Publicámos em 2008 um livro em fascículos no Diário de Notícias intitulado Guerra Colonial – 1961-1975. O texto teve depois uma nova edição pela Editorial Notícias. Nesse livro procurámos fazer uma síntese dos nossos conhecimentos directos sobre a guerra, acrescentando-lhe o que era então possível saber através da investigação nos arquivos militares, muito recentemente abertos.
Foi um trabalho de fôlego, de que muito nos orgulhamos. A nossa intenção foi a de disponibilizar um instrumento sistematizador, que pudesse constituir-se em obra de referência, que outros estudiosos utilizassem como ponto de partida para novas investigações.
Por tudo o que se passou a partir da sua publicação, temos a certeza que a Guerra Colonial quebrou alguns tabus sobre esse tempo e que serviu de base a muitos estudos que depois se fizeram. Talvez se possa considerar como uma abertura para o confronto com as vicissitudes desses difíceis anos da Guerra Colonial.
É um facto que hoje o tema se encontra razoavelmente estudado, que em cada dia surgem novas investigações e novos estudos, que os participantes dão com maior facilidade o seu testemunho. Se isso se deveu, mesmo que indirectamente, ao nosso trabalho, só temos de congratular-nos.
Anos depois, voltamos ao mesmo tema. Apresentamos ao público português um novo trabalho sobre a Guerra Colonial. Quisemos aprofundar o conhecimento dos factos, ensaiar a sua explicação e, essencialmente, saber e compreender o que se passou.
Saber o que aconteceu durante os anos de 1961 a 1975, os anos em que a Guerra Colonial esteve no centro da nossa História, das nossas vidas.
Saber o que aconteceu em Angola, na Guiné, em Moçambique, em Portugal. O que aconteceu em cada um dos locais onde a guerra foi travada, nas “picadas” mais perigosas, nas “matas” do Norte de Angola e de Moçambique, nas “chanas” do Leste, nas “bolanhas” da Guiné, a bordo de navios e lanchas, de aviões e de helicópteros.
Saber o que aconteceu no Governo, na Oposição, o que aconteceu em Lisboa, mas também em Argel, no Cairo, em Washington, em Nova Iorque, em Paris, em Leopoldville, em Conacri. Saber o que se passou nos gabinetes mais secretos dos governos, dos serviços de informações, das polícias, e saber o que se passou nas grandes manifestações de apoio e de repúdio. Saber o que pensaram os homens que decidiram a guerra, que a conduziram, que a fizeram de ambos os lados. Saber quem eram, que dúvidas os assaltaram, que opções tomaram. Saber o que aconteceu com os homens que combateram, com os jovens que começaram a partir para os teatros de operações ainda em 1960. Saber como viveram, como lutaram. Saber o que aconteceu a cada um dos que viveram este período da nossa História.
Assim, podemos dizer que a primeira intenção desta obra é Saber. Para isso, a obra assenta numa cronologia de factos que procuram transmitir o essencial do que aconteceu nos vários palcos onde a guerra se travou nos campos de batalha, nos corredores dos vários poderes, em Portugal e um pouco por todo o mundo que interferiu com as acções de Portugal e dos movimentos de libertação africanos.
Mas também Compreender.
Compreender por que foi assim que os factos aconteceram, por que foram escolhidas estas soluções e não outras.
Compreender as dúvidas dos homens que tiveram de decidir num momento o caminho a seguir e ajudar a perceber as consequências dessas decisões.
Compreender, nesta obra, é também levantar hipóteses apenas assentes em indícios que outros, se assim o desejarem, seguirão.
Compreender é ainda desvendar acontecimentos que nos revelam como, em momentos específicos, estivemos, nós, os portugueses e os africanos que combatiam pelas independências dos seus territórios, tão perto do entendimento e da negociação e como, logo de seguida, essas portas se fecharam. E como estivemos, nós portugueses, perto do abismo histórico da perda da identidade como nação europeia, e como estivemos, enquanto povo, sujeitos aos fogos cruzados dos interesses e das traições.
O período dos anos da Guerra Colonial é muito rico em acontecimentos.
Portugal ocupou durante esses anos um lugar de grande relevo na política mundial, não como grande actor, mas como elemento perturbador de equilíbrios geo-estratégicos. Foi por ter desempenhado esse papel que, em 1962, o presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, recebeu o ministro português Franco Nogueira em Washington no dia mais agudo da crise dos mísseis de Cuba, quando o mundo estava à beira de uma guerra nuclear, para discutir a questão colonial portuguesa.
Foi também por ter desempenhado esse papel que, de 1959 a 1973, foram aprovadas pela ONU 173 resoluções condenando a política ultramarina do Governo português. Uma média superior a 11 condenações por ano, sem contar as das agências especializadas como a Organização Mundial do Trabalho, a Organização Mundial da Saúde e a Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura (UNESCO)!
É, pois, sobre o Saber mais e o Compreender melhor os anos da Guerra Colonial que trata esta obra.
O desejo que formulamos é que ela possa servir de reflexão e de ponto de partida para um melhor conhecimento do nosso passado comum, nos termos e com os objectivos que a História nos impõe e que o seu estudo nos proporciona.
Nem desejamos mais, nem gostaríamos que fosse menos.
Os autores
Carlos de Matos Gomes
Aniceto Afonso
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