A guerra da Argélia
Embora a guerra da Argélia se inclua no quadro do processo de descolonização que se desenrolou após o fim da II Guerra Mundial, ela assumiu para a França aspectos muito mais dramáticos e atingiu muito mais profundamente a sua consciência e identidade nacional do que os outros conflitos em que esteve envolvida, nomeadamente a duríssima guerra da Indochina que acabou na humilhante derrota de Dien Bien Phu. Exceptuando a Indochina, a França concedera, sem grandes problemas nem conflitos, a independência à Guiné, a Madagáscar, a Marrocos, à Tunísia, à África Equatorial e à África Ocidental Francesa, de onde surgiriam vários novos Estados. Mas com a Argélia tudo foi diferente e bem mais difícil.
Na realidade, a Argélia não era uma colónia, mas pertencia oficialmente ao território francês; era um lugar de povoamento e não de exploração, como as vulgares colónias, e ali vivia mais de um milhão de franceses de origem europeia, muitos dos quais há várias gerações (os Pieds-Noirs), pois a Argélia encontrava-se sob administração francesa desde 1830, altura em que passou a fazer parte do território nacional. Este facto tornou a guerra muito mais violenta e a sua perda teve consequências humanas mais pesadas.
Oficialmente a guerra começou com a insurreição do dia de Todos-os-Santos de 1954, e a sua causa principal situa-se na intransigência dos colonos, os Pieds-Noirs, em negar qualquer alteração do seu estatuto e a concessão de direitos à restante população, nove milhões de muçulmanos considerados “indígenas” apesar do estatuto do indigenato ter sido revogado em 1945.
A luta pela igualdade de direitos entre “colonos” e “indígenas”, considerados cidadãos de segunda, tinha sido estimulada pelo facto de cerca de 70000 argelinos terem combatido na II Guerra Mundial ao lado da França Livre e dos Aliados e participado na libertação da França. Mas a obstinação dos colonos e as fragilidades políticas do Governo da IV República conduziram ao bloqueio total.
Frente de Libertação Nacional (Argélia)
No dia 1 de Novembro de 1954 o Secretariado-Geral da Frente de Libertação Nacional (FLN) difundiu ao povo argelino um apelo pela rádio com a finalidade de “esclarecer as razões que o levam a agir e expor o seu programa” que visava alcançar a independência nacional num quadro norte-africano. A FLN exigia à França que «reconheça aos povos subjugados o direito de disporem deles mesmos» e anunciava que, sem esse reconhecimento, “continuará a luta por todos os meios até à realização dos seus objectivos: a instauração de um Estado argelino, soberano, democrático e social no quadro dos princípios islâmicos”.
A partir de 1954, a guerra pela independência da Argélia conduzida pela FLN caracterizar-se-á pela extrema violência, quer contra populações civis de origem europeia, quer contra civis locais, utilizando a FLN acções de terrorismo selectivo sobre os considerados “traidores” e também de terrorismo indiscriminado. Contra as forças francesas, a FLN irá desencadear uma guerra de guerrilhas, dentro dos princípios do maquis que alguns dos seus combatentes tinham utilizado durante a II Guerra Mundial. Foram particularmente violentos de parte a parte os confrontos entre os guerrilheiros do FLN e as unidades de auxiliares muçulmanos do Exército francês, os Harkis.
Ficaram para a História os atentados e os massacres de El Halia, em Agosto de 1955, destinados a provocar uma reacção violenta por parte das tropas francesas e dos civis franceses.
As represálias dos franceses são também de grande dureza, com recurso sistemático à tortura para obter informações e à eliminação expedita de prisioneiros, o que foi particularmente sentido durante a chamada “Batalha de Argel”, em 1957.
Argélia – um laboratório da guerrilha e da contra-guerrilha
A guerra da Argélia foi um laboratório que serviu quer para os guerrilheiros de outros movimentos de libertação, quer para militares de outros países envolvidos em guerras coloniais.
No que diz respeito aos movimentos de libertação de Angola, Guiné e Moçambique apenas não está referenciada na Argélia, junto da FLN, a presença de candidatos a guerrilheiros da UNITA. Quanto aos outros movimentos, os primeiros guerrilheiros do PAIGC, da FRELIMO e do MPLA, e mesmo alguns da FNLA, foram treinados na Argélia.
Da parte das Forças Armadas Portuguesas, delegações de militares portugueses deslocaram-se à Argélia em missões de aprendizagem junto do Exército Francês e não deixa de ser curioso e significativo que a geração dos jovens oficiais portugueses que ingressou na Academia Militar no início da década de 60 tenha tido como livros de leitura a trilogia de Jean Lartéguy, “Os Centuriões”, “Os Pretorianos” e “Os Mercenários”, que recria o ambiente das guerras dos franceses na Indochina e na Argélia. Estes oficiais constituirão a maioria dos capitães dos quadros permanentes, na altura do 25 de Abril de 1974.
Apesar da grande diferença entre o Governo francês, democrático e o Governo português de ditadura, apesar da grande diferença de tratamento dado pelo Governo francês aos seus militares e o desprezo com que os governos em Portugal historicamente trataram os seus, quer franceses, quer portugueses, sentiram o abandono e, principalmente, sentiram-se atirados para um processo que os ultrapassava, mas do qual quiseram fazê-los bodes expiatórios.
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