Os Estados Unidos
Neste período, a situação internacional caracterizou-se pela extensão da Guerra do Vietname aos países vizinhos. Os Estados Unidos, alegando que fora das fronteiras daquele país havia bases de apoio aos rebeldes, iniciaram, em Junho, os bombardeamentos das zonas do Laos dominadas pelos comunistas de Patet-Lao. O conflito entre o Vietname do Norte e os Estados Unidos agravou-se a 2 de Agosto quando, supostamente, lanchas de patrulha norte-vietnamitas atacaram o torpedeiro norte-americano Maddox, nas águas internacionais do golfo de Tonquim. Um incidente obscuro que, muito provavelmente, não existiu e foi inventado pelos círculos de poder de Washington para forçar a guerra contra o Vietname comunista. Assim, no dia 7 desse mês, o presidente norte-americano conseguiu do Congresso o apoio total para uma intervenção mais directa no conflito, mediante a “Resolução do Golfo de Tonquim”. A 1 de Dezembro, uma cimeira de especialistas políticos e militares com as agências de informação do Estado chegou à conclusão de que o seu aliado, Vietname do Sul, poderia cair caso não se realizasse um bombardeamento sistemático do Vietname do Norte, para o obrigar a negociar.
A agressividade externa norte-americana foi, em parte, contrabalançada pelo reconhecimento interno dos direitos civis dos afro-americanos, motivada, indirectamente, pelo radicalismo crescente da população norte-americana de cor. Um exemplo foi a criação, em Março, do Partido Nacionalista Negro, por Malcolm X, um dos dirigentes da Associação de Muçulmanos Negros. Finalmente, a 2 de Julho, depois de esta ter sido aprovada pelo Senado, o presidente Johnson assinou a lei dos Direitos Civis contra a discriminação racial. Mas, apesar disso, em muitas cidades estalaram conflitos interétnicos e continuaram as actuações discriminatórias da polícia, do Governo e do Ku Klux Klan.
Palestina
Outro acontecimento de grande importância foi, a 2 de Junho, a criação da Organização de Libertação da Palestina (OLP), na zona de Jerusalém sob administração jordana, agrupando quer os palestinianos expulsos das suas terras, quer os oriundos de Gaza e da Cisjordânia, que tinham visto alterar-se o seu mundo depois da criação do Estado de Israel. O seu objectivo era desencadear a luta pela libertação nacional, por todos os meios, sendo seu secretário-geral o general Yasser Arafat.
Mudanças na Rússia
O continente africano continuou a ser vítima da incapacidade das novas nações de construírem Estados integradores e funcionais. É evidente que uma parte dos seus problemas era atribuível à ingerência das superpotências, dentro do combate bipolar. A política externa da administração Johnson revelou-se inicialmente mais condescendente com a política colonial portuguesa. Mas, ao contrário, a política externa soviética para com Portugal endureceu, depois da destituição, a 14 de Outubro, de Nikita Kruschov pelo Comité Central do PCUS e, simultaneamente, incrementou a ajuda e colaboração com os movimentos de libertação. As críticas a Kruschov para o afastar foram as mesmas que ele próprio tinha feito a Staline: culto da personalidade e erros políticos. Foi substituído, como secretário-geral do PCUS, por Leonidas Breznev, e na presidência do Conselho de Ministros por Alexei Kosiguin.
Países vizinhos de Moçambique
Neste período, a geopolítica africana modificou-se consideravelmente, em especial nas fronteiras das colónias portuguesas. Em Zanzibar, país que se tinha tornado independente em Dezembro de 1963, deu-se, a 12 de Janeiro, um golpe de Estado sangrento que colocou no poder Abeid Amani Karume, levando o sultão a exilar-se. Os revolucionários constituíram um Governo de esquerda que proclamou a República e cortou relações diplomáticas com os Estados Unidos. Em Abril, uniram-se a Tanganica para criar a Tanzânia, com Julius Nyerere como presidente e o líder de Zanzibar como vice-presidente. Em breve, o compromisso anticolonialista do novo país seria sentido na fronteira norte de Moçambique.
A 6 de Julho deu-se a independência do protectorado britânico do Niassa, que adoptou o nome de Malawi. O seu novo presidente, Hastings Banda, dada a especial situação de enclave, do seu país, decidiu mantê-lo na Commonwealth e, como tinha fronteiras com Moçambique e com a Rodésia, que estavam nas mãos de governos brancos, mostrou-se conciliador com eles. A Rodésia do Norte também alcançou a sua independência a 23 de Novembro, adoptando o nome de Zâmbia, e tendo como presidente Kenneth Kaunda. Neste novo país, Portugal exerceu a sua capacidade de influência para impedir que apoiasse de forma activa os movimentos de libertação, pois a Zâmbia exportava cobre através da linha férrea de Benguela até ao porto angolano de Lobito. Contudo, estas alterações geopolíticas não deixavam de inquietar o regime salazarista, se bem que estas preocupações seriam parcialmente compensadas em Abril, com a chegada ao poder, na Rodésia do Sul, do líder da Frente Rodesiana (RF), Ian Smith.
Este, partidário da supremacia branca, substituiu o primeiro-ministro e também membro da RF, Winston Field, que, ainda que partilhando os mesmos princípios que Ian Smith, tinha mais dúvidas que este na hora da secessão e de ligar o destino do seu país a Portugal e à África do Sul. De facto, a cooperação entre Portugal e a Rodésia vinha de longe, uma vez que o porto e a linha de caminho-de-ferro da Beira eram a principal porta para as suas actividades comerciais. Por isso, a aliança entre Lisboa e Salisbúria concretizou-se imediatamente, quando a guerrilha da Zimbabwe African National Union começou a actuar na Rodésia, um mês depois da chegada de Ian Smith ao poder. Já em Julho, o cônsul português em Salisbúria, Freitas Cruz, assegurou o apoio português para quando os colonos declarassem a independência unilateral. Nesse sentido também se manifestou Salazar, com quem o líder rodesiano se encontrou em Lisboa, a 4 de Setembro.
Portugal e a África do Sul
A ditadura portuguesa também manteve uma excelente colaboração militar e económica com a República da África do Sul (RAS), a quem, nas vésperas da guerra em Moçambique, comprou material de transmissões e material de aquartelamento para o Exército, além de que pessoal e veículos militares sul-africanos se encarregaram de transportar por estrada até ao lago Niassa lanchas portuguesas que aí operaram desde meados desse ano. Esta aliança estratégica tornou-se clara quando, a 13 de Outubro, Pretória e Lisboa assinaram diversos acordos de cooperação técnica, económica e militar. A República da África do Sul, tanto pela sua política interna como externa, sofreu um crescendo de acusações na Conferência de Ministros dos Negócios Estrangeiros dos países membros da OUA, celebrada em Lagos, de 24 a 29 de Janeiro, que aí condenaram duramente a prática do apartheid. Em Março, devido a uma petição de 34 países africanos, foi-lhe retirado o direito de voto na Organização Mundial de Saúde. A esta campanha anti-segregacionista, uniu-se a ONU que, em Junho, aprovou uma resolução que seguia as directrizes estabelecidas pela OUA. E no mês seguinte, na cimeira de chefes de Estado e de governo africanos da OUA, realizada no Cairo, decidiu-se decretar um boicote económico à África do Sul, ao mesmo tempo que se planeava fazer chegar uma maior ajuda em todos os campos às organizações anti-apartheid e às que lutavam contra o colonialismo português.
Portugal e o Congo
A política portuguesa também foi questionada pelo secretário-geral da ONU, U Thant, quando, na terceira semana de Março, apresentou um relatório ao Conselho de Segurança, no qual se denunciava a presença, no Norte de Angola, de mercenários e gendarmes catangueses, com os quais Portugal pretendia desestabilizar o Congo. De facto, os catangueses faziam parte do dispositivo militar português, sob a designação de “fiéis” e o seu equipamento, manutenção e salários eram por conta de Lisboa, que os utilizou na guerra, bem como ao resto dos seus efectivos, da forma que mais lhe interessou.
Além do apoio da Rodésia e da República da África do Sul, o Estado Novo também contou com a política favorável do Congo-Leopoldville, pois o seu aliado, Moisés Tchombé, exilado em Espanha, pôde regressar ao seu país a 26 de Julho. O primeiro-ministro, Adoula, apresentou a demissão e foi substituído pelo líder catanguês que, secretamente, já se tinha mostrado partidário do entendimento com Portugal. A 1 de Agosto, o país mudou de nome, abandonando a denominação colonial de Congo-Leopoldville e adoptando a de República Democrática do Congo. Pouco tempo depois, as últimas tropas da ONU, que tinham chegado ao Congo em meados de 1960 para pacificar o país, abandonaram-no, mesmo este não estando ainda estabilizado. Em Outubro, os opositores de Tchombé, dirigidos pelo lumumbista Christopher Gbenyé, tomaram Stanleyville e fizeram centenas de reféns ocidentais, obrigando as tropas belgas a intervir, em Novembro. Tchombé era, para os não-alinhados, um agente do imperialismo ocidental e, por isso, não só não o convidaram para a sua II Conferência, realizada na capital egípcia em Outubro, com representantes de 47 Estados, como também aprovaram uma moção favorável aos rebeldes que lhe disputavam o poder.
Portugal, a França e a Alemanha
Em Portugal, o regime mostrou-se imutável. Durante este ano, Salazar não deu nenhumaentrevista à imprensa, nem se dirigiu à nação, nem fez declarações políticas que merecessem figurar nos seus discursos. O seu principal apologista, Franco Nogueira, diria desse período: “Perante o país, tem sido o silêncio”. De facto, o controlo do Governo foi total. A 11 de Janeiro, a Assembleia Nacional aprovou uma resolução apoiando por unanimidade a defesa intransigente da pátria, incluindo nela todos os territórios coloniais. Portugal, perante os entraves que os norte-americanos lhe impunham para que não empregasse material militar fornecido por eles fora do âmbito da NATO, decidiu diversificar os seus fornecedores, comprando esse material em França e na República Federal da Alemanha. Assim, em Abril, Lisboa permitiu ao Exército francês instalar uma base de rastreio de mísseis balísticos de médio alcance na ilha das Flores. Os projécteis eram lançados do centro de experimentação de Lande (França) e, a partir dos Açores, estudavam a sua trajectória. Em contrapartida, em Setembro, a França concedeu à Marinha portuguesa oito navios de guerra. Com o Governo de Bona as relações também eram muito cordiais. A RFA comprometeu-se a encontrar alternativas aos F-86 de origem norte-americana que Portugal tinha utilizado inicialmente na Guiné, mas que os Estados Unidos tinham obrigado a retirar. Depois de várias diligências, a Força Aérea Portuguesa pôde dispor do Fiat G-91, de origem italiana, mas fabricado sob licença pela RFA. Também em Março, o Governo alemão federal concedeu ajudas para a recuperação de militares mutilados na Guerra Colonial. No mês seguinte, o Governo assinou um acordo com o grupo siderúrgico alemão Krupp para a exploração das jazidas de ferro angolanas, de Cassinga.
Portugal e os Estados Unidos
A política americana em relação a Portugal foi-se tornando mais moderada, pois o objectivo da administração Johnson era apaziguar o regime de Salazar. De facto, muitos funcionários do Departamento de Estado responsáveis pelos assuntos africanos, ainda da era Kennedy, foram substituídos por outros mais maleáveis e mais concordantes com as teses de Lisboa. No entanto, o Executivo português tinha informações de que os Estados Unidos continuavam a subsidiar a FNLA e a FRELIMO e, por isso, em Fevereiro, não autorizou a instalação, nos Açores, de equipamento Loran-C para localização de submarinos em alto-mar, como lhe fora solicitado por Washington, embora permitisse que continuassem a utilizar a Base das Lajes, em troca do levantamento das restrições à compra de equipamento militar e de se absterem de hostilizar Portugal na ONU. Dentro desta mudança gradual de paradigma, o ex-secretário-adjunto da Defesa, Roswell Gillpatrick, visitou Angola e Moçambique em Agosto, e elaborou uma informação em que concluía que Portugal tinha realizado verdadeiros esforços para melhorar a vida das populações e que não havia alternativa válida à manutenção do domínio português em África. Corrigia-se, assim, uma informação da CIA, de Janeiro, que assinalava que, apesar dos milhares de soldados que Portugal tinha deslocado para África, o Executivo de Lisboa confrontava-se com problemas de ordem estratégica e de moral de combate. A mesma opinião tinha sido formulada, em Fevereiro, pelo Conselho de Segurança Nacional, para quem não se tratava de discutir se a África portuguesa viria a ser ou não independente, mas quando o seria. No meio desta ambiguidade sobre a atitude a tomar em relação à política portuguesa, Washington limitou-se a defender, nos fóruns internacionais, que Portugal deveria reconhecer o direito de autodeterminação das suas colónias, mas, por outro lado, não se mostrava disposto a votar contra os interesses do Governo de Lisboa na ONU. Foi o que aconteceu em Dezembro de 1964, quando a Assembleia Geral voltou a ratificar a legitimidade dos povos sob dominação lusa a lutarem pela sua independência, o que fez com que o ministro dos Negócios Estrangeiros considerasse abertamente abandonar as Nações Unidas.
MPLA
Paralelamente às manobras diplomáticas, os movimentos de libertação aumentaram a sua capacidade de actuação. Em Brazzaville, depois de ter superado a crise mais aguda da sua existência, o MPLA realizou, de 3 a 10 de Janeiro, no Salão dos Antigos Combatentes do Congo, a Conferência de Quadros e Militantes Activos. O objectivo era reorganizar a formação, procurando criar um núcleo dirigente coeso e adepto das teses de Agostinho Neto, reactivar a luta armada e conciliar os gastos da organização com a crescente redução de receitas. Quem se encarregou de preparar a comunicação foi Gentil Viana. Os debates foram ásperos e o seu texto foi sendo reiteradamente modificado até que se chegou ao ponto de criticar a direcção por ter constituído a Frente Democrática de Libertação de Angola (FDLA) e por não ter conseguido estabelecer uma base militar permanente no interior do enclave de Cabinda. Assim, as principais resoluções da conferência foram activar a frente de Cabinda e criar uma nova estrutura orgânica, a partir da constituição de um Conselho Nacional, com militantes com experiência organizativa, e de um Gabinete Político, encarregue de controlar a direcção do Movimento. Criava-se também um Conselho de Representantes, com funções de carácter honorífico, e, como elemento de cúpula, o Comité Director. Na prática, o Gabinete Político e o Comité Director acabaram por confundir-se. Também foi eleito presidente honorário do MPLA o então sacerdote Joaquim Pinto de Andrade, que se encontrava detido em Portugal desde 1960. A acção militar no enclave foi reforçada em Abril, com o envio de quadros importantes e de guerrilheiros treinados em Tiemecén (Argélia).
MPLA e GRAE
Em Fevereiro, Agostinho Neto participou em Londres numa conferência de imprensa conjunta com os dirigentes do PAIGC e da FRELIMO, para denunciar o colonialismo português. Outra delegação do MPLA deslocou-se, nessa data, a Lagos, na Nigéria, para intervir na Conferência de Ministros dos Negócios Estrangeiros da OUA e analisar a situação do nacionalismo angolano. Aí novamente se alertou para a necessidade de unidade orgânica entre o MPLA e a FNLA, para tornar o GRAE mais efectivo. Essa parecia ser então a posição defendida por Agostinho Neto, que começava a sentir-se mais forte devido à ajuda soviética. Mas o GRAE, para reforçar o seu lugar e evitar que, no futuro, a OUA questionasse o seu papel dirigente, autorizou o seu braço armado a iniciar, nesse mesmo mês de Fevereiro, uma ofensiva em diversas zonas do Norte de Angola, depois de ter reagrupado as suas unidades guerrilheiras e de as ter dotado de armamento moderno e de comandos mais bem treinados. Em Abril, o GRAE reforçou a sua frente política ao integrar Viriato da Cruz e os seus seguidores, que continuavam a ostentar a sigla do MPLA, o que contribuiu para manter a confusão nos organismos africanos e nos países apoiantes da causa anticolonial. Agostinho Neto queixou-se, então, de que grande parte dos problemas do seu movimento advinham da atitude do Governo de Leopoldville, que ajudava exclusivamente o GRAE, e com o qual era impossível qualquer acordo pois,
em sua opinião, boicotava sistematicamente todas as tentativas de unidade e impedia o acesso das suas forças à fronteira de Angola. Em Junho, o Comité de Libertação, da OUA, reunido na capital da Tanzânia, apoiou o reconhecimento do GRAE como representante de Angola perante aquele organismo.
Em Julho, realizou-se no Cairo a Conferência Cimeira dos 34 países africanos independentes. Um dos pontos da ordem do dia foi a informação do Comité de Libertação sobre a situação das colónias portuguesas. Nela se pedia a continuação da solidariedade com os movimentos de libertação, sendo ratificado o acordo do mês anterior de dar o reconhecimento exclusivo ao GRAE como representante de Angola, aconselhando todas as forças nacionalistas a integrarem-se nele. Esta posição foi contestada pelo presidente do Congo Brazzaville, Massemba-Debat, que denunciou o GRAE como um instrumento do imperialismo e pediu que se apoiasse também o MPLA. Para esse fim, constituiu-se uma subcomissão para averiguações mas, quando esta se reuniu no Cairo, a 18 de Outubro, o MPLA foi a única organização presente, pois o GRAE não queria partilhar com o MPLA o estatuto de organização combatente e, ao mesmo tempo, conseguia assim invalidar os esforços da OUA para unificar as diversas organizações nacionalistas. Contudo, perante a impossibilidade de continuar com o processo de convergência nacional em Angola, a 16 de Novembro o Comité de Libertação da OUA decidiu ajudar, além do GRAE, o MPLA. Era a constatação do desprestígio da direcção de Holden Roberto.
Neste descrédito o papel mais destacado coube a Jonas Malheiro Savimbi, secretário-geral da UPA desde 1961 até Maio de 1964, e que acabou por abandonar o GRAE, onde desempenhava o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. Em Julho, deu uma conferência de imprensa no Cairo, onde afirmou que Holden Roberto era uma criação dos Estados Unidos para manter o nacionalismo angolano dividido, e denunciou as suas ligações com a CIA e com os conselheiros norte-americanos que colaboravam com ele e com o Governo de Adoula. Segundo as suas palavras, o principal chefe militar do Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA), que era a denominação da guerrilha da FNLA, era um oficial norte-americano com
experiência de luta guerrilheira no Vietname do Sul, Bernhard Manhertz. Além disso, ainda acusou a FNLA/GRAE de ser tribalista e de estar nas mãos dos bacongos.
A intervenção de Jonas Savimbi foi preparada em conjunto com o MPLA, a quem este tinha pedido ajuda para passar, de Leopoldville para Brazzaville, uma dezena e meia de umbundos que estavam consigo na FNLA. Os partidários de Agostinho Neto encarregaram-se de ir buscá-los de canoa ao outro lado do rio Congo, que separa as duas cidades. Jonas Savimbi juntou-se-lhes mais tarde no quartel-general do MPLA em Dolisie (Congo-Brazzaville) e encetaram-se negociações para que ele e os seus seguidores se integrassem no movimento, mas não chegou a haver entendimento. A 11 de Dezembro, publicou em Brazzaville o manifesto “Aos Amigos de Angola”, no qual, além de exigir a independência da sua pátria, procurava a cooperação de todos os movimentos de libertação angolanos face ao inimigo comum. O partido de Agostinho Neto beneficiou também da deserção de uma parte da direcção do GRAE. Essas deserções e a subsequente falta de entendimento entre os seus dirigentes provocaram várias desordens no acampamento de Kinkuzu, no Congo-Leopoldville, o que causou um grande mal-estar entre as autoridades congolesas e os partidários de Holden Roberto, pois estes estavam continuamente envolvidos em escândalos que prejudicavam também o Governo de Leopoldville, seu principal defensor. No entanto, a FNLA/GRAE ainda dispunha de grande reconhecimento internacional. Na Conferência Internacional dos Sindicatos Livres, realizada em Adis-Abeba, em Abril, a única representação angolana foi a sua, através do seu vice-primeiro-ministro Emmanuel Kounkiza, e o mesmo sucedeu em Dezembro, na Conferência Internacional sobre “O papel das mulheres na luta para a paz e o desenvolvimento”, realizada no lado judeu de Jerusalém e patrocinada pelo Governo de Israel, sendo a representante de Angola Juliana Manuel Mamede, secretária-geral da Associação de Mulheres Angolanas (AMA), vinculada às organizações que Holden Roberto dirigia.
Guiné – Batalha do Como e Congresso do PAIGC
Na Guiné-Bissau, onde a proliferação da actividade guerrilheira tinha desmoralizado profundamente as chefias portuguesas, as autoridades coloniais decidiram passar à ofensiva a 15 de Janeiro, atacando a região do Como, que o PAIGC ocupava desde Fevereiro de 1963 e que era constituída por três ilhas: Como, Catungo e Caiar. Estas ilhas eram muito importantes estrategicamente pois, a partir delas, a guerrilha atacava o lado continental da colónia e, além disso, dificultava a navegação pelo Sul e cortava as linhas de reabastecimento do Exército português. Nesta operação, que durou 71 dias, Portugal mobilizou cerca de 1200 homens, do Exército, Marinha e Força Aérea, calculando-se que o número de guerrilheiros na zona não excederia os 300, se bem que contassem com o apoio da população local. Os portugueses recuperaram finalmente as ilhas a 24 de Março. Segundo fontes oficiais, sofreram nove mortos, cerca de 50 feridos em combate e 193 por doença. Calcula-se, também, que cerca de 85% das tropas tiveram de receber qualquer espécie de tratamento médico, devido às difíceis condições de vida resultantes dos combates na selva tropical, às picadas de insectos, à intoxicação com água salobra e à falta de condições higiénicas. Além disso, durante largos períodos de tempo, as refeições consistiam em rações de combate enlatadas, o que dá ideia das dificuldades das operações. Uma vez recuperado o território e durante 60 dias, os portugueses estabeleceram em Como uma guarnição. Ao fim desse tempo, a guerrilha voltou a instalar-se ali, obrigando,
desde então, o comando português a recorrer a acções armadas pontuais para que aquela não se sentisse segura nas suas posições. Mas a verdade é que o PAIGC conseguiu controlar completamente a zona.
A batalha do Como converteu-se assim num dos combates mais importantes de toda a Guerra Colonial. Paralelamente, o PAIGC realizou o seu I Congresso, em Cassacá, de 13 a 17 de Fevereiro, que serviu para acabar com os reinos de taifas criados nos diversos acampamentos, em que os abusos dos guerrilheiros sobre a população civil foram denunciados e corrigidos, com a detenção de muitos chefes, alguns dos quais seriam mesmo executados sumariamente. O congresso serviu para ampliar as suas bases de apoio, acabando com a fase anárquica que tinha caracterizado a primeira etapa da luta pela libertação. Decidiu-se então criar serviços educativos, sanitários, judiciais e económicos próprios, e tomaram-se medidas para que a população também participasse na vida política. A nível militar, decidiu-se criar as Forças Armadas Revolucionárias do Povo, a partir da selecção dos melhores guerrilheiros, combinando-se a sua actuação com a dos destacamentos guerrilheiros e a das milícias de protecção criadas em cada aldeia. Também se diferenciaram claramente as funções militares das civis e formaram-se comandos inter-regionais. Reorganizaram-se as estruturas do partido, constituindo-se o Comité Central, integrado por 65 membros, repartidos em sete comissões: Negócios Estrangeiros, Segurança, Economia e Finanças, Acção Política nas Forças Armadas, Controlo Político das Forças Armadas e do Partido, Secretariado de Formação Política e Organização do Partido entre as massas. Também se constituiu o Gabinete Político com 20 membros efectivos e cinco suplentes, destacando-se Amílcar Cabral, Luís Cabral, Aristides Pereira, Nino Vieira e Rafael Barbosa, detido pelos portugueses desde 1962 e que foi eleito presidente honorário do Comité Central, enquanto Amílcar Cabral era reeleito secretário-geral. Outra decisão do congresso foi estender a guerra a todo o país, para dificultar a repressão sobre as áreas sublevadas do Sul. Assim, pouco depois, a guerrilha chegou ao Norte e, a partir de Oio, à fronteira com o Senegal; chegou a Noroeste, à zona do Boé, realizando a sua primeira acção sobre Guileje. Também cortou a estrada entre Bula e São Vicente, a única via de comunicação entre Bissau e a região fronteiriça a norte do rio Cacheu. Acrescente-se a esta situação que, graças à ajuda militar soviética, o PAIGC dispôs pela primeira vez de metralhadoras pesadas de calibre 12,7mm, de minas anticarro detonadas à distância e de morteiros de 82mm, que tanto sucesso tinham no ataque às bases americanas do Vietname do Sul.
Guiné – outros movimentos
Simultaneamente, o Movimento de Libertação da Guiné (MLG), dirigido por François Mendy, atacou em Março a povoação de Sano, em Abril a de Ingorezinho e em Outubro a de Nhambata, mas tratava-se de acção isoladas, em que os atacantes se refugiavam do outro lado da fronteira, depois das emboscadas, revelando a sua incapacidade de estabelecer bases no interior do país. Além disso, estas operações tinham mais de banditismo do que de resistência anticolonial, ou pelo menos assim o entenderam um grupo de manjacos que, em Março, denunciaram Mendy por enviar os seus homens à Guiné-Bissau para assaltar as populações, provocando mortes e roubando vacas que depois vendiam na Gâmbia. Em finais desse ano, a maior parte do MLG acabou por se integrar na Frente de Libertação Nacional da Guiné (FLING).
Outra força rival do PAIGC foi a FLING, que nessa época tinha o apoio do presidente Leopold Senghor, que considerava que o PAIGC estava enfeudado à URSS e que representava um problema para a segurança do país, por se ter estabelecido junto da fronteira de Casamança. Esta região do sul do país foi integrada na África Ocidental Francesa em 1908, depois de ter pertencido secularmente a Portugal, e sempre se mostrou insubmissa a Dacar, levando Leopold Senghor a crer que o mimetismo com o PAIGC poderia arrastar a região para a luta armada. Por isso, o Governo do Senegal, através da FLING, procurou uma saída negociada e pacífica para a descolonização da Guiné-Bissau. Mas o preço que a FLING pagou por não empregar a violência foi a sua paralisação e, por isso, sofreu cisões contínuas. Em Maio, o seu secretário-geral, Jonas Mário Fernandes, escreveu uma carta ao ministro português do Ultramar solicitando uma entrevista secreta em Lisboa, aproveitando uma próxima visita sua a Paris. Tentava assim dar continuidade aos contactos iniciados no ano anterior por Benjamim Pinto Bull. Mas esta nova tentativa de diplomacia secreta não teve resultados porque Leopold Senghor teve receio de se comprometer demasiado com um movimento com pouco prestígio. Também Portugal se desentendeu com a FLING porque esta, em última instância, também procurava a independência e, ainda que fosse por meios pacíficos, não interessava a Portugal. Além disso, este grupo continuou a demonstrar a sua falta de coesão interna, como voltou a verificar-se com o caso de Manuel Lopes da Silva, dirigente que tinha assistido, em Maio, à Conferência da OUA, em Dar es Salam, cujo Comité de Libertação lhe deu uma substancial soma em dinheiro que, presumivelmente, terá desviado. Nessa mesma altura, também a ajuda da Libéria à FLING não terá chegado à organização, circulando rumores de que o próprio secretário-geral, Jonas Mário Fernandes, teria ficado com ela. Este mal-estar provocou a substituição, em Julho, da direcção da organização, passando Lopes da Silva a secretário-geral e Henry Labery a seu braço-direito. Em Outubro, mantiveram conversações com o PAIGC para tentarem criar um movimento de libertação único, mas Jonas Fernandes opôs-se, denunciando o facto de tanto a facção da FLING a que se opunha como o PAIGC estarem dominados pelos cabo-verdianos e, por esta razão, afastou-se do partido mas continuou a utilizar a sua sigla, o que aumentou a confusão.
O Senegal e o PAIGC
Não é de estranhar que, neste ambiente de descrédito em que se encontrava a FLING, a Comissão Especial da ONU para as colónias portuguesas aprovasse a exposição apresentada pelo PAIGC sobre a situação da Guiné-Bissau. Também a OUA acabou por reconhecer expressamente o PAIGC como representante dos povos da Guiné e Cabo Verde. Este reconhecimento levou o presidente do Senegal a receber o secretário-geral do PAIGC, Amílcar Cabral, depois de, num incidente na fronteira comum, guerrilheiros do PAIGC terem morto um oficial senegalês. A reunião serviu para dissipar algumas dúvidas de Senghor em relação à dependência desta formação das orientações do Governo da Guiné-Conacri e, a partir daí, autorizou a passagem de armamento pelo seu território. Também pediu a reconciliação entre o PAIGC e a FLING, para que formassem uma frente única em que os sectores anticolonialistas mais moderados da FLING pudessem diluir o radicalismo do PAIGC. Fruto deste pedido foi o encontro realizado em Outubro, entre ambas as formações, que voltou a não ter êxito, entre outras razões, pela falta de entendimento entre os diversos sectores da FLING. Mas, em finais de 1964, quando a contestação ao Governo de Dacar cresceu em Casamança, as autoridades senegalesas voltaram a dificultar seriamente as actividades do PAIGC.
Arnaldo Schultz
Os crescentes problemas de Portugal na Guiné são evidenciados pelo facto de que, nos primeiros 16 meses de conflito, foi necessário substituir quatro vezes o responsável militar, até à chegada, em Maio de 1964, do general Schultz. Este assumiu simultaneamente o comando político e militar e iniciou uma mudança de estratégia, que consistiu em ocupar todo o território, dividindo-o em quadrícula, colocando em cada uma delas forças estáticas para assegurar o seu controlo, e grupos móveis para perseguir e neutralizar o inimigo. Para reforçar a população fiel a Portugal criaram-se, em Dezembro, milícias nativas para protegerem as suas tabancas, iniciando-se aqui uma crescente africanização da guerra.
Moçambique
Em Moçambique, desde princípios de 1964 que a situação era de pré-insurreição. A 15 de Abril, foi declarado o estado de emergência a norte do rio Zambeze e reforçaram-se as unidades existentes com mais 2500 soldados. Mas, para mostrar que, apesar dos maus augúrios, reinava em todo o império português a paz e a tranquilidade, o presidente da República, Américo Tomás, fez uma visita oficial à colónia. Partiu de Lisboa a 6 de Julho, no paquete Príncipe Perfeito, e chegou a Lourenço Marques a 23 de Julho. Aqui, depois de passar revista às tropas que lhe rendiam homenagem, e perante a população que o esperava, fez um discurso afirmando que, se todos os portugueses se mantivessem unidos, a vitória sobre os inimigos da pátria seria certa. Nos dias seguintes realizou um amplo périplo pelo país: Beira, Porto Amélia, Nacala, ilha de Moçambique e Nampula. A 7 de Agosto regressou de avião a Lisboa, depois de uma escala em Angola.
Em Moçambique, ainda que formalmente não tivesse estalado o conflito, guerrilheiros da FRELIMO, vindos da Tanzânia, e que tinham recebido treino militar na URSS e na China, entraram clandestinamente no país e começaram a preparar os distritos de Cabo Delgado e de Niassa para a futura insurreição militar. Em finais de Junho, chegaram ainda à Tanzânia 17 guerrilheiros treinados em Israel. De facto, nessa época, o Governo judeu, além da ajuda económica, dava à FRELIMO bolsas de estudo e formação de pessoal de apoio sanitário, através da Cruz Vermelha israelita. Por outro lado, os serviços de informação portugueses também conheciam a influência do sionismo na Tanzânia, onde o judeu Ernest Vasey, antigo ministro das Finanças de Tanganica e, mais tarde, alto funcionário do Banco Mundial, era um dos principais conselheiros de Julius Nyerere, o que assegurava a inter-relação entre o partido independentista de Moçambique e os governos da Tanzânia e Israel. Com o objectivo de desencadear a luta armada, a FRELIMO reestruturou-se, a 1 de Julho, numa reunião da sua direcção em Dar es Salam, separando a estrutura político-administrativa do aparelho militar e criando as primeiras quatro regiões militares.
A dispersão da FRELIMO pelos distritos do Norte foi precedida pela execução de muitos chefes tradicionais, especialmente na zona maconde, por serem contra a guerra. Este clima de violência foi conhecido pelas autoridades coloniais, que tinham criados equipas especiais de recolha de informações, cujo núcleo eram militares que se faziam passar por caçadores profissionais mas que, na realidade, montaram uma rede de espiões e confidentes que cobria especialmente as fronteiras do Norte. Por outro lado, adiantando-se aos planos insurreccionais da FRELIMO, um grupo de dissidentes que tinha reconstituído a Mozambique African National Union (MANU), sob a direcção de Lucas Fernandes, e que iniciou a actividade armada em Cabo Delgado, ainda que não dispusessem de armamento moderno, pois tinham apenas canhangulos, espingardas Lee Enfield 7,7mm e caçadeiras. Realizaram a sua primeira acção a 14 de Agosto, quando mataram um guarda auxiliar da PSP, Martins, na zona de Mueda. Posteriormente, a 21, em Esposende, dispararam dois projécteis sobre o veículo de um europeu, sem o ferir. Três dias mais tarde, assaltaram a missão de Nangololo, assassinando o padre católico holandês Daniel Boormans e ferindo o moçambicano Ernesto Dinagomo. Também saquearam e destruíram diversas cantinas de indianos, com o objectivo, não só de se abastecerem, mas também de destruir uma das fontes de informação portuguesas, pois achavam que era nelas que a PIDE recebia notícias do inimigo. Em Outubro, fontes militares portuguesas souberam da destruição de mais três cantinas e de um assalto a outra. Mas esta guerrilha improvisada foi neutralizada com relativa facilidade pelas tropas portuguesas e Lucas Fernandes foi detido e julgado por um tribunal militar em Lourenço Marques.
FRELIMO
Por seu lado, e para não serem ultrapassados pela acção dos seus rivais, os guerrilheiros da FRELIMO enviaram, na segunda quinzena de Agosto, a partir da base de Mtwara (Tanzânia), três grupos de guerrilheiros para o distrito de Cabo Delgado: um, destinado a actuar na região de Pemba de Macomia; outro, para a zona de Mueda; e o terceiro, para Montepuez. Só o grupo de Mueda, dirigido por Raimundo Pachinuapa, conseguiu consolidar-se no terreno, uma vez que as anteriores acções da MANU, consideradas mais próprias de bandidos do que de um movimento de libertação, tinham feito com que as populações da zona colaborassem com os serviços de informação portugueses. Por isso, a FRELIMO decidiu organizar acções ofensivas que marcassem a diferença em relação aos seus oponentes. Assim, a 24 de Setembro, no Norte de Cabo Delgado, cortaram estradas com árvores e com buracos, destruíram pontes e cortaram linhas telefónicas. Também dispararam, sem consequências, sobre o posto administrativo de Cobué, perto do lago Niassa. Mas a sua acção mítica fundacional, e tida pela própria organização como a marca do início da luta armada, deu-se na noite do dia seguinte, com o ataque ao posto administrativo de Chai (Cabo Delgado). Chai encontra-se a apenas 10 km da fronteira da Tanzânia, e um destacamento de 12 guerrilheiros, sob o comando de Alberto Chipande, teria alvejado nervosa e rapidamente diversos edifícios. Mas a diferença em relação ao que sucedeu em Cobué é que neste o relatório oficial dizia que não tinha havido vítimas entre os portugueses, e no que foi redigido por Chipande sobre Chai afirmava-se que sim. Foi por esta razão que a FRELIMO atrasou em 24 horas o início da guerra, procurando que começasse com uma acção heróica. No entanto, não é claro se o que aconteceu em Chai foi exactamente o que Chipande relatou, pois ele próprio acabou por dar diferentes versões dessa operação, variando o número de vítimas. Por outro lado, testemunhas dos factos afirmaram que nesse ataque não houve baixas presenciais. Mas, a partir de então, os incidentes violentos não pararam de aumentar. No dia 26, atacaram com armas automáticas a lancha Castor, no Lago Niassa. Em Novembro, aconteceu a primeira acção da FRELIMO na zona de Tete, com o ataque a um posto militar em Mutarara. Receando que a guerra longínqua viesse a ter o apoio das elites negras urbanas, a PIDE, em Dezembro, realizou uma ampla operação em Lourenço Marques, detendo simpatizantes e supostos colaboradores da guerrilha, entre os quais se encontravam muitos membros da intelligenza de Moçambique, como os escritores José Craveirinha, Luís Honwane, Rui Nogar e o pintor Malangatana Valente.
A Igreja
A Igreja Católica, que se tinha tornado universal com a expansão colonial ibérica, acabou por se desligar do seu passado depois do Vaticano II e, por isso, a hierarquia eclesiástica romana, considerando que a Guerra Colonial representava um desprestígio para o Estado Novo, iniciou um lento mas significativo afastamento. Em Dezembro, o Papa Paulo VI visitou a Índia, o que o regime considerou uma afronta, pois à margem da visita pastoral o Papa condecorou Pandita Nehru, o que bem podia considerar-se como uma aprovação política do agressor do Estado Português da Índia. Além disso, o Sumo Pontífice deixou-se fotografar na sua companhia, em Goa, junto ao túmulo do apóstolo das Índias, S. Francisco Xavier. Salazar teria dito ao seu ministro dos Negócios Estrangeiros, segundo este relatou, que enquanto ele vivesse Paulo VI nunca poria os pés em Portugal. De facto, Salazar descobriu naquela altura que o diferendo que mantinha com o Vaticano não se devia exclusivamente ao exílio do bispo do Porto.
A Oposição e Humberto Delgado
Também foi gradual, dentro do Estado Novo, o distanciamento da Oposição em relação à questão colonial. Depois da II Conferência da FPLN, realizada em Praga, em finais de 1963, o general Delgado foi designado presidente da sua Junta Revolucionária, encarregue de acelerar a mobilização popular. Mas o general teve de ser operado no Statni Sanatorio da capital checa, duas vezes, a 21 de Janeiro e a 3 de Fevereiro, a uma hérnia estrangulada, passando cinco meses no hospital. A 27 de Junho, pôde então deslocar-se à Argélia para tomar posse do cargo no novo grupo de oposição. Em Argel, foi recebido por Ben Bella com honras de chefe de Estado mas Humberto Delgado, em vez de se acomodar, fez saber a todos que tinha pressa em concretizar um golpe de Estado em Portugal e nesse objectivo colocou todas as suas forças, o que provocou desavenças com o PCP, que dizia preferir uma revolução popular. Por isso, Humberto Delgado cedo se desentendeu com o representante deste partido, Pedro Ramos de Almeida, que não concordava em que se direccionassem todos os esforços para uma aventura que não era segura. Além disso, o general Delgado rodeou-se de pessoas desconhecidas da Oposição, o que a esta não agradou nada porque estava habituada a privilegiar a segurança sobre o imediatismo das acções. O guevarismo estava na moda e, de facto, para amplos sectores da Oposição, a Argélia e a sua luta pela libertação eram um referente, mas em Argel os portugueses exilados viviam em permanente clima de confronto entre os diversos sectores oposicionistas e Humberto Delgado acabou por não encaixar em nenhum deles. Também o seu presidencialismo lhe granjeou grandes inimizades, especialmente quando, nesse Verão, começou a organizar a III Conferência da FPLN, à qual queria enviar como seus delegados Mário de Carvalho, seu representante pessoal em Roma, e Henrique Cerqueira, residente em Marrocos, os quais a Oposição identificava como sendo agentes da PIDE. Apesar disso, em meados de Agosto, ainda se avistou com Álvaro Cunhal em Argel e, como era previsível, não chegaram a acordo, pelo que, no dia anterior à abertura da III Conferência da FPLN, em Setembro, Humberto Delgado e alguns dos seus colaboradores mais próximos abandonaram a Argélia. Segundo Patrícia Pinheiro, o general foi em Outubro a Roma, onde foi novamente operado na clínica do Dr. Valdoni, e em meados desse mês, a partir de Paris, emitiu um comunicado em nome da Frente Portuguesa de Libertação Nacional (tendo pois substituído “Patriótica” por “Portuguesa”), dizendo que se tinha realizado a conferência da sua FNLP num lugar não especificado da fronteira portuguesa, o que não era verdade. Mas é verdade, sim, que Humberto Delgado decidiu reunir-se com os seus colaboradores na zona da raia, convencido por dois agentes da PIDE infiltrados no seu círculo íntimo desde o início do ano: Ernesto Lopes Ramos, que utilizava o nome falso de Ernesto Castro de Sousa, e Mário de Carvalho, que tinha como camuflagem o nome de “Oliveira”. Deste sabe-se que recebia da polícia política uma mensalidade de 10 000 escudos e que, depois do assassinato do general, recebeu mais 6000 escudos. Foram eles que levaram o general directamente de encontro à morte.
Apesar da partida de Humberto Delgado, a III Conferência da FPLN realizou-se em Argel, em Outubro, evidenciando-se claramente a ruptura entre o general e o organismo unitário oposicionista. A maior parte dos presentes eram próximos do PCP e as suas resoluções não tiveram nenhuma repercussão, pelo que a organização foi paralisando. Mas antes disso, a FPLN teve a virtude de desmistificar um dos pilares mais sagrados da tradição republicana e do salazarismo: a sacrossanta unidade entre Portugal e o seu império, sem a qual não seria possível assegurar a sobrevivência da nação. De facto, a 8 de Março, duas delegações, uma da FPLN e outra do PAIGC, tinham-se encontrado em Argel, redigindo depois um comunicado em que se dava conta da concordância com a descolonização, entre a Oposição política portuguesa e os movimentos de libertação, o que fez com que a PIDE, num gesto invulgar, publicasse um comunicado em que acusava o general Delgado de conluio com os “grupos terroristas africanos”.
Mas não era só a oposição mais radical que enveredava por esse caminho. Também a reformista Acção Democrática e Social, em Abril, reconheceu, com condicionantes, o direito de autodeterminação das colónias, ao assinalar que este devia processar-se garantindo os direitos e interesses económicos e sociais de Portugal. Esta reorientação doutrinal dos meios democráticos foi influenciada pelo desejo de acabar com uma guerra que consideravam injusta. E, nesse Verão, o capitão da Força Aérea José Ervedosa denunciou, com profusão de detalhes, os bombardeamentos com napalm em Angola, nos quais tinha participado, para sufocar a sublevação da Baixa do Cassange. As suas revelações tiveram enorme repercussão internacional, ainda que em Portugal só tenham sido conhecidas por alguns sectores da Oposição muito minoritários, em virtude da censura vigente. Mas este e outros casos similares sobre as brutalidades da Guerra Colonial foram sistematicamente divulgados pela Rádio Voz da Liberdade, que emitia a partir de Argel, dirigida pelo poeta Manuel Alegre.
Em Abril, o PCP sofreu uma cisão quando um sector pró-chinês constituiu o Comité Marxista-Leninista Português, que queria passar à luta armada para ultrapassar o impasse a que tinha conduzido, segundo eles, a política revisionista de Álvaro Cunhal. Mas a novidade mais importante no campo político foi a fundação da Acção Socialista Portuguesa, em Novembro, em Genebra. Os seus principais patrocinadores foram Mário Soares, Tito de Morais e Francisco Ramos da Costa. Contavam também com o apoio de sectores de exilados na Suíça e em Itália e, ainda que nessa altura este facto não tenha sido valorizado, acabou por ter grande importância, pois veio a ser o núcleo do futuro Partido Socialista.
O clima de hostilidade perante a política africana de Portugal tornou-se tão denso que, a 21 de Dezembro, a Assembleia Geral da ONU voltou a reconhecer a legitimidade da luta dos povos contra a política do Governo de Lisboa. E o ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira, voltou a colocar em público a hipótese de Portugal abandonar as Nações Unidas.
1964 – Unidades Mobilizadas
Angola
Observações:
1- Esta Unidade foi formada em Angola, mas com elementos seleccionados e retirados a dez pelotões independentes que tinham sido mobilizados na metrópole. A data de embarque indicada é a de partida desses pelotões independentes da Metrópole para Angola.
* Foi substituído no comando da Unidade por um outro oficial que não foi possível identificar.
As datas realçadas a azul referem-se aos presumíveis dias de embarque, que não foi possível confirmar.
As datas realçadas a amarelo referem-se aos presumíveis meses de embarque, que não foi possível confirmar.
A informação realçada a vermelho não foi possível confirmá-la.
Fontes
– AAVV, Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 2º Volume – Angola, Lisboa, EME/CECA, 1989.
– Engenharia Militar Portuguesa – Livro Comemorativo dos 350 Anos, 1º Volume, DSE/EPE, 1997.
– AHM/DIV/2/2 (Histórias de Unidades de Angola).
– AHM/FO/7/B (Ordens de Transporte).
Guiné
Observações
1 Data em que a CCav 0678 foi transferida de Cabo Verde, onde se encontrava em comissão, para a Guiné a fim de reforçar os efectivos do CTIG.
Fontes
– AAVV, Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 7.º Volume – Fichas das Unidades, Tomo II (Guiné), Lisboa, EME/CECA, 2002.
– AHM/DIV/2/4 (Histórias de Unidades da Guiné).
Moçambique
Observações
1 Data em que a Unidade foi transferida de Macau, onde se encontrava em comissão, para Moçambique a fim de reforçar os efectivos da RMM.
** Para além deste, a Unidade teve, pelo menos, mais um comandante que não foi possível identificar.
As datas realçadas a azul referem-se aos presumíveis dias de embarque, que não foi possível confirmar.
As datas realçadas a amarelo referem-se aos presumíveis meses de embarque, que não foi possível confirmar.
A informação realçada a vermelho não foi possível confirmá-la.
Fontes
– AAVV, Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 4º Volume – Moçambique, Lisboa, EME/CECA, 1989.
– Engenharia Militar Portuguesa – Livro Comemorativo dos 350 Anos, 1º Volume, DSE/EPE, 1997.
– AHM/DIV/2/7 (Histórias de Unidades de Moçambique).
– AHM/FO/7/B (Ordens de Transporte).
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