(A partir de textos de “Documentos do Império – 1968”, de Eduardo Mondlane).
Moçambique: um país agrícola
Os produtos mais importantes de Moçambique eram o algodão, o sisal, a cana-de-açúcar, o arroz, o chá, o tabaco, o coco, o caju e vários tipos de oleaginosas. Em geral, o algodão e o arroz eram cultivados pelos africanos em campos individuais ou familiares. O coco, a cana-de-açúcar, o chá e o sisal eram produzidos por cultivadores europeus, quase sempre em grandes propriedades individuais, ou em grandes plantações, que exigiam muito capital inicial.
Culturas obrigatórias
A produção de arroz e algodão pelos africanos não era espontânea. Em virtude do controlo dos preços, não havia estímulo de lucro que os levasse a fazê-lo por iniciativa própria e as autoridades obrigavam-nos a trabalhar nessas culturas, algumas vezes em lotes de terra especialmente atribuídos para esse fim, outras vezes nas suas terras tradicionais.
Relativamente à cultura do algodão, em 1928 as colónias portuguesas de África produziam cerca de 800 toneladas de algodão, enquanto as indústrias têxteis portuguesas necessitavam de 17. 000 toneladas. Uma das primeiras medidas tomadas pelo regime de Salazar foi a instituição dum sistema de cultura forçada do algodão nas duas principais colónias africanas. Em Angola, decretos-leis especiais obrigaram todos os africanos válidos residentes em determinadas áreas a cultivar algodão. Em Moçambique, não foi necessário promulgar novas leis, visto que a obrigação de cultivar o algodão podia ser deduzida de anteriores disposições legais sobre mão-de-obra e agricultura. Em meados dos anos cinquenta, o número de africanos que trabalhavam na cultura do algodão tinha subido a meio milhão, e a produção, só em Moçambique, tinha atingido 140 000 toneladas. A indústria têxtil portuguesa, que em Portugal empregava um terço da força industrial de trabalho e produzia um quinto do valor total das exportações, recebia das colónias 82% das suas matérias-primas.
O intercâmbio económico entre Moçambique e Portugal
Moçambique era principalmente exportador de matérias-primas e importador de bens manufacturados. Exceptuando óleos vegetais, carne e conservas de peixe, não existiam indústrias locais de importância.
Apesar de a partir de 1961 esta situação ter começado a mudar com a criação de algumas pequenas fábricas e unidades de montagem, as indústrias portuguesas continuaram a importar a maior parte das suas quotas de matérias-primas, algodão e açúcar entre outras, de Angola e Moçambique, porque elas podiam ser pagas em escudos e tinham os preços fixados pelo Governo, geralmente inferiores aos do mercado mundial.
Quanto às importações das colónias, um estudo da lista anual de bens manufacturados importados por Moçambique mostra a preponderância de dois artigos: têxteis de algodão e vinhos e aguardentes, ambos produzidos em Portugal, em grandes quantidades. De facto, Moçambique importava mais tecidos e vinhos (em quantidade e valor) do que equipamento industrial e agrícola.
Uma típica relação de trocas colonial
A estrutura das trocas entre Portugal e os territórios ultramarinos era típica do sistema colonial português, na medida em que a vida económica dos territórios coloniais tinha em vista a satisfação dos interesses da Metrópole, mais do que interesses locais e não eram um fenómeno novo, pois vinha do tempo da criação das primeiras “três grandes” companhias majestáticas concessionárias, desde sempre largamente apoiadas pelos governos metropolitanos.
A mudança e a perda de influência das companhias majestáticas
Os investimentos das concessionárias majestáticas eram em geral limitados à produção agrícola e a primeira fonte de capital era a Grã-Bretanha. A Sena Sugar Estates constitui um bom exemplo: foi uma das mais importantes companhias dessa fase inicial, o seu capital era maioritariamente britânico e dedicava-se à produção de açúcar, de que era a maior produtora de todas as colónias portuguesas.
Mas a partir de meados dos anos 60 assiste-se ao aparecimento de novos tipos de investimento e a uma nova fase, dominada pela África do Sul e pelos Estados Unidos, embora também fossem importantes os da Grã-Bretanha, Franca e Japão, bem como de países europeus ocidentais menores, tais como a Bélgica, a Suécia e a Suíça.
A extracção de minério e pequenas indústrias de processamento e manufactura adquiriram predominância sobre a produção agrícola. A prospecção de petróleo tomou lugar proeminente.
Os investimentos foram orientados para fábricas de processamento de produtos agrícolas e de montagem de artigos manufacturados de importação. São exemplos típicos, uma refinaria de açúcar sul-africana construída perto da Beira, a fábrica de processamento de leite Nestlé em Lourenço Marques e a fábrica de pneus American Firestone, na Beira. Quatro companhias (a sul-africana Frazer Chalmers, as francesas Sodeix e Socaltra e a portuguesa Sociedade Química Geral de Moçambique) faziam parte do projecto de construção de uma fábrica de adubos perto de Lourenço Marques, com capacidade de 170 000 toneladas. Estes desenvolvimentos da indústria extractiva e transformadora trouxeram para Moçambique grandes quantidades de capital estrangeiro e aumentaram o rendimento, mas a expansão económica induzida por estes investimentos não produziu grande efeito no baixíssimo nível de vida geral de Moçambique. Primeiro, porque as novas unidades fabris foram instaladas nos dois maiores centros urbanos, Beira e Lourenço Marques, logo qualquer melhoria seria pouco notada, pois menos de 4% da população africana vivia nessas duas cidades. Quanto à incipiente indústria de prospecção de petróleo, embora situada nas regiões rurais e espalhada numa vasta área, também não beneficiou a população, porque necessitava de muito pouca mão-de-obra local.
O segundo factor que diminuiu o impacto das novas indústrias está relacionado com a utilização dos seus rendimentos. Em Moçambique, como a Angola, em vez de serem reinvestidos, ou canalizados para serviços sociais, tiveram de ser canalizados para pagar a parte das despesas de guerra que cabiam a cada um dos territórios. Em 1967, a parte de contribuição de Moçambique para a manutenção das Forças Armadas Portuguesas foi fixada em 838 milhões de escudos, obtidos do rendimento local.
Em terceiro lugar, para atrair investimentos, o Governo português concedeu condições tão favoráveis que sacrificou muito do seu rendimento potencial, concedendo longos períodos de isenção de impostos e a total exportação dos lucros. Em 1963, por exemplo, o Governo português concedeu às companhias estrangeiras um período de dez anos de isenção de impostos para incentivar a fundação da Câmara de Comércio Luso-Sul-Africana, em Joanesburgo.
Os termos de investimento concedidos foram tão favoráveis aos investidores e ofereceram a Angola e a Moçambique tão pouco lucro financeiro, que parece evidente que as concessões ao capital estrangeiro se destinam mais a assegurar vantagens políticas do que a abrir o caminho a um progresso económico real.
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