Reunião entre Kissinger e Rui Patrício para negociações sobre a utilização da base dos Açores e o fornecimento de mísseis terra-ar redeye a Portugal.
“Estava então pendente, há longos meses, um pedido de Portugal aos EUA para o fornecimento de mísseis terra-ar Redeye, material cuja necessidade decorria de notícias que davam como altamente provável que, na Guiné, viessem a ser empregues meios aéreos contra as forças portuguesas. Mas o pedido havia sido recusado, invocando legislação aprovada pelas duas câmaras do Congresso, especificamente para serem aplicadas a Portugal.
É, pois, particularmente frio, nessa altura, o relacionamento entre os dois países. Assim, quando o ministro dos Negócios Estrangeiros de então, Rui Patrício, é abordado pelo encarregado de Negócios da embaixada americana, Richard Post, no sentido de Portugal autorizar a aterragem, na base das Lajes, de aviões de carga que transportam equipamento militar para Israel, a resposta inicial é negativa. Aliás, na linha de igual reserva de neutralidade que a maioria dos países europeus (incluindo a Espanha) adopta, face ao legítimo temor de que os países árabes, produtores de petróleo, reajam com um embargo ao fornecimento da preciosa fonte de energia.
Face à recusa portuguesa, o Governo americano volta a insistir no pedido, agora de forma mais persuasiva. O Governo português, perante a insistência, julga ser o momento de exigir algo em troca.
Resumidamente, pelo Governo de Marcelo Caetano são colocadas as seguintes condições para a satisfação do pedido (a contraproposta portuguesa foi enviada para a embaixada portuguesa, em Washington, ao fim da tarde de 12 de Outubro, sexta-feira):
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Garantias de auxílio em caso de retaliações;
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Garantias sobre a não aprovação de legislação anti-portuguesa pelo Congresso dos EUA;
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Garantia de maior tolerância relativamente à política portuguesa no Ultramar;
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Execução escrupulosa do acordo sobre os Açores;
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Fornecimento dos mísseis Redeye.
A réplica americana, dirigida ao chefe do Governo português, chega no dia seguinte e é bem o tipo de “proposta irrecusável”:
“Caro Senhor Primeiro-Ministro: Este é um momento difícil para a paz mundial e para as relações entre Portugal e os Estados Unidos. O que nós estamos a fazer visa contribuir para o fim das hostilidades e para uma paz durável no Médio Oriente, mas precisamos da vossa cooperação. O nosso encarregado de Negócios explicou o que requeremos. Não podemos estar agora a regatear convosco na base de hipotéticos resultados que poderão advir da vossa cooperação.
Não podemos providenciar-vos as armas específicas pedidas pelo vosso Ministro dos Negócios Estrangeiros. Se forem ameaçados pelo terrorismo ou por um boicote de petróleo em resultado da vossa ajuda à paz mundial, estaremos dispostos a consultas bilaterais sobre as medidas que juntos poderemos tomar. Eu ficarei muito grato pela sua reflexão pessoal e cuidadosa acerca do que lhe exponho e do nosso problema comum. Sabe que o tempo é importante para ambos. Devo dizer-lhe com toda a franqueza, senhor Primeiro-Ministro, que a sua recusa em ajudar neste momento difícil forçar-nos-á a adoptar medidas cujos efeitos não podem ser outros senão os de melindrar a nossa relação. Se tivermos de procurar rotas alternativas, isso será um factor a recordar caso as contingências a que se refere o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros se verificarem (o MNE português aludira à questão da possibilidade de a proclamação da independência das chamadas “zonas libertadas” da Guiné-Bissau poder levar a um pedido de admissão do novo Estado nas Nações Unidas). Faço-lhe este pedido a si, pessoalmente, senhor Primeiro-Ministro. As melhores saudações. Sinceramente. Richard Nixon.” ( conforme publicado em Os Americanos e Portugal, de José Freire Antunes, pp. 258-259).
A resposta do Governo português, enviada para Washington ao começo da noite do mesmo dia (sábado, 13 de Outubro), quando os primeiros aviões americanos já vinham no ar, é do seguinte teor:
“Caro senhor Presidente: Recebi a sua mensagem e fará ideia da enorme responsabilidade que a resposta implica para mim numa ocasião em que me é impossível consultar os representantes dos órgãos constitucionais do país ou até os meus conselheiros pessoais e em pleno período eleitoral. Por outro lado, o risco que a decisão implica obrigaria em rigor a consultar também os países com os quais temos pactos de defesa, nomeadamente a Espanha. Vejo porém que o seu apelo é formulado em termos de extrema necessidade e não quero forçá-lo às medidas violentas que ele deixa supor. Nessas condições, vou instruir o meu Governo no sentido de autorizar a passagem dos aviões americanos, confiado na palavra de Vossa Excelência em que o meu país não ficará sem defesa no caso de prováveis consequências graves desta decisão. Sinceramente. Marcello Caetano” (Idem, p. 259).
De facto, quando o Governo português autorizou, em 13 de Outubro de 1973, a utilização da base das Lajes para reabastecer os aviões de transporte americanos com material destinado a Israel, durante a guerra de Yom Kippur, Rui Patrício insistiu com Kissinger para a obtenção de mísseis terra-terra e terra-ar, com prioridade para estes últimos (tipo Redeye), indispensáveis para a defesa da Guiné. Já depois dos acontecimentos, em 9 de Dezembro, o secretário de Estado:
Henry Kissinger, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício, tiveram um novo encontro em Bruxelas, por ocasião da reunião ministerial da NATO. Perante a insistência do ministro português no sentido de obter o fornecimento de mísseis para as Forças Armadas Portuguesas, Kissinger declarou que seria necessário encontrar um devious way para o conseguir, e que estava procurando uma fórmula apropriada, pois o Congresso americano nunca permitiria um fornecimento de armas a Portugal.
Assegurou ao ministro português que iria fazer tudo o que podia “ainda que tivesse de abater alguns colegas do State Department”. Em 17 de Dezembro Kissinger passou em Lisboa, num gesto de cortesia a que se sentia obrigado para com o Governo português. Jantou nas Necessidades e após a refeição teve um encontro restrito com o colega português a quem reiterou as afirmações que fizera em Bruxelas, sugerindo, no entanto, que seria de tentar um contacto directo com as autoridades israelitas que poderiam fornecer os mísseis que desejávamos obter. Disse que facilitaria esse contacto e, com efeito, o embaixador israelita em Washington encontrou-se com o embaixador português Hall Themido. Deste contacto, todavia, nada de positivo resultou, pois os israelitas não estavam dispostos a fazer qualquer fornecimento directo a Portugal. Kissinger remeteu-se então ao silêncio e, dado o carácter altamente secreto desta questão – acentuado pelo secretário de Estado americano quando esteve em Lisboa –, não foram praticadas quaisquer outras diligências pela parte portuguesa.