesa da África Austral. Dentro deste clima de cooperação conjunta, a 5 de Junho, o primeiro-ministro sul-africano, Baltasar Vorster, visitou oficialmente Lisboa para tratar de aspectos relacionados com a construção de Cahora Bassa mas, paralelamente aos aspectos técnicos e financeiros, a obra tinha uma clara componente estratégica, que também foi discutida. Todo este projecto avançado de cooperação entre os países de supremacia branca se concretizou com o Exercício Alcora, que seria assinado em Outubro, e que pretendia aprofundar o estudo das ameaças e das respostas conjuntas que os três estados-maiores deviam dar, para perpetuar a sua hegemonia na região.
Espanha
Além disso, Portugal pôde contar, nessa época, com a solidariedade da ditadura espanhola, como se tornou evidente durante a visita oficial que Marcelo Caetano realizou a Madrid, de 20 a 22 de Maio, e no decurso da qual se assinaram acordos de cooperação económica, comercial, científica, tecnológica, cultural e de segurança social. Estas boas relações voltaram a manifestar-se a 12 de Julho, quando ambos os países prorrogaram o Tratado de Amizade e Não Agressão (Pacto Ibérico), por mais 10 anos.
Estados Unidos da América
Mas mais importante e significativa foi para Portugal a mudança de atitude dos Estados Unidos, que passaram a apadrinhar a política colonial portuguesa, ainda que sem o assumir abertamente. Esta mudança de paradigma da administração norte-americana veio a confirmar-se a 28 de Janeiro, quando autorizou as exportações para Portugal de equipamentos militares proibidos até então. A inflexão da anterior política foi também patente, a 29 de Maio, quando o secretário de Estado, William Rodgers, visitou Lisboa e concordou em reforçar a cooperação militar. Este reforço da aliança estratégica tornou-se mais efectivo em Junho, quando Marcelo Caetano anunciou que ele e Nixon tinham concordado em realizar consultas bilaterais periódicas, que se confirmaram com a visita a Lisboa do vice-presidente Spiro Agnew, a 1 de Julho. A 17 do mês seguinte, Nixon levantou também o embargo de armas a Portugal e à África do Sul, o que significava um apoio total aos seus aliados da África Austral, crente de que era uma contribuição decisiva para a luta contra o expansionismo comunista naquela região vital do planeta. Na sequência desta concepção, o cônsul-geral dos Estados Unidos assistiu, pela primeira vez, a um briefing na sede do Alto Comando de Angola, em Luanda, no qual se analisou a luta anti-subversiva.
A ONU e Portugal
A partir da segunda semana de Agosto, quando se iniciaram as reuniões da Comissão de Descolonização, as críticas a Portugal e aos seus aliados da África meridional foram constantes, culpando-o também pela sua incapacidade de encontrar uma solução política para os conflitos, depois de nove anos de Guerra Colonial. Também, aquando da celebração do 10º aniversário da Declaração Descolonizadora, a 12 de Outubro, a ONU aprovou um programa de actividades destinado a acelerar os processos de autodeterminação pendentes e condenou especificamente o colonialismo português. A 30 de Novembro aprovaram-se dois novos textos. O primeiro, Eliminação de todas as formas de discriminação racial, atacava Portugal e os seus aliados (África do Sul e Rodésia) pelas suas políticas junto das populações africanas, e o segundo pedia a rápida concessão do direito à independência aos povos colonizados. Na sequência destas condenações, a 14 de Dezembro aprovaram-se mais cinco resoluções, uma das quais denunciava as actividades e os interesses estrangeiros na exploração das colónias, citando expressamente a construção de Cabora Bassa como contrária aos interesses dos povos de Moçambique, e pedia a colaboração de todos os Estados para que impedissem os seus cidadãos de participar na sua construção enquanto outra condenava a política de Marcelo Caetano pela intensificação das operações militares nas colónias, pela colaboração com a Rodésia e com a África do Sul, pela utilização de armas químicas e biológicas contra os povos de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau e, adicionalmente, exigia que não se colaborasse nos projectos de Cabora Bassa e de Cunene, e pedia aos Estados e organismos que trabalhassem lado a lado com a OUA para ajudar financeira e materialmente esses povos de forma a reforçar os seus instrumentos de libertação. A última resolução referia-se à aplicação da Declaração Descolonizadora aos países e povos coloniais, condenando a sua não aplicação pelos países de hegemonia branca, países que no dia seguinte voltaram a ser penalizados por outra resolução contra a violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais dos detidos, que eram sistematicamente torturados.
Apoio aos movimentos de libertação
A 26 de Junho, em Roma, realizou-se a Conferência Internacional de Solidariedade com os povos das colónias portuguesas, que contou com representantes de vários países da Europa ocidental e delegados dos países de Leste, agrupados no Comité de Solidariedade Afro-Asiática. Mas o maior êxito foi conseguido a 1 de Julho, quando o Papa Paulo VI recebeu os líderes do PAIGC, do MPLA e da FRELIMO, respectivamente Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos. O Governo português sentiu-se profundamente magoado e protestou em termos muito duros junto do Vaticano. Mas a atitude do papa incentivou os sectores reformistas de uma Igreja portuguesa que, até então, concordava maioritariamente com a política colonial governamental.
Angola
A nível militar, em Angola, o facto mais importante foi a chegada, a 14 de Abril, do general Costa Gomes como chefe militar. O seu primeiro acto foi parar a grande ofensiva militar que estava em marcha na zona dos Dembos, a Operação Robusta, cuja dureza foi também condenada pelo bispo de Luanda, e sobre a qual declarou, em 1985: “Cometeram-se muitas barbaridades. Eliminaram-se muitos homens válidos, cuja única falta era serem trabalhadores do café. Criaram-se aldeias fortificadas no distrito do Zaire, separando em acampamentos diferentes as mulheres e crianças e os homens, tudo por interesses económicos e com uma visão absolutamente cega do que eram os problemas da guerra. Esta operação foi ruinosa em todos os aspectos e deixou marcas profundas. Lembro-me que, sempre que entrava numa destas aldeias do Zaire, as mulheres me pediam que devolvesse os seus homens”.
MPLA
O MPLA, além das dificuldades da guerra no mato, também sofreu a desarticulação dos seus apoios nos musseques de Luanda, quando a PIDE deteve mais de meia centena de pessoas, em Fevereiro. Mais tarde, em Julho, a 1ª Região, que tinha resistido com extrema dificuldade à investida colonial da Operação Robusta, delineou um plano para obter reabastecimentos de armas, medicamentos e alimentos, que também falhou.
Guiné
Na Guiné, o general Spínola prosseguiu com o seu plano de atracção da população, tentando reduzir o seu apoio à guerrilha. Para isso, criou um marco na participação das populações indígenas nas decisões políticas: os Congressos dos Povos da Guiné, que não tiveram paralelo nas outras colónias. A 18 de Julho, realizou-se o Congresso Balanta, etnia que era a coluna vertebral do PAIGC e, 13 dias mais tarde, o congresso que juntou as etnias manjaca, mancanha e papel, entre as quais a subversão também tinha adeptos. Em consequência destas reuniões, em Agosto realizou-se o I Congresso das Etnias da Província.
Operação Mar Verde
Com o fracasso da operação em “chão manjaco”, surgiu a manobra Mar Verde, com a qual se pretendia: assassinar e substituir o presidente da Guiné-Conacri, Sekou Turé, por outro líder mais colaborante com Portugal; executar Amílcar Cabral e a maior parte da direcção do PAIGC, assim como destruir as infra-estruturas que este tinha nesse país; eliminar a esquadra de Mig-17 e a frota de lanchas torpedeiras da Guiné-Conacri; e libertar os militares portugueses prisioneiros do PAIGC. O projecto começou a tomar forma definitiva a partir do assassinato dos três majores do CAOP de Teixeira Pinto, ainda que os contactos entre a PIDE e a oposição da FLING na Guiné-Conacri fossem anteriores. O objectivo de destruir as lanchas deste país já se tinha colocado anteriormente pelo comando naval colonial em 1969, e desde essa altura houvera acções clandestinas de reconhecimento do porto de Conacri e das suas características. O embaixador cubano em Conacri, Óscar Oramas, diria que, depois do ataque português, que foi repelido inicialmente por forças cubanas, o presidente Sekou Turé pediu que fossem estes soldados encarregados de vigiar o palácio presidencial, dada a insegurança que sentia. Além disso, no próprio dia 22, Sekou Turé pediu uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU que, no dia seguinte, concordou em enviar a este país uma missão especial para investigar os acontecimentos. A missão elaborou um relatório que foi aprovado pelo Conselho a 8 de Dezembro, condenando Portugal por ingerência num país soberano e acusando-o de ser uma ameaça à segurança dos Estados africanos independentes.
PAIGC
Apesar das divergências e problemas por que o PAIGC passava nesta altura, a sua capacidade militar continuou a ser muito elevada. Atacou vários centros urbanos, como Bolama, Catió, Gabu e Pirada.
Cabo Verde
A direcção do PAIGC estabelecida em Conacri mantinha ligações com os seus militantes do arquipélago de Cabo Verde, através de uma rede que funcionava em Lisboa, dirigida por Amaro da Luz. A estrutura clandestina, nessa época, estava especialmente consolidada nas ilhas de S. Vicente e de Santiago. No Mindelo (S. Vicente), Cristino Lopes era responsável por uma célula de cerca de 20 estivadores do porto. Mas o maior número de militantes encontrava-se na ilha de Santiago, com núcleos organizados na capital, Praia, entre os estivadores e no liceu, no Tarrafal, em Santa Cruz, em Pedra Badejo, na Ribeira Seca, em Santa Catarina.
Nesta última cidade, a 12 de Agosto, 14 militantes do PAIGC embarcaram no Pérola do Oceano que, supostamente, os levaria a Conacri, onde queriam ser treinados para organizar a luta armada nas ilhas, mas na realidade era uma operação montada pela PIDE, que acabou por encerrá-los no Tarrafal.
Moçambique
A Operação Nó Górdio foi planeada como uma batalha convencional numa guerra de guerrilha. Em termos estratégicos, a operação acabou por ser altamente contraproducente. A própria FRELIMO manifestou-se em termos semelhantes: “Com a Operação Nó Górdio, em 1970, pensavam apagar o fogo em Cabo Delgado, mas em vez disso o incêndio estendeu-se ao sul do Zambeze e ao eixo Montepuz-Porto Amélia”. Outro aspecto capital quando se analisa a importância da Operação Nó Górdio é o de que essa batalha destruiu ou desgastou uma quantidade significativa de material de combate, especialmente veículos, mas também equipamentos de Artilharia e helicópteros, que não foi possível repor porque a prioridade da actuação militar, naquela altura, era preservar a construção de Cahora Bassa e assegurar que as linhas de abastecimento de material não fossem atacadas. Nem a Metrópole nem o crescente recrutamento local tinham suficiente capacidade para realizar a defesa estática da enorme superfície que ocupava a barragem e, simultaneamente, combater uma guerrilha cada vez mais volátil e empenhada.
FRELIMO
A FRELIMO ainda sofreu os últimos golpes da crise de liderança. Na reunião do seu Comité Central, realizada entre 9 e 14 de Maio, Samora Machel foi eleito presidente, Marcelino dos Santos, vice-presidente, e Uria Simango foi expulso da organização. A 6 deNovembro, apresentou-se às forças portuguesas Miguel Murupa, secretário das Relações Externas, que tinha sido afastado depois da morte de Mondlane. Mas este foi o final das divergências, pois sob a liderança incontestada de Samora Machel forjou-se uma aparente coesão ideológica. Acreditaram que parar Cahora Bassa era possível e dirigiram todas as suas forças para esse objectivo.
São Tomé e Príncipe
Por seu lado, em São Tomé e Príncipe, o CLSTP era dirigido por Miguel Trovoada e Carlos Graça, que residiam no Gabão. Mas o Governo do pró-ocidental Omar Bongo proibiu-lhes a realização de qualquer actividade política sob pena de serem expulsos do país, o que os impediu de comparecer a reuniões internacionais, como faziam até ali, e emudeceu a sua voz.
Política interna
Em Janeiro, realizou-se uma remodelação ministerial que pretendia trazer para o Executivo jovens tecnocratas, próximos da Opus Dei, com o objectivo de fazer em Portugal o mesmo que se fazia em Espanha: uma gestão eficaz e actual da economia e do Estado, mas sem democratizar o país. Mesmo assim, o novo Executivo manteve sete ministros da época de Salazar: o da Defesa Nacional, Sá Viana Rebelo, o da Marinha, Pereira Crespo, o do Interior, Gonçalves Rapazote, o da Justiça, Almeida Costa, o das Obras Públicas, que viu as suas competências incrementadas com as da Comunicação, o do Ultramar, Silva Cunha e o da Economia, Dias Rosa. Marcelo Caetano deixou assim implícita a continuidade política nas áreas mais sensíveis: Forças Armadas, Ultramar, polícia, justiça e economia, incluindo obras públicas. As mudanças reduziram-se aos sectores em que precisava de ganhar margem de manobra. Em Fevereiro realizou-se o V Congresso da União Nacional, que mudou de nome para Acção Nacional Popular (ANP), num gesto típico de Marcelo Caetano: mudanças na forma mas não transformações em profundidade.
Ala Liberal
A SEDES serviu para aglutinar um sector de jovens tecnocratas que queriam participar, a partir da União Nacional, no início da liberalização e que eram próximos de Marcelo Caetano. De facto, este apadrinhou-a, numa tentativa de criar uma alternativa de apoio ao seu Governo, à margem do desgastado partido único. Os seus objectivos eram o estudo de soluções que oferecessem ao país uma saída democrática de tipo ocidental, assim como um modelo de desenvolvimento económico. A distância que mantinham em relação a Marcelo Caetano obrigou-os a actuar para um público restrito, exercendo uma actividade muito reduzida, limitada à realização de pequenos debates sobre problemas económicos, sociais e políticos. O paulatino endurecimento do regime começou a chocar com as pretensões da chamada Ala Liberal, que pressionou o Executivo com propostas legislativas tendentes a democratizar a sociedade e a vida política. A 22 de Abril de 1970, Pinto Balsemão e Sá Carneiro apresentaram um projecto de Lei da Imprensa para acabar com a censura e garantir uma informação pluralista e livre, mas este foi recusado pela maioria governamental da Assembleia Nacional. O mesmo aconteceu com o projecto de Revisão Constitucional, apresentado a 16 de Dezembro de 1970 e subscrito por 15 deputados, que pretendia basicamente a eleição do presidente da República por sufrágio universal e o restabelecimento efectivo das liberdades públicas.
Sector ortodoxo
Ao confronto cada vez mais visível com a Ala Liberal somou-se o conflito com o sector mais ortodoxo da ditadura, maioritariamente devido às divergências acerca do problema ultramarino. Para Marcelo Caetano (disse-o em Setembro de 1970), a permanência em África justificava-se pela defesa dos portugueses aí instalados e para honrar os compromissos internacionais assumidos pelo Governo. Atreveu-se mesmo a afirmar que a independência das colónias não significaria o desaparecimento de Portugal como nação, ideia que os “ultras” do regime consideravam sacrílega, já que para eles Portugal, sem as colónias, seria devorado pela Espanha. Nesse contexto, Marcelo Caetano apresentou à Assembleia Nacional, em Dezembro de 1970, um anteprojecto de revisão constitucional, numa tentativa de encontrar uma via intermédia entre os deputados liberais e os de Extrema-Direita, para realizar as reformas que considerava necessárias. Como resultado, as alterações introduzidas à Constituição de 1933 limitaram-se à estrutura do Estado: Portugal continuava a ser um país uno, mas passava a ter regiões autónomas com poderes próprios.
Oposição democrática
Fracassada a “Primavera marcelista”, a ASP radicalizou a sua postura e o seu líder, Mário Soares, teve de exilar-se depois da campanha legislativa, ainda que tenha sido autorizado a voltar durante três dias para o funeral do seu pai, em Agosto. A ASP definiu-se politicamente nesta época e, em Setembro, apareceram os seus primeiros textos políticos defendendo o socialismo democrático europeu, representado pela Internacional Socialista.
O PCP, apesar do reforço organizativo concretizado à sombra da Comissão Democrática Eleitoral, tinha uma implantação reduzida, contribuindo para tal o grande fracasso do Movimento de Oposição Democrática (MOD), criado em 1969, depois das eleições de Outubro, e uma nova cisão, em princípios de 1970, que deu lugar às Brigadas Revolucionárias (BR). Por isso, não estando disposto a perder a sua hegemonia no campo da oposição, num momento em que começava a nascer a luta armada, e para evitar uma presumível sangria de militantes, o PCP lançou-se no campo da acção directa criando a Acção Revolucionária Armada (ARA), que tinha autonomia logística mas não política, e que se converteu no seu braço-armado. Por outro lado, a 5 de Setembro, a Rádio Voz da Liberdade anunciou, a partir de Argel, a ruptura total entre a Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN) e o PCP, que acusava de não estar verdadeiramente empenhado em empreender acções armadas contra a máquina militar, passando a apoiar as recém-criadas BR, organização formada por dissidentes comunistas. A FPLN tinha o apoio do Governo da Argélia que lhe facilitava suporte político e instalações, além da citada emissora, que veio a ter um papel muito importante na luta contra o colonialismo português, pois serviu para consciencializar muitos militares.
Movimento operário
Em Julho o Governo endureceu a legislação existente, numa tentativa de refrear o movimento grevista. Mas a contestação sindical continuou a crescer e, por isso, voltou a alterar a legislação e a regular a contratação colectiva, determinando que o presidente do tribunal arbitral, que até aí era nomeado pelas partes em litígio, fosse designado pelo ministro das Corporações e permitindo a destituição ou suspensão das direcções sindicais. A esta acção governamental seguiu-se a resposta unitária dos sindicalistas que realizaram, a 1 de Outubro, a primeira assembleia convocada por quatro sindicatos (contabilistas, trabalhadores dos lanifícios, metalúrgicos e bancários), e que veio a ser o ponto de partida da Intersindical. Este movimento cresceu rapidamente e a 15 de Novembro 23 sindicatos enviaram uma carta ao Ministério das Corporações pedindo a anulação da mencionada normativa e o reconhecimento dos direitos sindicais. Quatro dias mais tarde elegeram a comissão organizadora da Intersindical.
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