Em 1962, Winston Field e Ian Smith fundaram o Rhodesian Front (RF), um partido cuja finalidade era a preservação do domínio da minoria branca na colónia.
A vitória eleitoral do novo partido com base numa proposta clara de protecção e manutenção dos privilégios da minoria branca obrigou os movimentos nacionalistas negros da Rodésia a reverem a estratégia de negociações que tinham adoptado até aí. Isto é, o endurecimento da posição dos brancos provocou o endurecimento dos sectores mais moderados da ZANU e da ZAPU, não lhes dando outra saída que não fosse a luta armada.
Por outro lado, a ostracização da Rodésia pela comunidade internacional na sequência da política de independência branca e a consequente imposição de sanções económicas que ocorreu após a declaração unilateral de independência (UDI) provocaram uma estreita aliança entre a Rodésia e a África do Sul, o que seria desejado por ambas as comunidades brancas, mas também envolveram intensamente Portugal, o que já não seria tão consensual. Pelo contrário, a aliança tripartida que a independência unilateral da Rodésia provocou estará na origem dos conflitos entre vários actores da política de Moçambique.
Essas tensões serão permanentes e, embora se desenrolassem fora dos espaços públicos, tiveram afloramentos visíveis. As tensões entre colonos integristas como os Mesquitelas e Cardigas e governadores de cariz mais liberal como Sarmento Rodrigues, as que existiram entre colonos da Beira e de Lourenço Marques, uns mais ligados aos rodesianos, outros aos sul-africanos, as tensões entre militares, como Kaúlza de Arriaga, e Jorge Jardim, entre Kaúlza e os governadores Rebelo de Sousa e Arantes e Oliveira, entre Kaúlza e alguns dirigentes rodesianos como Ken Flower, sobre o modo de conduzir a guerra, são alguns dos exemplos.
Um pouco de história da Rodésia
Conhecer um pouco da história da Rodésia ajuda a perceber o seu comportamento durante os anos da Guerra Colonial portuguesa, particularmente a guerra em Moçambique.
Em 1923 o Governo Britânico anexou a Rodésia do Norte e a Rodésia do Sul, pagando à BSAC (Britsh South Africa Company, a companhia formada por Cecil Rhodes) 3.750 000 libras. Em 1924 realizaram-se eleições gerais e o território foi declarado com governo próprio, mantendo no entanto o Governo britânico o direito de intervenção sobre matérias pertinentes quanto aos direitos dos negros. A posse da terra era a verdadeira questão e, com a garantia de autogoverno concedida pelo Governo inglês em 1923, a Rodésia assumiu para si o sistema da Colónia do Cabo que dava direito de voto aos proprietários com bens acima de 150 libras ou que tivessem rendimentos anuais de 100 libras, mas as duas condições económicas deviam ser acompanhadas por um teste de língua inglesa. Estas condições para votantes mantiveram-se até 1951, quando as condições financeiras foram abolidas. Bastava agora falar inglês para os negros locais terem o direito, dado pela Constituição de 1898, de adquirir e dispor de terra nas mesmas condições dos brancos, mas muitos deles nunca exerceram tal direito. A percentagem de distribuição de terras era de 50% para brancos e 33% para os negros, que eram 98% da população.
As primeiras eleições para a Federação da Rodésia e Niassalândia tiveram lugar em 1953, foram baseadas no sufrágio universal e respeitaram os mesmos direitos para os eleitores de todas as raças. O United Rhodesia Party ganhou com 24 lugares entre 36, mas os nacionalistas negros contestaram e durante anos a Rodésia viveu períodos de alguma violência quase sempre causada pela posse da terra.
A vitória eleitoral do Rhodesian Front
Quando o Rhodesian Front ganhou as eleições em 1962, a primeira acção do novo primeio-ministro, Edgar Whitehead, foi rever a Constituição de 1923 e a cláusula que dava o poder de intervenção na assembleia da colónia ao Governo britânico (um poder nunca exercido). Percebeu-se que o seu objectivo era, de facto, a independência e eliminação do direito de Londres intervir para assegurar certos direitos aos negros.
A Grã-Bretanha não podia aceitar essa condição e os líderes negros, Nkomo e Ndabaningi Sithole, também não.
A independência unilateral da Rodésia de Ian Smith, que substituíra Whitehead depois de ter sido vice-primeiro-ministro de Winston Field, criou um conflito internacional e a recusa de direitos aos negros criou o ambiente de guerra civil que durou até ao fim do regime de Ian Smith. Ambos os conflitos envolveram Portugal.
Ian Smith
Era um fazendeiro de origem escocesa que nasceu na Rodésia. Combateu como piloto na Royal Air Force durante a II Guerra Mundial, tendo sido ferido em combate.
Foi um dos fundadores do Rhodesian Front (RF), um partido que defendia o domínio da minoria branca.
Quando o RF ganhou as eleições, Ian Smith ocupou o cargo de vice-primeiro-ministro de Winston Field. A grande questão que se colocava ao RF era, como sempre, a distribuição das terras entre negros e brancos e, ligado a este assunto, o direito da Grã-Bretanha intervir na assembleia da Rodésia para defender os direitos dos negros, como constava da Constituição de 1923.
Tornou-se primeiro-ministro em 1964, substituindo Winston Field, que recusou cortar o cordão umbilical com a Grã-Bretanha e em 11 de Novembro tomou a decisão de declarar unilateralmente a independência da Rodésia.
Inglaterra e Portugal – duas realidades coloniais muito diferentes
O sistema colonial inglês era muito diferente do português. Ao contrário das colónias portuguesas, as colónias britânicas eram dotadas de uma constituição e de governo próprio. Ao contrário do entendimento português, governo próprio significava a eleição de dirigentes, com a constituição de partidos e de um colégio eleitoral.
Ao contrário do conceito inventado por Salazar de considerar as colónias como parte integrante da nação, os ingleses sempre consideraram as colónias como colónias, isto é, territórios onde cidadãos britânicos se estabeleciam e se fixavam de acordo com os seus interesses individuais e da Inglaterra. Ao contrário das colónias portuguesas, que foram extensões desprezadas do poder metropolitano até ao início da guerra, as colónias inglesas eram territórios que tinham de produzir riqueza para os seus colonos e assegurar-lhes o autogoverno (self-government).
Colonos portugueses e ingleses
Ao contrário da ideologia salazarista da posse e domínio da terra, o patriotismo dos ingleses não era determinado pela soberania do território onde viviam e trabalhavam, mas pelo facto de serem ingleses e poderem decidir o seu futuro a partir do local onde viviam, num sistema de autogoverno. Ao contrário do colono português, que se mimetiza com os indígenas e se “cafrealiza”, o colono inglês impõe os seus hábitos e valores para continuar a ser inglês. Ao contrário do colono português, o colono inglês exige independência e responsabilidades à metrópole.
Um sistema partidário
A partir da constituição da Federação da Rodésia e Niassalândia, o vencedor tradicional das eleições era o UFP (United Federal Party) e em 1960 foi estabelecido um acordo entre Edgar Whitehead, chefe do UFP e primeiro-ministro, e Joshua Nkomo, chefe do National Democratic Party (NDP), sobre a nova constituição e, principalmente, a lei da posse da terra, que foi sempre o ponto crítico da política rodesiana. Mas Nkomo não assinou a Constituição, Edgar Whitehead ilegalizou o NDP, este transformou-se em ZAPU (Zimbawbe African People Union) e a Rodésia entrou num período de conturbação política.
A imposição inglesa para a independência das colónias
O primeiro-ministro rodesiano Whitehead acentuou deliberadamente a crise para provocar a independência da Rodésia e instaurar um regime racista idêntico ao da África do Sul. O Governo inglês, por seu lado, impunha como condição às suas colónias o princípio do “No Independence Before Majority African Rule” (NIBMAR). Este princípio impunha às colónias com significativo número de colonos brancos a aceitação do sufrágio universal e da regra da maioria para que a Inglaterra lhes concedesse a independência.
O Rhodesian Front (RF) – o partido de Ian Smith
Para se oporem a este acordo, alguns políticos brancos e grandes proprietários criaram o Rhodesian Front, do qual os primeiros dirigentes foram Ian Smith e Winston Field. O RF ganhou as eleições em 1962 e Winston Field foi primeiro-ministro. Em Abril de 1964, Ian Smith sucedeu ao indeciso e titubeante Field como
primeiro-ministro e passou a dirigir a contestação contra o Governo britânico, na altura chefiado pelo trabalhista Harold Wilson, num processo que o levaria à Declaração Unilateral de Independência em Novembro de 1965, que tanto impacto causou em Moçambique.
A importância da Rodésia na guerra em Moçambique
Dada a proximidade e o facto de escoar a maioria dos seus produtos pelo porto da Beira, a situação da Rodésia foi sempre muito importante para Moçambique e Ian Smith foi um personagem central nos anos que durou a guerra. Por vezes compara-se a situação da Rodésia com a de Angola e Moçambique para questionar as razões pelas quais os colonos portugueses não ensaiaram uma independência unilateral.
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