Marcelo Caetano preconiza uma modificação constitucional com vista a transformar o Estado unitário em Estado federal.
Uma disputa de posições dentro da nomenclatura do regime
A ideia de que Marcelo Caetano defendeu uma solução federal para a relação do Estado português com as suas colónias resulta de um conflito pessoal e de interesses entre ele e Adriano Moreira.
Marcelo Caetano, então reitor da Universidade de Lisboa, enviou um memorando confidencial ao Governo, no qual levantava essa hipótese. Adriano Moreira, então ministro do Ultramar, e em conflito pessoal com Marcelo Caetano, aproveitou essa proposta/sugestão para, através de uma fuga de informação, denegrir o patriotismo do futuro presidente do Conselho, procurando assim captar as simpatias da ala mais conservadora do regime.
A falta de soluções de Caetano
No entanto, e apesar desta posição de abandono do modelo de Estado unitário que considerava caduco, Marcelo Caetano, quando assumiu a chefia do Governo, nunca disse claramente ao país como pretendia resolver a questão ultramarina: se resistindo militarmente, se negociando a paz baseada numa independência progressiva e diferenciada conforme os territórios, se apostando numa federação de laços exíguos, como a Commonwealth britânica, com a qual sonhara num passado muito próximo. Hoje subsistem algumas fantasias sobre as suas reais intenções. Sendo certo que negociou directamente com os movimentos de libertação, não é fácil saber o que realmente queria.
Também procurou substituir Américo Tomás, para enfraquecer a posição institucional dos “ultras” no aparelho do regime, mas continua a desconhecer-se quem eram as suas escolhas. Procurou ainda promover as verdadeiras reformas de que o país precisava, mas não se sabe quais elas eram exactamente.
Criação de uma organização de voluntários de carácter permanente em cada um dos territórios coloniais.
A Organização Provincial de Voluntários de Defesa Civil de Angola (OPVDCA) foi uma força de milícia criada em Angola na sequência da Lei dos Corpos Voluntários de 1961, para auxiliar as Forças Armadas Portuguesas, sobretudo em missões de auto-defesa.
Inicialmente, a OPVDCA era apenas constituída por voluntários brancos civis que mantinham as suas profissões, mas foi-se profissionalizando e tornando multirracial, chegando a ter mais de 40 000 elementos. Era enquadrada por oficiais do activo ou da reserva das Forças Armadas, mas estava dependente da administração civil e o governador-geral era seu responsável máximo.
Também existiu uma organização idêntica em Moçambique, mas de muito menor dimensão.
No âmbito das organizações de defesa constituídas por voluntários também foram criadas as Formações Aéreas Voluntárias (FAV), com pilotos civis que auxiliaram as Forças Armadas Portuguesas nas operações de contra-guerrilha no Norte de Angola em 1961. Estas FAV existiram também em Moçambique.
A partir de 2 de Março de 1962, o “Corpo de Voluntários” integrou-se na OPDC e a organização resultante dessa integração passou a designar-se por OPVDCA. A organização passou a constituir um verdadeiro corpo de defesa civil, que foi sendo progressivamente menos voluntário e cada vez mais profissionalizado.
Reivindicação, pela UPA, em Leopoldville, da prisão e execução de um destacamento do MPLA.
A prisão e execução do destacamento do MPLA acontecera em Dezembro, na zona de Nambuangongo. Ferreira e os
seus homens foram interceptados por unidades da UPA/FNLA, detidos e eliminados.
Quando acusados do massacre, o dirigente da UPA Rosário Neto negou que o incidente tivesse ocorrido, mas acrescentou com condescendência que não tinha sido inteligente da parte do MPLA enviar homens para uma zona de guerra sem ter informado a UPA.
Mais tarde, veio a ser revelado que a UPA tinha interceptado e eliminado o grupo Ferreira sob ordens directas de Holden Roberto. (Marcos Cassanga, dirigente da ala militar da UPA, ao abandonar o movimento em 3 de Maio de 1963, acusou Holden Roberto de ter dado ordens aos seus grupos armados para exterminar quaisquer unidades do MPLA que fossem encontradas em território angolano).
Início das emissões da Rádio Portugal Livre, a partir de Bucareste.
A Rádio Portugal Livre surgiu como órgão de informação do PCP e manteve-se diariamente em actividade durante mais de 12 anos, até pouco depois do 25 de Abril.
Foi um dos mais importantes, escutados e influentes órgãos de informação do PCP. Em Argel, surgirá em 1964, a Rádio Voz da Liberdade, órgão unitário da FLN, que será também um órgão de informação democrático, em emissões trissemanais. Ambas desempenharão um papel de relevo na mobilização e esclarecimento populares contra a Guerra Colonial e o colonialismo.
Prisão, em Bissau, pela PIDE, dos dirigentes do PAIGC Rafael Barbosa e Fernando Fortes.
No início de 1962, o PAIGC começou a distribuir propaganda em Bissau, onde já dispunha de uma organização e de militantes. A PIDE procurou imediatamente capturar os seus dirigentes e responsáveis e, a 13 de Março, atacou duas casas num bairro dos arredores de Bissau, onde apreendeu muito material e prendeu o presidente do partido, Rafael
Barbosa, e Fernando Fortes, membro do comité central.
O PAIGC espalhou panfletos a exigir a libertação dos dirigentes de uma organização que não tinha ainda realizado qualquer acto violento.
Em Junho foram detidos mais elementos do PAIGC, alguns dos quais tinham frequentado cursos de preparação militar no estrangeiro.
Uma violenta e gratuita repressão
A morte de um agente da PIDE, Augusto Macias, e os ferimentos causados num oficial da polícia e em dois agentes, em Catió, no Sul da Guiné, provocaram uma violenta repressão da PIDE, que destruiu as aldeias próximas e prendeu os seus habitantes.
Nas declarações que prestou na 4ª Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas, Amílcar Cabral denunciou que “dezenas de aldeias foram atacadas e queimadas e que militantes do PAIGC foram afogados nos rios e no mar e alguns regados com gasolina e queimados”. Foram referidos os casos de Bernardo Soares, responsável do PAIGC em Bedanda, torturado e queimado vivo e do estudante Vitorino Costa, morto em Tite.
Entre 15 de Junho e 31 de Julho foram presos mais de 2000 africanos guineenses, dos quais 250 foram enviados para o campo de concentração do Tarrafal.
A violência da PIDE tinha ajudado a criar as condições para o PAIGC granjear mais adeptos para a guerra que iria começar em Janeiro do ano seguinte com o ataque a Tite.
Deslocação a Lisboa do governador-geral de Moçambique, almirante Sarmento Rodrigues, por causa de actividades secessionistas de colonos da Beira.
Sarmento Rodrigues foi nomeado governador-geral de Moçambique por Adriano Moreira, ministro do Ultramar.
Estava próximo dos militares que haviam tentado, em Março de 1961, o golpe palaciano falhado de Botelho Moniz contra Salazar e a guerra.
Era um autonomista, dentro da tradição maçónica e republicana portuguesa, que pretendia fazer evoluir as colónias para a autonomia e prevenir a guerra.
O movimento secessionista que o trouxe a Lisboa teve alguma expressão nos anos 60 entre a comunidade branca mais liberal de Moçambique, mas nunca passou de um grupo de interesses que julgava vantajosa uma ligação privilegiada de Moçambique à Africa do Sul e jamais assumiu as proporções que viria a ter na Rodésia de Ian Smith.
Nas lutas entre os grupos ultras e mais liberais do regime foi acusado de ligações a moçambicanos independentistas, como Domingos Arouca. Esta luta saldou-se com a derrota dos adeptos de uma solução para o problema colonial.
Domingos Arouca será preso.
Adriano Moreira foi afastado do Governo pouco depois e os ultras e os colonos hostilizaram na sombra Sarmento Rodrigues. Este veio a Lisboa sabendo que não tinha condições para levar à prática as suas ideias e que a curto prazo seria demitido.
Proibição, pelo Governo, das celebrações do Dia do Estudante, abrindo-se a crise académica.
A crise estudantil de 1962 teve o seu início em Março, prolongando-se até ao final do ano. A nova legislação, que condicionava a eleição das associações de estudantes, foi o pretexto para a contestação ao regime. Esta visava a instauração de um regime democrático e vinha na sequência das lutas políticas iniciadas na campanha presidencial do general Humberto Delgado.
Apesar de proibido, realizou-se a 9 de Março em Coimbra, o I Encontro Nacional de Estudantes, no qual foi criado o Secretariado Nacional dos Estudantes Portugueses. O Dia do Estudante, marcado para 24 de Março, foi igualmente proibido e as academias de Lisboa e de Coimbra decretaram luto académico, uma forma de greve.
A 10 e 11 de Maio, a polícia assaltou a sede da Associação Académica de Coimbra, seguindo-se novo luto académico e a greve aos exames.
Em Lisboa, os estudantes, acompanhados por alguns professores, ocuparam as instalações da cantina universitária, o que motivou nova intervenção policial.
Entre os líderes da revolta destacaram-se o estudante de Direito Jorge Sampaio, Medeiros Ferreira, secretário-geral da Reunião Inter-Associações, e Eurico Figueiredo, líder do Secretariado Nacional dos Estudantes Portugueses.
Em carta ao presidente da República, 47 professores de Lisboa apoiaram formalmente os estudantes. Marcelo Caetano, então reitor da Universidade de Lisboa, demitiu-se. Magalhães Godinho foi demitido de professor do ISCSPU. Lopes de Almeida, o contestado ministro da Educação, foi substituído por Inocêncio Galvão Teles e Paulo Cunha sucedeu a Marcelo Caetano como reitor da Universidade de Lisboa.
Formação da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), a partir da UPA e do PDA (Partido Democrático de Angola). Alguns dias depois, Holden Roberto anunciou a criação do GRAE (Governo Revolucionário de Angola no Exílio).
Holden Roberto, que nasceu em Mbanza Kongo, ex-São Salvador província do Zaire, a 12 de Janeiro de 1923, e morreu em Luanda em Agosto de 2007, era neto de um dos primeiros evangelistas negros do ex-Congo Belga. Passou a sua infância e fez os estudos secundários em Leopoldville.
Aqui, foi muito cedo recrutado pelas organizações missionárias americanas ligadas à CIA, como a Fellowship of Reconciliation e o American Committee on Africa, que o introduziram no circuito dos nacionalistas africanos.
O chefe de uma destas igrejas, o reverendo metodista da Igreja Unida da América e Canadá George Houster, promoveu a ida de Holden Roberto à I Conferência dos Povos Africanos, que se realizou em Acra, no Gana, em Dezembro de 1958, como representante dos povos angolanos, e em 1959 apresentou-o a John Kennedy, então senador.
Holden Roberto estava lançado internacionalmente como chefe de um movimento de libertação dos povos de Angola e, a partir daí, iria mobilizar consideráveis apoios políticos e diplomáticos. No fim da Conferência dos Povos Africanos, com o pseudónimo de José Gilmore, foi eleito membro do Steering Committee (Comité Director). Em 1959, viajou para os Estados Unidos da América via Gana, como membro da delegação da Guiné-Conacri, para ser peticionário junto do Conselho de Tutela da ONU (4ª Comissão) na denúncia do colonialismo em Angola. A 14ª sessão da Assembleia Geral da ONU criticou e condenou a política ultramarina portuguesa e fez uma petição a Portugal no sentido de dar a conhecer a evolução das medidas já tomadas e previstas no artigo 73º da Carta das Nações Unidas, tendo em vista a autodeterminação dos territórios africanos ainda sob a sua administração.
Em meados de 1960, Holden Roberto, como presidente da UPA, que substituíra a União dos Povos do Norte de Angola (UPNA), uma organização de povos bacongos, para lhe retirar o carácter tribal, assinou um acordo com o MPLA, que rompeu passados seis meses, decidindo assumir por si só a liderança da luta contra o colonialismo português.
A sua grande acção teve início no dia 15 de Março, no Norte de Angola, com o assalto às fazendas de café e a matança indiscriminada de colonos brancos e trabalhadores negros bailundos. A brutalidade e a ausência de finalidade desta acção, em que os objectivos políticos e militares nunca foram esclarecidos, mancharam toda a subsequente luta anticolonial e forneceram ao regime português as imagens de horror e barbárie que lhe permitiram apelar à mobilização para a guerra.
Em 1962, criou a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), da qual se tornou presidente. Esta organização constituiu o Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE), onde Jonas Savimbi surgiu como ministro dos Negócios Estrangeiros. Holden Roberto manteve sempre uma estreita ligação com Mobutu, presidente do Zaire, país em que se instalaram as bases do movimento. Embora tenha recebido armas dos países de Leste, a sua ligação privilegiada foi sempre com os EUA, que lhe pagavam uma avença anual e forneciam conselho técnico, inclusive com a presença de agentes nas suas bases.
O Conselho de Ministros debate a agitação estudantil nas universidades.
A agitação tinha como causa próxima a autorização para a celebração do Dia do Estudante.
Segundo o relato feito por Franco Nogueira, reunidos os ministros em São Bento, ao redor da mesa de reuniões, Salazar perguntou à queima-roupa a Lopes de Almeida, ministro da Educação: “Mas o senhor ministro prometeu ou não que seria autorizado o Dia do Estudante?”.
O ministro, ainda segundo relato de Franco Nogueira no livro Um Político Confessa-se (Diário: 1960-1968), “hesita, tergiversa, titubeia. Lopes de Almeida mete os pés pelas mãos, fica corado até às orelhas e raiz dos seus poucos cabelos, e com esforço murmura com voz enrouquecida: ‘não’.
Estava claramente a mentir. Mas Salazar logo tira a conclusão: ‘Ah! Bem, então o Governo está livre de proibir o Dia do Estudante’. E Lopes de Almeida concorda em publicar uma nota oficiosa proibindo o Dia do Estudante”.
Publicação da nota oficiosa do Ministério da Educação a proibir o Dia do Estudante.
Marcelo Caetano, reitor da Universidade Clássica de Lisboa, demite-se e a sua atitude é interpretada como de oposição ao Governo. Lopes de Almeida havia-lhe dado a entender que o Dia do Estudante seria autorizado.
Formação do GRAE (Governo Revolucionário de Angola no Exílio) pela FNLA.
Da união entre a UPA e o PDA, celebrada em 27 de Março de 1962, e que deu origem à FNLA, nasceu pouco depois o GRAE – Governo Revolucionário de Angola no Exílio – com a incumbência de dirigir a luta nos domínios político, militar, diplomático, social e cultural. O GRAE foi constituído em Kinshasa, a 5 de Abril de 1962, sendo reconhecido pela OUA e por muitos países asiáticos do bloco dos não alinhados.
O cónego Manuel Mendes das Neves, uma das figuras mais importantes das acções de ataque às prisões de Luanda em Fevereiro de 1961, surgia neste Governo do GRAE/FNLA, embora tivesse sido preso pelas autoridades portuguesas em Março de 1961 e deportado para Portugal, onde viria a morrer.
Não podia, por isso, exercer quaisquer funções num governo.
Com esta nomeação, a FNLA pretendia demonstrar a ligação do cónego ao movimento e retirar essa bandeira ao MPLA, que se apropriara da data do 4 de Fevereiro.
A polícia ocupou a Cidade Universitária de Lisboa e carregou sobre os estudantes. Com estes acontecimentos abriu-se um prolongado período de dura confrontação entre os estudantes e o Governo, que durante vários meses se estendeu a quase todas as universidades, sacudiu o país e abalou o regime.
Continuação da agitação estudantil em diversas universidades portuguesas.
A agitação estudantil intensificou-se e alguns directores de faculdades demitiram-se em protesto. Correram rumores de tumultos sérios para o 1º de Maio. Em Conselho de Ministros Salazar diz: “Muitos vão precisar de injecções de vitaminas”.
Analisando a acção que atribuía aos comunistas toda a agitação, comenta: “Se nada fizermos, antes de dez anos eles estão sentados a esta mesa”. Só errou por dois anos!
A crise académica de 1962 constituiu uma das expressões mais marcantes da resistência estudantil à ditadura. De algum modo foi a primeira das grandes lutas dos estudantes que varreram a Europa na década de sessenta, facto que resulta inteiramente lógico perante o denso nó de contradições da sociedade portuguesa, agora acentuadas pela Guerra Colonial.
O “Luto Académico”, lançado pela Reunião Inter-Associações, em 26 de Março, com a criativa palavra de ordem “ofenderam-te, enluta-te!”, com a ocupação de instalações, gigantescos plenários e concentrações, desfiles e manifestações dentro e fora dos recintos universitários, envolveu sobretudo as universidades de
Lisboa e Coimbra, mas também a do Porto.
Durante este confronto, a repressão fez-se sentir de forma violenta.
Instalações associativas e académicas foram cercadas, invadidas ou mesmo encerradas.
Muitos estudantes foram presos.
Alguns dos protagonistas desta crise vieram a desempenhar papéis importantes no regime democrático, na cultura e na ciência, como Jorge Sampaio, Eurico de Figueiredo, Isabel do Carmo, Victor Wengrovious, entre tantos outros.
Aprovação do Código do Trabalho Rural para o Ultramar.
Este código foi aprovado pelo decreto-lei 44.309. Foi a primeira lei de trabalho livre nas antigas províncias ultramarinas (exceptuando Cabo Verde, que teve um código aprovado em 1957).
Este código fazia parte do grande pacote de leis publicado nos anos de 1961 e 1962 para iludir a matriz indesmentivelmente colonialista da administração portuguesa nos seus territórios africanos e para evitar as acusações nas Nações Unidas.
Antes deste código existia o Regulamento do Trabalho Forçado, de 9 de Novembro de 1899, que preenchera o vazio legislativo desde a abolição da escravatura em 29 de Abril de 1858.
Na mesma data, 27 de Abril, foram também instituídos, pela primeira vez, os Tribunais do Trabalho no Ultramar.
Repressão de manifestações de rua em Lisboa com palavras de ordem contra a Guerra Colonial.
Houve incidentes em vários pontos do país e greves no Ribatejo e no Alentejo. A agitação causada pela proibição do Dia do Estudante, que levara à demissão de Marcelo Caetano de reitor da Universidade de Lisboa, estendeu-se aos meios operários. O dia 1 de Maio foi assinalado por tumultos violentos, atentados e incidentes pelo país. Em Aljustrel estes incidentes causam dois mortos e quatro feridos.
Assalto da polícia à sede da Associação Académica de Coimbra, seguindo-se novo luto académico e a greve aos exames. A Associação Académica de Coimbra permanecerá encerrada até às vésperas da eclosão da crise coimbrã, em 1969.
A importância das lutas estudantis no desenrolar da guerra
As lutas estudantis iniciadas em 1962 e que se prolongarão durante todo o período da guerra, com os picos de crise em 1969 e 1973, tiveram um impacto muito
significativo na guerra.
A luta estudantil teve lugar principalmente nas universidades, que eram o lugar de preparação das elites para a governação do aparelho de Estado e da sociedade
civil. Mas, por força da guerra, foram também o lugar de formação dos quadros mais baixos (os subalternos em termos militares) necessários para os postos de
comando das Forças Armadas.
Os “milicianos”
Os “milicianos” – alferes milicianos comandantes dos pelotões das companhias mobilizadas e colocadas nos postos da quadrícula militar africana, e aspirantes e alferes milicianos instrutores nas recrutas ministradas aos soldados do serviço militar obrigatório nas unidades metropolitanas – vinham na sua maioria das universidades e da sua agitação política. A crise permanente da universidade portuguesa foi a escola prática da formação dos oficiais milicianos, e esta escola prática antecipou a escola prática militar dos cursos de oficiais milicianos de Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia e todos os serviços, ministrados em Mafra, em Santarém, em Vendas Novas, em Tancos.
Embora seja exagerado afirmar que os oficiais milicianos eram agentes políticos formados na subversão universitária porque, de facto, a maioria desses jovens era apenas gente comum num país que surgia, dia a dia e aos seus olhos, cada vez mais estranho no contexto europeu, a questão é que a universidade os politizou, no sentido em que os obrigou a confrontarem-se com atitudes e decisões políticas, resultantes do seu envolvimento em discussões e manifestações.
Essa politização elementar foi transposta para o interior das Forças Armadas, especialmente para o Exército, já que ela era comum na Marinha e nunca teve
lugar na Força Aérea.
A agitação universitária entrava no Exército por várias portas, algumas como efeito colateral e indesejado pelo regime. Entrava quando os militares dos quadros permanentes recebiam as informações vindas da PIDE/DGS de que um dado miliciano era PS (politicamente suspeito), ou quando descobriam que um dado soldado era um estudante universitário punido, desgraduado e incorporado disciplinarmente por actividades políticas. Entrava ainda quando eram confrontados com a deserção de jovens oficiais milicianos que prestavam serviço nas suas unidades.
A agitação universitária teve ainda repercussões militares através das mulheres que, cada vez em maior número, chegavam ao ensino superior e eram namoradas e familiares dos militares dos quadros permanentes, que os envolviam nas suas críticas e os questionavam.
A permanente crise universitária de 1962 a 1974 foi apenas o reflexo do que se passava no mundo, uma alteração de comportamentos e de valores e, contra isso – contra as modas hippies, contra as músicas pop, contra o sexo mais liberal – o regime e a PIDE nada podiam fazer.
A crise universitária era inerente ao avanço do tempo e o regime tornara-se anacrónico.
O Governo português enviou ao presidente do Conselho de Ministros da CEE uma carta em que solicitava a abertura de negociações entre Portugal e a Comunidade.
Salazar, ao contrário do que gostava de afirmar, tentava ganhar apoios na Europa. Mas só em 1970 se iniciaram as conversações para a adesão de Portugal.
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