Um nacionalismo branco progressista
FUA era um movimento nacionalista, constituído maioritariamente por europeus, apoiado por alguns mestiços e negros europeizados e que desejavam a independência de Angola e o estabelecimento de uma socie-dade multirracial, “na qual africanos, brancos e mestiços terão igual desempenho”.
As guerras conduzidas pelos movimentos de libertação em Angola, Guiné e Moçambique, o êxodo dos colonos durante ou após os períodos de transição para a independência após o 25 de Abril e até as guerras civis que se seguiram nos novos Estados têm feito esquecer o papel dos nacionalis-mos brancos na história dos novos países e reduzido os colonos europeus a uma massa uniforme de exploradores sem consciência nem escrúpulos, ou a pobres vítimas que se viram despojadas de bens e esperanças. Esta visão, literalmente a preto e branco, pode ser a que mais convém quer aos poderes vencedores, quer à maioria dos antigos colonos, mas não corresponde à realidade.
O nacionalismo dos colonos brancos
O nacionalismo dos colonos brancos foi um fenómeno comum a todas as colónias europeias em África – a independência unilateral da Rodésia é o caso mais conhecido e extremo, e ocorreu também em Angola e Moçam-bique. Manifestou-se sempre que os interesses dos colonos deixaram de coincidir com os das metrópoles, mas, embora tenham tido desenvolvi-mentos e desenlaces diferentes, assumiram sempre a forma de conflito triangular. Isto é, existiam sempre duas linhas de nacionalismo branco, ambas contra a Metrópole, mas em que um grupo privilegiava a aliança com as elites negras emergentes e o outro a aliança com o poder colonial metropolitano.
O caso angolano
Em Angola, como em Moçambique, embora numa escala diferente, dado o peso das antigas companhias majestáticas e a influência da África do Sul neste último, coexistiam dois grupos de brancos, um constituído por colo-nos e seus descendentes, cujos interesses e sentimentos se situavam completamente em Angola, e um outro, constituído por aqueles que ali se encontravam de passagem, comerciantes de curto prazo, funcionários e empregados.
Foi entre os primeiros que o nacionalismo se manifestou, embora com cambiantes. De forma esquemática podem considerar-se três grupos:
Nacionalistas progressistas – que consideravam inevitável uma indepen-dência sob governo negro;
Republicanos liberais – na linha de Norton de Matos, que propunham uma independência sob hegemonia branca, mas com integração política das elites mestiça e negra europeizada, como fora feito no Brasil;
Conservadores – que pretendiam uma independência sob domínio da minoria branca, como veio a acontecer na Rodésia.
O nacionalismo progressista
A FUA representava o sentir do nacionalismo branco progressista, de inspiração marxista, que considerava inevitável a independência negra. Os seus aderentes participaram activamente na luta anticolonial desde os anos 50. Fundaram o Movimento Nacional de Libertação de Angola – Partido Comunista Angolano e participaram nas campanhas eleitorais de Arlindo Vicente e de Humberto Delgado.
Em Abril de 1961 a FUA lançou um manifesto à população de Angola, no qual exigia às autoridades portuguesas a resolução pacífica dos conflitos e a concessão de um estatuto de autonomia que preparasse Angola para a independência. Essa independência devia assegurar o reconhecimento da participação da população negra, mas também garantir a posição eco-nómica, social e política das minorias brancas e mestiças.
Notícias deste movimento surgiram a partir de Fevereiro de 1962 no jor-nal congolês Le Progrés. Reclamava ter 500 membros activos e contar com a simpatia de metade da população branca de Angola. O seu presi-dente era Sócrates Dáskalos, poeta e antigo vice-reitor do Liceu de Ben-guela, e entre os seus membros encontravam-se o engenheiro Fernando Falcão, vereador da Câmara do Lobito, Ernesto Lara Filho, Adolfo Maria e Pepetela, que aderiram posteriormente ao MPLA.
Um movimento implantado no Sul
A FUA conseguiu mobilizar apoios entre os brancos e negros e mestiços europeizados das regiões ao sul do Cuanza, mas não entre os brancos do Norte, que preferiam negociar um entendimento com o Governo portu-guês, na esperança de que a política reformista do novo ministro do ultra-mar, Adriano Moreira, lhes garantisse a hegemonia.
Na sequência das perseguições da PIDE, os dirigentes da FUA ou foram presos ou refugiaram-se no exterior, estabelecendo-se em Argel. A partir daí tentaram reforçar os laços com o MPLA e também com a UPA/FNLA.
Formar uma frente de libertação nacional
O seu objectivo era formar uma frente de libertação nacional, mas essa proposta foi rejeitada pelos movimentos armados e o comité director da FUA dissolveu-se em Agosto de 1963, acabando com a tentativa de formar um amplo movimento nacionalista progressista e multirracial, com a participação da minoria branca.
Nacionalismo branco conservador: ficar com o melhor de dois mundos
Restou em Angola o nacionalismo branco conservador, apoiado pelos sectores da minoria branca que se integraram na política do Governo português. Defendiam a cómoda situação de serem a favor da independência de Angola, apenas se as forças metropolitanas não fossem capazes de eliminar a ameaça dos movimentos de libertação. Limitavam as suas exigências à obtenção de um estatuto de autonomia interna, maior descentralização política e administrativa e, sobretudo, não interferência da Metrópole nos assuntos económicos de Angola.
A guerra e o exemplo da Rodésia
A continuação da guerra e o exemplo dado pela declaração unilateral de independência da Rodésia causaram um forte impacto entre a elite branca angolana e a Rodésia substituiu o Brasil no seu imaginário independentista.
Uma independência falhada
Nos anos 70, a situação militar favorável e o desenvolvimento económico criaram condições para o renascimento da ideia da tomada de poder pelos brancos conservadores angolanos.
A conspiração envolvia o próprio governador-geral, Santos e Castro, e, segundo investigações jornalísticas recentes, a declaração de independência, com a secessão de Angola da Metrópole teria sido acordada com Marcelo Caetano. A possibilidade de declaração de independência unilateral de Angola por parte do grupo de nacionalistas brancos pode ligar-se ao desenvolvimento da aliança política e militar com a África do Sul e a Rodésia, no âmbito do “Exercício Alcora”.
De qualquer modo, esta possibilidade foi aniquilada porque entretanto ocorreu o 25 de Abril.
Durante os anos de guerra, a FUA desapareceu da cena, dissolvida no MPLA, e só surgirá após a revolução de 25 de Abril, no período de transi-ção de Angola para a independência, como uma movimento de europeus e quadros urbanos apoiantes do MPLA.
Poucos dias antes do 25 de Abril, o governador-geral de Angola, Fernando Santos e Castro, reuniu, em Luanda, os membros do seu Executivo e revelou-lhes, sem entrar em grandes pormenores, que o presidente do Conselho, Marcelo Caetano, planeava visitar o território no final de Abril de 1974.
“Não tenho a certeza se seria a 28, a 29 ou a 30 de Abril, mas seria por aí”, recorda, três décadas depois, o economista Walter Marques, que, no início de 1973, tinha substituído Jorge Costa Oliveira na pasta das Finan-ças de Angola.
“Foi o próprio governador-geral que nos disse isso. Mais ou menos por volta do dia 20 de Abril ou coisa parecida, pedindo-nos, como é óbvio e como era natural, o maior dos sigilos e a maior das reservas sobre o assunto”.
O que, aparentemente, foi cumprido por todos. (…)
Até 1985, altura em que o general Silvino Silvério Marques e o historiador Joaquim Veríssimo Serrão se envolveram numa polémica nas páginas do jor-nal O Dia, e que viria a ser, dez anos depois, compilada em livro pelo último governador-geral de Angola – Marcello Caetano, Angola e o 25 de Abril. Nesse livro, Silvino Silvério Marques recorre a vários depoimentos para acusar Marcelo Caetano de ter “encomendado” a independência de Angola a Fernando Santos e Castro, chegando mesmo ao ponto de afir-mar que o ‘Dia D’ desse plano estava marcado para 15 de Agosto de 1974, na Fortaleza de Massangano.
Nem a data, nem o local parecem surgir por acaso, como nota Jorge Costa Oliveira, um dos pais do boom económico angolano. Foi na Fortaleza de Massangano, que, em 1648, terminou a ocupação holandesa do território, facto que passou a ser assinalado a 15 de Agosto, o dia da Nossa Senhora da Assunção, padroeira de Angola.
Em abono da sua tese, vivamente contestada por Veríssimo Serrão, o general Silvino Silvério Marques apresentou dois testemunhos, que per-tenceram ao círculo próximo de Fernando Santos e Castro em Angola, Joaquim Mendes, vice-presidente da Assembleia Legislativa do território, e João Fernandes, director da revista Notícia.
Tanto um como outro confirmaram os contactos tidos com Santos e Castro, no sentido de uma emancipação que viria a ser travada pelos acontecimentos.(…)
Uma ideia muito próxima daquela que viria a ser também expressa por Franco Nogueira, o eterno ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar, para quem Marcelo Caetano só desejava poder desembaraçar-se de África para fazer evoluir o regime, tese que é parcialmente subscrita por Rui Patrício.
Há, de resto, quem entenda, como Jorge Costa Oliveira, que a substitui-ção de Franco Nogueira por Rui Patrício no Palácio das Necessidades era já – no início de 1970 – um sinal da teia que Marcelo Caetano começava lentamente a tecer em torno das questões ultramarinas.
O que explicaria, por exemplo, que o presidente de Conselho tivesse, na mesma altura em que recebia Fernando Santos e Castro para uma longa conversa em Lisboa, encarregue o diplomata José Manuel Villas-Boas de se reunir com uma delegação do PAIGC em Londres, enquanto Jorge Jar-dim negociava com o presidente da Zâmbia, Kenneth Kaunda, uma solu-ção para a independência de Moçambique.
[Adaptação de uma reportagem de José Manuel Barroso no DN, 27 de Maio de 2005.]
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