1962 - Optar pela guerra

A ÍNDIA COMO EXEMPLO

Os prisioneiros regressam a Portugal

A União Indiana enviou para campos de prisioneiros os cerca de 4000 militares portugueses que constituíam o contingente militar. Não era intenção da União Indiana reter os prisioneiros por muito mais tempo. As negociações arrastaram-se devido ao facto de o Estado português pretender, antes do mais, uma garantia da salvaguarda de vidas e bens nacionais, assim como da protecção da minoria goesa. Só depois da ida a Goa de Jorge Jardim, enviado propositadamente para obter a satisfação de certas exigências, Lisboa se preparou para receber os prisioneiros.

Só cinco meses depois, três navios, o Vera Cruz, o Pátria e o Moçambique, foram buscar os prisioneiros, sendo estes recebidos em Lisboa sob a ameaça de pistolas, dado que Salazar os tinha acusado de “covardes”, por não terem lutado até à morte. Não teve honra nem glória o seu regresso, sendo muitos chamados a depor em longos e humilhantes interrogatórios, cujo principal objectivo era o de encontrar culpados para a situação a que se chegara.

Partida para Carachi da Comissão de Apoio aos prisioneiros portugueses. [DGARQ-TT-O Século]

Seria publicada, dali a uns tempos, uma longa lista de castigos disciplinares, que passavam por demissões, reformas compulsivas e inactividade por períodos de seis meses, embora também tivessem sido publicados louvores e recompensas a premiar actos de heroísmo.

A forma como o regime tratou os militares da Índia marcou muitos dos que estiveram envolvidos no 25 de Abril que, quando perceberam que a guerra estava perdida, não admitiam ser tratados da mesma forma que os prisioneiros da Índia.

O cativeiro dos cerca de 4600 prisioneiros, entre militares e civis, prolongou- se durante cinco meses, graças às manobras de Salazar para ganhar tempo e fazer esquecer o episódio. As negociações também se arrastaram porque Salazar mandou deter 12 000 indianos de Moçambique, que passaram a constituir moeda de troca.

Finalmente, a 6 de Maio, começou a repatriação dos prisioneiros que saíram da Índia por ponte aérea até Carachi, e depois embarcaram num dos três navios enviados pelo Governo. Chegados aos navios que os esperavam receberam uma camisa, uma camisola e umas calças, “que mais tarde pediram para pagar ou devolver”. A ditadura, que não tinha mostrado qualquer pressa em libertar os prisioneiros, também não mostra satisfação em os acolher.

“Chegámos à barra do Tejo às 16 horas. Fundeámos e só nos mandaram entrar às 2 horas da manhã.

Entretanto, encheram o barco com a Polícia Militar de pistolas-metralhadoras apontadas para nós”.

Estupefactos, os ex-prisioneiros nem querem acreditar na justificação. “Diziam que era para nos defender da ira da população, que nos queria linchar pela nossa covardia…”

Na Rocha do Conde de Óbidos, porém, não há violências nem recriminações. Só abraços e lágrimas, de familiares e amigos, que enchem o cais para acolher os ex-presos. Os mesmos que a imprensa do regime lamentara não serem heróis mortos em combate.

O ajuste de contas é inevitável. Bode expiatório da perda da jóia imperial, o comportamento da guarnição militar é analisado à luz de um mero Regulamento de Disciplina. Em vez de tribunais, advogados e juízes, o processo é entregue a generais e burocratas, sem que haja direito de defesa. São os métodos do Conselho Superior de Disciplina que funciona como um tribunal de honra, em que os militares não têm direito a serem defendidos por advogado e a apreciação dos factos é feita de acordo com conceitos subjectivos.

O veredicto foi conhecido em Março de 1963. As sanções são severas: expulsão das Forças Armadas de dez oficiais, a começar por Vassalo e Silva; reforma compulsiva para cinco; meio ano de inactividade para nove.

Sem recurso. A mão pesada dos castigos quase faz esquecer as condecorações e promoções de outros militares, algumas a título póstumo.

Os militares que passaram por esta humilhação nunca mais esqueceram o vexame e a arbitrariedade. “Tudo isto fez crescer em mim uma profunda revolta contra Salazar e contra a sua política estreita e antinacional” – e que o leva a participar no golpe de 25 de Abril.

[Texto com base no livro do general Carlos Azeredo, Trabalhos e Dias de um Soldado do Império. Civilização Editora, 2004.]

Chegada a Lisboa dos prisioneiros da Índia no paquete Vera Cruz. [DGARQ-TT-O Século]

O trauma da Índia – a rotura entre o regime e os militares

“… Ao fim da tarde avistámos Cascais. Ficámos fora da barra até às 02h00, para iludirmos a atenção dos lisboetas e para desespero das nossas famílias que há 24 horas nos esperavam no cais de Alcântara.

Desembarcámos na solidão da noite, como foragidos, ou bandidos. E para que não nos ficassem dúvidas, tínhamos, ao longo do cais, de arma aperreada para nós, uma companhia de Polícia Militar.

Em Abril de 1963 era-me dada uma companhia de Caçadores (a 509) para instruir e, em Julho, embarquei com ela para a Guiné, onde, em condições bem difíceis, a mesma se portou de forma a ser duas vezes citada pelo comandante-chefe.

Voltou ao de cima a minha antiga auto-estima e com ela iam-se desvanecendo as angústias e as raivas que as injustiças e os desesperos da Índia tinham suscitado…”

[Francisco Cabral Couto, O Fim do Estado Português da Índia – Um Testemunho da Invasão. Lisboa: Tribuna da História, 2006.]

Este texto é do capitão Francisco Cabral Couto, que comandou, primeiro, a Companhia de Caçadores 10 na Índia durante a invasão e esteve prisioneiro nos campos de Navelim e Pondá e, depois, a Companhia de Caçadores 509, na Guiné.

Na primeira parte relata a chegada a Lisboa, depois da humilhação da Índia, na segunda a redenção com a mobilização para a Guiné.

O percurso do capitão Francisco Cabral Couto, depois general, é comum a muitos oficiais da Índia.

O modo como Salazar e o seu regime deixaram os militares portugueses entregues à sua sorte na Índia, desarmados e com uma missão suicida, o modo como foram recebidos e tratados no seu regresso a Portugal, marcaram-nos para sempre e deixaram um exemplo para todos os outros.

A Índia representou a rotura entre os militares e o regime. A partir da Índia os militares, a sua esmagadora maioria, deixam de ser do regime. Ao regime restam apenas alguns dos que tinham participado como jovens oficiais na sua implantação, e que tinham feito carreira política dentro do regime, como deputados,  delegados do Governo, administradores de empresas, embaixadores.

A grande massa dos militares dos quadros permanentes foi combater em África porque era seu dever de militares baterem-se, porque acreditavam numa África portuguesa, por qualquer de muitas razões, excepto a de defender o regime.

A partir da Índia, os militares sabem que, em caso de dificuldade, o regime fará deles o bode expiatório.

Quando, em Maio de 1972, Marcelo Caetano recebe Spínola em Lisboa para lhe confirmar a ordem que dera a Silva Cunha de proibir a continuação das negociações para chegar a Amílcar Cabral e ao PAIGC através do presidente Senghor, dizendo-lhe que mais valia uma derrota militar com honra a um acordo com terroristas, o homem que substituíra Salazar percebeu, como revelou no seu livro Depoimento, que acabara de perder a confiança do general. Pelos olhos de Spínola perpassou o fantasma da Índia onde alguns dos seus oficiais, como Carlos Azeredo e Carlos Morais, tinham sido humilhados por Salazar. O espectro do caso da Índia surgia de novo, fazendo os militares temerem que, uma vez mais, as Forças Armadas fossem responsabilizadas pelos erros políticos do regime e pela sua estratégia colonial.

Spínola voltou amargurado a Bissau e pouco depois pedia ao chefe do Governo que desse por terminada a sua comissão na Guiné.

Grupo de militares junto de uma viatura com inscrições. [MG]

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