O apoio da Argélia
Argélia, que se tornou independente a 5 de Julho de 1962, teve um papel de grande importância na luta dos movimentos de libertação que combatiam nas colónias portuguesas e também na luta dos oposicionistas portugueses, que lutavam contra o regime de Salazar, pela instauração de um regime democrático em Portugal.
Para Argel, que rapidamente substituiu Rabat e Tunes como capital da luta anticolonialista, convergiram nos anos 60 e 70 os principais dirigentes nacionalistas africanos e alguns dos mais destacados oposicionistas portugueses. A lista das personalidades que, num dado momento, fizeram de Argel a base para a sua luta dá uma ideia da importância da Argélia em todo o complexo processo onde se cruzaram as várias correntes do nacionalismo africano de língua portuguesa e as correntes políticas oposicionistas portuguesas.
Foi ainda na Argélia que receberam treino militar e formação política guerrilheiros e dirigentes dos movimentos de libertação. Os primeiros guerrilheiros do MPLA, do PAIGC e da FRELIMO, e mesmo alguns do FNLA, receberam aqui treino. Samora Machel, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos, Amílcar Cabral e até Holden Roberto passaram por Argel ou ali permaneceram por períodos mais ou menos longos. A Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, a CONCP, tinha a sua sede em Argel, assim como a Frente Patriótica de Libertação Nacional,
de Humberto Delgado, a Rádio Portugal Livre e muitos organismos de apoio
aos movimentos de libertação.
Era para Argel que os movimentos de libertação traziam os prisioneiros portugueses para os entregarem ao Crescente Vermelho que, por sua vez, os fazia seguir para a Cruz Vermelha.
Foi ainda a Argélia o destino do primeiro contingente de tropas cubanas numa missão de internacionalismo revolucionário. Em 1963, um contingente cubano instalou-se na Argélia para ajudar a FLN a transformar os seus guerrilheiros num exército regular e convencional.
As razões do apoio da Argélia aos movimentos revolucionários e progressistas
Os novos governantes da Argélia tinham razões e estratégias próprias quando decidiram abrir as portas aos exilados políticos estrangeiros e aos líderes nacionalistas. Esse apoio potenciava o papel da Argélia no contexto da luta dos povos do Terceiro Mundo, das nações islâmicas e africanas. Em termos estratégicos, esta atitude da Argélia dava-lhe um lugar de destaque entre os seus vizinhos próximos, Marrocos a ocidente e a Tunísia a leste.
A Argélia passava a dominar parte do Mediterrâneo ocidental. Por outro lado, a presença de exilados europeus, maioritariamente quadros com elevadas formações académicas, permitia aos novos dirigentes argelinos colmatar de algum modo a falta de técnicos provocada pela saída dos franceses. Por fim, e dado que internamente se desenrolavam lutas pelo poder entre as várias facções da FNL, cada um dos dirigentes procurava capitalizar apoios externos junto das várias organizações que forneciam exilados.
Entre os exilados e companheiros políticos que se instalaram em Argel, vindos de várias partes do mundo, acreditando ser possível criar uma nova Cuba, agora no Mediterrâneo, contavam-se alguns oposicionistas portugueses, que ali constituíram a Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), que incluía maioritariamente dissidentes do Partido Comunista e apoiantes de Humberto Delgado, mas também membros activos do PCP para controlarem, na medida do possível, a nova estrutura e, principalmente, a actividade do general.
Também chegaram, vindos de Marrocos, os dirigentes da CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas), que aproveitaram a independência da Argélia e o apoio do Comité Político da FLN, para substituir a UPA de Holden Roberto pelo MPLA, como representante da luta pela independência de Angola.
A organização deste dia fazia parte de uma estratégia gizada pela CONCP e pelo seu secretário permanente, Aquino de Bragança, para promover o reconhecimento do MPLA como representante da luta do povo angolano pela independência, substituindo a UPA/FNLA de Holden Roberto.
Neste Verão chegou ainda a Argel Fernando Piteira Santos, vindo de Rabat, depois de ter fugido de Portugal. Piteira Santos iria desempenhar um papel central na condução da FPLN e na ligação desta à CONCP, que era na altura dirigida por Aquino de Bragança, um goês doutorado em Física, que seria mais tarde conselheiro de Samora Machel e de Marcelino dos Santos, futuro vice-presidente da FRELIMO.
Ben Bella, então presidente da Argélia, deu o seu apoio à CONCP e à FPLN e Aquino de Bragança e Piteira Santos passaram a desempenhar papéis de relevo na luta política contra o regime de Salazar. Este facto criou tensões fortes com a principal organização que até aí conduzira a luta: o PCP, do qual Piteira Santos fora expulso, encontrando-se agora em posição de igualdade com o seu secretário-geral Álvaro Cunhal, de que Aquino de Bragança era um crítico.
Para fiel da balança entre os militantes do PCP e os oposicionistas desenquadrados, foi escolhido o general Humberto Delgado, que passou a ser o presidente da FPLN.
Em 1962, todas as personagens principais da luta contra o regime português e da luta pela independência das colónias estavam em Argel, ou passavam por lá com frequência.
Personagens com presença em Argel
Portugueses
Humberto Delgado – em Dezembro de 1963 foi eleito presidente da Frente Patriótica de Libertação Nacional. Por desentendimentos com o PCP, rompe com este partido e com a FPLN em Setembro de 1964, fundando a Frente Portuguesa.
Manuel Alegre – exilou-se na Argélia em 1964 depois de ter estado em Angola como oficial miliciano, onde uma conspiração com outros militares o levou à prisão na fortaleza de São Miguel, em Luanda. Em Setembro daquele ano participou na III Conferência da Frente Patriótica, sendo eleito para a sua direcção. Depois do desaparecimento de Humberto Delgado foi o principal animador e locutor da Rádio Voz da Liberdade.
Pedro Ramos de Almeida – preso a 9 de Fevereiro de 1955 com Agostinho Neto e outros por actividades no MUD-Juvenil. Como membro do Comité Central do PCP, substituiu Pedro Soares na “Comissão Delegada” da FPLN em Argel, onde era opositor da luta armada preconizada por Delgado.
Adolfo Ayala – militante antifascista desde os anos 30. Fiel a Delgado, acompanhou-o no assalto ao quartel de Beja e dentro da Frente Patriótica.
António Brotas – engenheiro electrotécnico, militante antifascista, manteve até ao fim amizade com Delgado, apesar da sua condição de membro da Frente Patriótica.
Fernando Echevarria – poeta, apoiante do general Delgado, integrou a FPLN e o MAR, mas politicamente não acompanhou Delgado quando este formou a Frente Portuguesa. Retirou-se para Paris em 1965.
António Figueiredo – jornalista e historiador.
Ruy Luís Gomes – professor de Matemática da Universidade do Porto. Fundador do MUD e várias vezes preso pelas suas actividades anti-salazaristas, foi candidato à presidência da República em 1951 pelo Movimento Nacional Democrático. Mais tarde exilou-se no Brasil.
Emídio Guerreiro – foi representante de Delgado em Paris. Rompeu com a Frente Patriótica por ocasião da III Conferência. Após o desaparecimento do general, foi dos mais activos em incentivar um inquérito internacional. Viajou de Paris para Argel no sentido de interceder pelos portugueses presos.
José Ervedosa – major da Força Aérea portuguesa, desertou depois de missões em Angola. Alinhando primeiro com Delgado, teve sob sua responsabilidade a Rádio Voz da Liberdade e os assuntos militares.
Hélder Martins – médico, desertor da Marinha portuguesa. Originário de Moçambique, aderiu aos elementos da CONCP que vieram a formar a FRELIMO.
Manuel Tito de Morais – engenheiro, participou nas campanhas eleitorais de Norton de Matos em 1947 e de Delgado em 1958, em Angola, donde foi expulso pela PIDE em 1961. Fundador da Frente Patriótica e da Rádio Voz da Liberdade. Representava na Argélia a Acção Socialista da velha guarda republicana.
Maria Emília Tito de Morais – mulher de Manuel Tito de Morais, trabalhou no Ministério da Saúde argelino.
Fernando Piteira Santos – foi membro do Secretariado do Comité Central do PCP em meados dos anos 40. Foi expulso desse órgão em 1948 por mau comportamento na polícia, e em 1951 foi expulso do partido mas por motivos ideológicos, ao defender as ideias de Tito, na Jugoslávia, e do dirigente comunista americano Earl Browder. Continuou activo nas fileiras anti-salazaristas e refugiou-se em Marrocos no Verão de 1962. Principal fundador da FPLN, conseguiu, através da CONCP, a aceitação deste organismo pelo Governo argelino.
José Augusto Seabra – advogado, poeta e ensaísta. Membro do MUD-Juvenil e militante do PCP, foi julgado no Tribunal Plenário do Porto em 1956. Exilou-se em Paris e Moscovo antes de ir para a Argélia. Aqui integrou a Frente Patriótica e o MAR.
Pedro Soares – militante comunista, participou em 1941 com Álvaro Cunhal e outros na reorganização do PCP. Detido em 1942, esteve preso no Tarrafal até 1946. Seguiram-se anos de clandestinidade, prisão e exílio. Foi o primeiro representante do CC do PCP na “Comissão Delegada” da FPLN em Argel até ser substituído por Ramos de Almeida.
Angolanos
Mário Pinto de Andrade – nacionalista angolano, ensaísta, estudou em Lisboa e foi aderente do MUD-Juvenil. Em Paris, onde se refugiou em 1954, ligou-se a uma célula do PCF. Em 1960, foi um dos fundadores do MPLA e seu presidente até Julho de 1962, data da chegada de Agostinho Neto a Leopoldville. Foi igualmente presidente da CONCP, cuja sede funcionava em Rabat, Marrocos.
Viriato da Cruz – nacionalista angolano, poeta, com um extenso percurso de luta clandestina no interior de Angola nos anos 40/50, refugiou-se na Alemanha Democrática em 1958. Pertence-lhe o mérito de ter sido o criador do MPLA em 1960 e seu secretário-geral até Maio de 1962. Era maoísta. Acabaria por ser afastado por Agostinho Neto, representante da linha pró-soviética; e foi expulso em Julho de 1963 por propor a integração do MPLA no GRAE, liderado por Holden Roberto. Fez uma passagem efémera pela FNLA. Em 1964 passou a viver em Argel, tentando articular com os seus homens em Leopoldville as actividades do seu novo grupo, conhecido como “Ala Nacionalista do MPLA”. Colaborou na Révolution Africaine e morreu na China.
Agostinho Neto – médico angolano, membro do PCP, desterrado para Santo Antão/Cabo Verde em 1960. Evadiu-se de Portugal para Marrocos em 1962, com o apoio do aparelho clandestino daquele partido. Em Julho, assumiu a presidência do MPLA por abdicação de Mário de Andrade. Depois da I Conferência Nacional em Dezembro de 1962, expulsou Viriato da Cruz (ex-secretário-geral e criador do MPLA), juntamente com outros militantes, provocando no movimento um profundo “cisma político” que iria durar anos. Ao recusar a unificação do MPLA com a FNLA, proposta em Abril de 1963 pela Missão de Bons Ofícios da OUA, perdeu a base de apoio que tinha em Leopoldville transferindo o quartel-general do seu movimento para Brazzaville. Recebeu directamente das mãos de Ben Bella em 1963 as chaves do bureau do MPLA em Argel.
Holden Roberto – nacionalista angolano, de etnia bakongo, líder da UPA/FNLA. Era apoiado pelo American Committee on Africa, pela AFL-CIO e pela Igreja Metodista. Tinha igualmente na Tunísia e em Habib Bourguiba um velho aliado. Em meados de 1963 formou o GRAE, com forte apoio norte-americano, argelino e congolês, obtendo o reconhecimento da generalidade dos Estados africanos.
Guineenses
Amílcar Cabral – dirigente nacionalista, natural da Guiné-Bissau, engenheiro agrónomo, fundou o PAIGC que teria fortes ligações com a Argélia, onde foram formados muitos dos seus quadros políticos e militares.
Moçambicanos
Marcelino dos Santos – dirigente nacionalista moçambicano, sociólogo, um dos fundadores da CONCP e da FRELIMO. Amigo pessoal do rei Hassan II de Marrocos. Tinha estreitas relações com os dirigentes da Frente Patriótica.
Aquino de Bragança – nacionalista goês. Director do Departamento de Cultura e Informação do Secretariado Permanente da CONCP. Trabalhou na imprensa argelina. As suas ligações com a Frente Patriótica de Piteira Santos foram estreitas.
[Segundo o livro Misérias do Exílio – Os Últimos Meses de Humberto Delgado – Portugueses e Africanos na Argélia, de Patrícia McGowan Pinheiro]
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