O Catanga e os mercenários
A estratégia da Bélgica para a concessão da independência ao Congo foi definida por um conjunto de grandes interesses que incluíam a Union Minière du Haut Katanga (UMHK), a Société Générale, o Governo belga, Oppenheimer (De Beers) e a Tanganyika Concessions, que exploravam as riquezas do território. Este grupo começou por apoiar a secessão do Catanga e Tchombé enquanto o “comunista” Lumumba foi presidente. Tendo conseguido eliminar Lumumba, passou a controlar a totalidade do Congo através de um dos seus sargentos, Mobutu, e Tchombé foi descartado e enviado para o exílio em Madrid.
Os simbas
Com Mobutu instalado em Leopoldville tudo parecia correr bem se não tivesse ocorrido um daqueles casos vulgares da aparição de uma personagem fora das normas: Pierre Muléle, misto de visionário, feiticeiro e agitador de massas, que tinha sido ministro da Educação e das Artes de Mobutu e que se colocou à cabeça de uma revolta, convencendo os seus adeptos e levando-os a acreditar que, tomando uma “poção mágica”, uma droga apelidada “Mai Muléle” em homenagem ao líder, se transformavam em leões (simba) imunes às balas do inimigo. Por esta razão a insurreição de Muléle, que propunha acabar com a influência ocidental no Congo, passou a ser conhecida como a “Revolta Simba”.
O regresso de Tchombé
Alarmado com o sucesso inicial desta revolta e querendo granjear a simpatia das potências ocidentais, Mobutu, num espectacular “volte-face”, convidou Moisés Tchombé a regressar ao Congo, desta vez como primeiro-ministro de todo o país. Tchombé gozava no exílio de Madrid a fortuna que tinha extorquido do Catanga e a que a Union Miniére lhe tinha adiantado, mas, surpreendentemente, aceitou o convite!
Entretanto, os simba conquistaram Stanleyville (Kisangui) e, como bando de drogados, atacaram o consulado americano, tomando os funcionários e as suas famílias como reféns. Foi um erro fatal para Muléle, porque o Governo dos EUA só esperava um pretexto para intervir. Lançou a CIA em campo para organizar uma companhia fictícia de aviação para apoiar uma operação de resgate, enquanto no terreno Mobutou contratava os serviços dos mercenários Mike Hoare, Bob Denard e do belga Jacques Schramme.
Mercenários e futuras companhias militares privadas
O Congo foi o primeiro laboratório para as futuras companhias militares privadas que se associaram às grandes companhias mineiras e petrolíferas para a exploração de recursos em territórios politicamente inseguros. Após a derrota dos simba, Mobutu terminou o contrato de Hoare e demitiu Tchombé, que voltou a exilar-se em Espanha. Suspeitando da fidelidade de Schramme, Mobutu enviou Bob Denard para desarmar o X Comando. Acreditando que os seus mercenários seriam os próximos a serem desarmados, Denard informou Schramme e juntos iniciaram a chamada “Revolta dos Mercenários”. Schramme marchou sobre Bukavu que conquistou sem grande dificuldade, mas Denard, que tinha sido gravemente ferido no combate pelo controlo de Stanleyville, foi evacuado para a Europa, não chegando a juntar-se a ele, apesar de ter tentado a frustrada “invasão das bicicletas” a partir de Angola.
Depois de ter ficado durante vários meses sitiado em Bukavu, abastecido por lançamentos de carga organizados pela companhia rodesiana ATA (Air Trans-Africa) a partir da cidade de Henrique de Carvalho, na fronteira Nordeste de Angola, Schramme e o que restava do seu X Comando atravessaram a fronteira e entregaram as suas armas. Estava acabada mais uma revolta do Congo, mas não seria a última.
O apoio português
O Governo português, cujo primeiro-ministro afirmava defender a civilização cristã ocidental, apoiou aberta e continuamente Tchombé de 1960 até 1967. A maior parte das suas forças, os chamados “gendarmes catangueses”, foram praticamente anexados ao Exército português, sendo por este pagos, alimentados e equipados desde que se apresentaram, após o fim da tentativa de secessão do Catanga até à data da independência de Angola, dando origem a uma força irregular designada por «Fiéis». Os mercenários contratados por Tchombé foram sempre, e após todas as suas aventuras, recebidos em Angola e em Portugal.
Desestabilizar os vizinhos e dificultar a acção das Nações Unidas para justificar a recusa da independência das suas colónias
Portugal esteve profundamente envolvido nas dramáticas e sujas aventuras que ocorreram à volta da independência do Congo, foi um actor de primeiro plano nestes acontecimentos e agiu para desestabilizar o Congo, para dificultar as tentativas das Nações Unidas de estabelecer alguma ordem no caos instalado e negociou a intensidade das suas acções desestabilizadoras com os interessados, de modo a obter contrapartidas no apoio às suas necessidades de guerra. A Bélgica será, não por acaso, um fornecedor privilegiado de minas.
Coordenar os mercenários
Quanto aos mercenários, a coordenação do seu movimento junto à fronteira e o apoio logístico e operacional dentro de Angola durante as guerras do Congo foram feitos pelo governador do Moxico, coronel Fialho Prego, e pelo coronel Correia de Freitas.
Força Aérea do Catanga – Avikat
Mas o apoio de Portugal à secessão do Catanga incluiu ainda uma forte ajuda à incipiente Força Aérea do Catanga, a Avikat, fornecendo um Lockheed ex-DETA, dez T-6 adquiridos na Bélgica e os dois De Havilland Vampire, entretanto abatidos ao efectivo da FAP. Os Vampire foram destruídos no solo em Kolwezi por um Saab J.29B da Força Aérea Sueca ao serviço das Nações Unidas, antes mesmo de serem sequer armados. Após o fim da secessão, uma quantidade significativa de aviões da Avikat foram levados para Angola, inclusive quatro T-6, um Fouga Magister, um DC-3, um Lodestar, um Dove, vários PA-18 e PA-22, que foram agrupados na BA9 de Luanda.
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