1966 - Construir um bastião branco na África Austral

1966
Do bastião Rodesiano à instável África negra

Vietname

No ano de 1966 a atenção internacional continuou focada na Guerra do Vietname, na corrida espacial, que se converteu num apêndice da Guerra Fria, na Revolução Cultural chinesa e na instabilidade do continente africano, que nesse ano teve o índice de golpes de Estado mais elevado desde as independências.

O conflito na Indochina continuou a ser contestado por grande parte da opinião pública mundial, como se tornou evidente a 27 de Março e no 1º de Maio, quando se deram manifestações contra essa guerra nas cidades mais importantes da América do Norte, Europa Ocidental e Austrália. Mas os Estados Unidos continuaram os seus bombardeamentos implacáveis contra o Vietname do Norte, à espera de sinais de paz ou rendição de Hanói, que nunca vieram. Tanto assim que Washington, para não perder a iniciativa, convocou uma cimeira para Manila, a 24 e 25 de Outubro, na qual esteve presente o próprio presidente Johnson, e a que assistiram os seus principais aliados na guerra – Vietname do Sul, Coreia do Sul, Filipinas, Tailândia, Austrália e Nova Zelândia. O comunicado final afirmava que os norte-americanos estavam dispostos a retirar as suas tropas em seis meses, se o Vietname do Norte fizesse o mesmo em relação ao Vietname do Sul, mas os interpelados mostraram-se firmes e a guerra continuou.

 

Tropas americanas em operações no Vietname. [CD/DN]

 

Corrida espacial

A URSS e os Estados Unidos marcaram pontos na corrida espacial. Moscovo conseguiu um êxito sem precedentes quando, a 31 de Janeiro, lançou a partir de Baikonur o foguetão Lunik 9. Este conseguiu alunar a 3 de Fevereiro, sendo o primeiro objecto terrestre a fazê-lo suavemente, tendo ainda enviado fotografias da superfície lunar para a Terra. A 1 de Março, a sonda soviética Vénus 3 também foi a primeira a alcançar o planeta com o mesmo nome, depois de viajar pelo espaço desde o dia 16 de Novembro do ano anterior. Ainda assim, o seu êxito foi relativo, pois deveria ter enviado dados sobre a atmosfera do planeta, mas os seus sistemas de transmissão falharam antes de ela se desintegrar, chocando contra a superfície. A resposta norte-americana chegou a 16 de Março, quando foi lançada, em Cabo Canaveral, a nave Gemini VIII, com dois astronautas a bordo que, pela primeira vez, realizaram uma manobra de acoplamento a uma Agena, veículo espacial não tripulado, no espaço. Mas o regresso foi atribulado, ao falharem os foguetes de comando, pelo que os tripulantes tiveram de amarar de emergência no Pacífico. Perante esse meio-sucesso, a 16 de Julho, e depois de resolvidos os problemas técnicos, os Estados Unidos lançaram a Gemini X com outros dois tripulantes que, durante o voo, se acoplaram a duas Agenas. A 11 de Novembro, os Estados Unidos voltaram a enviar para o espaço a nave tripulada Gemini XII que, durante a sua terceira volta à Terra, se acoplou a uma Agena lançada 90 minutos mais tarde. A URSS enviou para a Lua, a 21 de Dezembro, a sonda Lunik 13, que pousou sobre a sua superfície três dias depois.

 

Armamentos

O desafio espacial estava claramente ligado à corrida ao armamento, pelo que a Assembleia Geral da ONU, prevendo a militarização do espaço, tinha aprovado em Agosto de 1965 a cessação de ensaios nucleares na atmosfera, no espaço exterior e debaixo de água, mas esquecendo-se do subsolo. Assim, a 5 de Dezembro, foi aprovou uma nova resolução nesse sentido, que teve o apoio dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, URSS e outros 25 países, mas não o da França, nem da República Popular da China, para além de outras nações, que entendiam que essa resolução consolidava a hegemonia nuclear do Estados Unidos e da URSS. De facto, a 11 de Novembro, Paris realizara no atol de Mururoa (Pacífico), a sua terceira experiência nuclear, que foi presenciada pelo presidente De Gaulle a partir de um navio. Por sua vez, a China, a 28 de Dezembro, fez rebentar a sua quinta bomba atómica no centro de experimentação nuclear de Lop Nor (Sinkiang). Mas o perigo nuclear mais grave deu-se na localidade de Palomares (Espanha), a 17 de Janeiro de 1966, quando colidiram em pleno voo um bombardeiro B-52 norte-americano, carregado com quatro bombas termonucleares de 1,5 megatoneladas, e um avião-tanque KC-135, de reabastecimento em voo, com 110 000 litros de combustível.

Do choque resultaram sete mortos, a desintegração dos dois aparelhos e a queda das bombas, três delas em terra, das quais duas despoletaram o detonante, espalhando cerca de 20 kg de plutónio altamente radioactivo, e a quarta no mar. O acidente provocou um grande alarme na população, por receio de contaminação submarina, pelo que, a 8 de Março, o ministro da Informação e Turismo, Fraga Iribarne, e o embaixador norte-americano em Espanha, Angie Duke, tomaram banho na zona do Mediterrâneo onde tinha caído a bomba. Um mês depois, foi recuperada a 840 metros de profundidade. O acidente de Palomares foi o mais grave da história, no que diz respeito à perda de armas nucleares (Broken Arrow).

 

China

O principal acontecimento político de 1966 foi, sem dúvida, a Revolução Cultural, na República Popular da China, em consequência da luta pelo poder no seio do Partido Comunista Chinês (PCC), entre Mao Ze Dong, líder máximo do país, e Lin Biao, chefe do Exército, por um lado, e Liu Shaoqi, chefe de Estado, e Deng Xiaoping, secretário-geral do PCC, por outro. Este combate provocou um longo período de caos, confrontos, violência e desestruturação da vida social e económica, que se prolongou de Março de 1966, com o sequestro de Peng Zhen, presidente da Câmara de Pequim e destacado reformista, até Abril de 1969, com o IX Congresso do PCC, em que se defendeu o regresso à normalidade. No entanto, já depois desta data continuou a haver confrontos, ainda que em menor escala. A Revolução Cultural afectou especialmente os principais dirigentes do partido único e a intelectualidade. Para os submeter à sua autoridade, Mao Ze Dong apoiou-se no Exército Popular e nos Guardas Vermelhos, criados a 18 de Junho. Ambas as organizações se encarregaram de perseguir e neutralizar todos os que considerassem revisionistas, capitalistas ou sob influência ocidental. O auge do poder de Mao Ze Dong encenou-se na gigantesca concentração de um milhão e meio de guardas na Praça Tiananmen, em Pequim, a 2 de Novembro.

 

África

Por seu lado, o continente africano também sofreu uma grave crise política, notória logo desde o dia 1 de Janeiro, quando, na República Centro-Africana, o coronel Jean-Bedel Bokassa derrubou o presidente David Dacko, suspendeu a Constituição e estabeleceu uma brutal ditadura militar. Já anteriormente, David Dacko tinha modificado a Constituição e estabelecido um partido único, pelo qual foi eleito presidente, em 1964. A 4 de Janeiro, no Alto Volta, deu-se outro golpe de Estado, dirigido pelo chefe do Estado-Maior do Exército, coronel Sangoulé Lamizana, que derrubou o presidente Maurice Yaméogo. Lamizana acumulou a chefia do Estado com a do Governo, dissolveu o Parlamento, suspendeu a Constituição e a actividade das forças políticas e, para governar, apoiou-se num Conselho Supremo das Forças Armadas.

Algo semelhante aconteceu na Nigéria onde, a 15 de Janeiro, depois de umas eleições legislativas supostamente fraudulentas, os quadros intermédios do Exército fizeram um golpe e assassinaram o primeiro-ministro, Abubakar Tafawa, e o presidente da região Norte, Ahmadu Bello. O golpe de Estado converteu o chefe do Estado-Maior do Exército, general Johnson Aguiyi-Ironsi, em presidente do país e este substituiu o Estado federal por um centralizado. Como a esmagadora maioria dos golpistas era da tribo ibo (cristãos), como o próprio presidente, estes ocuparam muitos dos cargos das Forças Armadas, em detrimento das outras tribos.

Por isso, a 29 de Julho, militares das tribos houassa (islâmicos) e yoruba (animistas) realizaram um contragolpe que, depois de executar o general Aguiyi-Ironsi, colocou no poder o general Yakubu Gobon, que restabeleceu o Estado federal, tendo os seus partidários levado a cabo um massacre de ibos. Estes choques interétnicos voltaram a dar-se em Setembro e quase levaram ao desaparecimento dos ibos na zona Norte do país, de onde tinham fugido a fim de se refugiarem nos seus locais de origem. Esta crise interétnica também estava relacionada com o aproveitamento de importantes depósitos petrolíferos, descobertos em 1963, no Este e Sudeste do país, e explorados pelas companhias britânicas Shell e British Petroleum. As jazidas encontravam-se maioritariamente nas zonas dos ibos que, ao estarem na altura excluídos do poder, perceberam que não iam beneficiar dos lucros daquelas, pelo que defenderam o secessionismo do seu território, o Biafra, iniciando-se no ano seguinte uma guerra civil.

Também o Uganda atravessou um período de grande instabilidade. A 23 de Fevereiro, o primeiro-ministro Milton Obote, para impedir uma investigação parlamentar em que, juntamente com o seu comandante-chefe Idi Amin Dada, era acusado de corrupção, suspendeu a Constituição e deteve cinco dos seus ministros, com o pretexto de que planeavam um golpe de Estado. Milton Obote, depois de assumir plenos poderes, destituiu o rei Mutesa II, obrigando-o a exilar-se, e criou uma nova Constituição centralizadora, acabando com o Estado federal e a monarquia.

A 24 de Fevereiro deu-se outro levantamento militar, desta vez no Gana. Enquanto o presidente Kwame Nkrumah se encontrava numa viagem oficial pela República Popular da China e Vietname do Norte, o general Joseph A. Ankrah apoderou-se do poder como presidente de um Conselho de Libertação Nacional, composto por sete membros, quatro da polícia e três militares. Este conselho assumiu todos os poderes, suprimiu a Constituição e ilegalizou o partido único, o Partido da Convenção do Povo. Os golpistas acusaram o anterior presidente de ter arruinado o país com o seu “socialismo africano” e, por isso, numa inflexão de 360º, abriram as portas ao capital estrangeiro. Kwame Nkrumah, depois de regressar a África, exilou-se em Conacri, onde viria a falecer em Abril de 1972.

Noutros países, a instabilidade política e a miséria económica propiciaram o despoletar de guerras civis. Foi o caso do Chade, onde os muçulmanos do Norte estavam afastados do poder e eram governados pelos animistas e cristãos do Sul, o que deu origem ao aparecimento da Frente de Libertação do Chade (Fronilat), em Junho de 1966, que, pouco depois, iniciou a guerra civil. Por outro lado, a 21 de Novembro houve uma tentativa de derrubar o Governo do Togo, dirigida pelo pró-ocidental Nicholas Grunitzky, mas o sector maioritário do Exército conseguiu impedi-lo.

 

Isolamento de Portugal

Na frente internacional, a política portuguesa continuou a ser questionada pela Assembleia Geral da ONU que, a 20 de Janeiro, aprovou uma resolução condenando os governos português e sul-africano, por se negarem a reconhecer o direito de independência dos povos que administravam.

No dia seguinte, aprovou também a concessão de bolsas de estudo e apoios à formação profissional para os habitantes dos territórios sob administração portuguesa. E ainda a 25 do mesmo mês, aprovou outra condenação ao Executivo de Salazar por incrementar a repressão e as operações militares contra os africanos das suas colónias, aos quais também impedia a sua liberdade e a independência. E reafirmava-se também que a política portuguesa representava um perigo para a paz internacional.

Também os chefes de Estado e de Governo da África Central e Ocidental mantiveram a mesma posição, reclamando, numa cimeira realizada no Quénia a 31 de Março, maiores esforços para libertar os territórios portugueses do opróbrio colonial. Durante o Congresso da Internacional Socialista, realizado entre 5 e 8 de Maio, em Estocolmo, atacou-se duramente o colonialismo e reclamou-se o direito à independência de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Foi, além disso, a primeira vez que um movimento de libertação de uma colónia portuguesa, neste caso a FRELIMO, foi convidado a assistir.

O isolamento de Portugal foi ainda notório a 18 de Maio, em Genebra, no decurso da XIX Assembleia da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Aprovou-se uma decisão que suspendia a assistência técnica ao Governo de Lisboa e que o expulsava da Comissão Regional para África. Na verdade, a cimeira de ministros africanos do Trabalho, realizada a 21 de Janeiro, tinha aprovado uma resolução mais dura, que pedia a exclusão de Portugal da OIT, mas não chegou a ter nenhuma repercussão prática. Por isso, esta resolução de Maio, apesar de ser mais suave, foi mais efectiva e representou uma clara vitória do anticolonialismo. Igual importância teve a decisão aprovada pela Conferência Geral da UNESCO, realizada em Paris, em Setembro, que excluiu Portugal desta organização.

O ataque às posições políticas de Portugal prosseguiu no seio da ONU. A 18 de Junho, o Comité de Descolonização, reunido em Argel, auscultou alguns desertores do Exército colonial português que explicaram, com todos os detalhes, aspectos das campanhas militares em Angola, Moçambique e Guiné, assim como a utilização de napalm e de outros meios militares fornecidos pela NATO. Como resultado desta situação, aprovou-se uma moção a pedir a todos os países, e especialmente aos
aliados de Portugal, que deixassem de apoiá-lo, que cortassem relações diplomáticas com ele, que impedissem a entrada de navios e aviões nos seus portos e aeroportos, que estabelecessem um boicote comercial e, finalmente, que cessasse a cooperação financeira do Banco Mundial e do FMI. A esta reunião assistiram delegados do MPLA e do PAIGC.

Em Outubro reuniu-se no Cairo uma delegação da OUA, constituída pelo Egipto, Gana e República do Congo, com representantes do MPLA e da FNLA/GRAE, para tentar de novo a fusão dos dois movimentos. Conseguiram um compromisso escrito mas, como era habitual, não foi cumprido. No mês seguinte, uma cimeira deste organismo pan-africano aprovou outra resolução condenando a política africana de Portugal, ao mesmo tempo que apoiava a luta de libertação, especialmente em Angola.

A 13 de Novembro, também o Conselho de Segurança da ONU condenou a aliança entre a África do Sul, a Rodésia e Portugal, e quatro dias mais tarde a Assembleia Geral voltou a condenar a Guerra Colonial que o Governo de Portugal mantinha em África, reiterando que esta constituía um grave perigo para a estabilidade e segurança mundial.

 

Zâmbia

No entanto, apesar do crescente isolamento do regime autoritário e imperialista português, a geopolítica também tinha a sua importância e Portugal aproveitou-se disso. Assim, por exemplo, a 2 de Dezembro de 1965, o presidente da Zâmbia, Kenneth Kaunda, escreveu uma carta urgente a Salazar, apenas um dia depois de ter imposto, no seu país, o racionamento de combustível, uma vez que este não chegava ao país, devido ao embargo petrolífero decretado pela ONU contra a Rodésia. Solicitava-lhe a utilização do aeroporto da Beira como escala da ponte aérea que os britânicos estavam a organizar a partir de Dar es Salam. Também lhe pedia que, através do caminho-de-ferro da Beira, e vindo do Malawi, pudesse chegar combustível ao seu país. Salazar só lhe respondeu a 17 de Janeiro, quase um mês e meio depois, para obrigar a Zâmbia a desistir do seu apoio aos movimentos de libertação e querendo demonstrar-lhe que Portugal não precisava da Zâmbia para nada, e que só procurava manter boa vizinhança. Era este último argumento que Salazar sublinhava na sua carta, embora subentendendo-se o outro. A forma de cooperação decidiu-se em conversações mantidas por representantes de ambos os países, e também do Malawi, no Hotel Polana de Maputo, de 15 a 17 de Fevereiro. Acordou-se em que a prioridade era a utilização das linhas ferroviárias da Beira ou Lobito e autorizou-se uma ponte aérea entre a Beira e a Zâmbia, a cargo da Royal Air Force, que, no entanto, não chegou a ser necessária, devido à excelência daqueles transportes.

 

Bloqueio do porto da Beira

Entretanto, a 1 de Março o Governo britânico completou o bloqueio naval ao porto da Beira, com meios navais e aéreos poderosos, impedindo a entrada de barcos com combustível que, através do oleoduto que saía da Beira, pudesse chegar à Rodésia.

Contudo, a 5 de Março, o petroleiro Joanna V conseguiu entrar no porto da Beira. Ao ser interceptado por uma fragata britânica que lhe tinha franqueado a entrada, o capitão argumentou que precisava de óleo para as máquinas e abastecimentos para a tripulação, mas que não pretendia descarregar as 16 000 toneladas de petróleo que transportava.

No entanto, o navio acostou no molhe destinado aos petroleiros e o Governo britânico ameaçou intervir militarmente. Também o Conselho de Segurança da ONU aprovou, a 9 de Abril, uma disposição criticando a ilegalidade da amarração do Joanna V e de outro petroleiro – o Manuela – da mesma companhia, que se dirigia também àquele porto, concluindo que estes factos constituíam uma ameaça à paz e instando o Executivo português a não permitir o funcionamento do oleoduto. Exortava igualmente a que nenhum país permitisse que a Rodésia se abastecesse de combustível e autorizava o Governo britânico a usar a força em caso de necessidade. Autorizava também os britânicos a apresar o Joanna V se este abandonasse o porto depois de descarregar o petróleo. Salazar temeu que a resolução do Conselho de Segurança fosse a desculpa perfeita para um ataque a Moçambique e apressou-se a defender militarmente a cidade, instalando artilharia antiaérea no aeroporto e preparando-se para inutilizar as pistas, caso fosse necessário impedir que aparelhos hostis aterrassem nelas. Também enviou ordens para proteger o porto. A Grã-bretanha, por sua vez, mobilizou efectivos militares de vários pontos do planeta em direcção à África Austral, entre eles os temíveis Gurkas. Nessa altura, o chefe do Governo sul-africano, Werwoerd, escreveu ao seu homónimo britânico, Harold Wilson, alertando-o para que, se na tentativa de efectivar o embargo à Rodésia, o seu país fosse atacado, responderia contundentemente.

 

Notícia da presença militar da Grã-Bretanha no canal de Moçambique. [Le Monde, 22 Março de 1966]

 

Rodésia

Perante esta situação, a coordenação das diplomacias de Lisboa, Pretória e Salisbúria reforçou-se. Salazar enviou o seu representante pessoal à Rodésia (12, 13 e 25 de Abril) e à África do Sul (21 do mesmo mês). O objectivo deste périplo era garantir o abastecimento da Rodésia, através dos caminhos-de-ferro de Moçambique e, especialmente, desde a África do Sul, onde as companhias ESSO e TOTAL passaram a comercializar um maior volume de crude, para poder enviar os excessos para a Rodésia. De facto, o Governo de Pretória mostrou-se decididamente empenhado em apoiar o Governo de Ian Smith, como o embaixador Burguer já tinha feito saber a Salazar, numa reunião secreta, a 31 de Janeiro. O Governo português também se mostrou disposto a ajudar a Rodésia, permitindo o transporte de crude por via ferroviária, mas sempre de forma encoberta, por receio de que o bloqueio naval acabasse por afectar todas as suas colónias. E para não criar desconfianças na comunidade internacional, sugeriu-se que a Rodésia fizesse crer que tinha efectivos problemas de abastecimento e decretasse restrições. A crise do Joanna V terminou quando, a 16 de Abril, Ian Smith declarou publicamente que não precisava desse petróleo, pelo que o navio abandonou o porto com toda a carga nos seus tanques. A Marinha, Aviação Naval e Força Aérea britânicas mantiveram o bloqueio do porto até à independência de Moçambique mas, ao não alargarem a fiscalização a outros portos do país nem aos da África do Sul, fizeram com que o embargo não tivesse nenhum sucesso.

 

Visista do ministro da Saúde da Rodésia, coronel médico Dr. Webfter, ao Hospital do Ultramar, em Lisboa. [DGARQ-TT-O Século]

 

 

Depois da saída do Joanna V e da não entrada do Manuela naquele porto, o perigo de intervenção britânica reduziu-se gradualmente mas, para controlar a crise com maior tranquilidade, Portugal jogou as suas cartas diplomáticas. Em Abril, o Ministério dos Negócios Estrangeiros publicou uma nota revelando a colaboração que mantinha com a Zâmbia e o Malawi, tanto por caminho-de-ferro como por estrada, para que pudessem ser abastecidos de combustível, e colocava a ênfase no facto de esta colaboração ser possível devido a um acordo conseguido por uma comissão tripartida entre os três países.

O Governo português também utilizou a seu favor a diplomacia francesa e brasileira. Paris mostrou-se especialmente solidária com Lisboa depois de o presidente De Gaulle ter abandonado a estrutura militar da NATO e de se ter demarcado da
política de Washington e de Londres. Mas, durante todo o Verão, o Governo de Salazar acreditou que os britânicos lhes queriam impor sanções económicas obrigatórias, bem como à África do Sul, depois do falhanço das conversações bilaterais entre os representantes de Salisbúria e de Londres, para encontrar uma solução para a crise rodesiana. Mas, dada a interdependência entre a economia britânica e a sul-africana, as sanções económicas não se aplicaram, tendo servido apenas para unir ainda mais os três aliados da ponta sul do continente.

Foi assim que o grupo português Petrangol, dirigido por Manuel Boullosa, e o grupo sul-africano Federal Mynbou, dirigido por Américo Müler, acordaram em procurar novas jazidas com as quais Portugal poderia obter divisas para acelerar o desenvolvimento das colónias e sustentar o esforço de guerra, enquanto a África do Sul poderia diversificar as suas fontes de abastecimento, conseguindo maior autonomia em relação aos mercados do Médio Oriente e do Irão.

 

Capa da revista Time dedicada a Ian Smith.

 

África do Sul

A 6 de Setembro, o primeiro-ministro da África do Sul, Hendrik Verwoerd, foi assassinado por um porteiro do Parlamento que estava mentalmente desequilibrado. Foi substituído pelo ministro da Justiça, Johannes Vorster. Nessa altura, tentando enfraquecer o regime racista, uma resolução da Assembleia Geral da ONU, de 27 de Outubro, deu por terminado o mandato concedido à África do Sul pela Sociedade das Nações, em 1920, para a administração do Sudoeste Africano (actual Namíbia), mas o regime de Pretória ignorou o caso.

 

Congo

A capacidade portuguesa de desestabilizar os países limítrofes das suas colónias era considerável. Em relação ao Congo-Brazzaville, Portugal conspirou para reconduzir o abade Fulbert Youlou no Governo e, com essa finalidade, a 18 de Fevereiro, este avistou-se secretamente com Salazar, em Lisboa. A mudança de regime seria muito favorável a Portugal, pois com o Governo pró-soviético de Massemba-Debat, este país era a principal retaguarda do MPLA e onde este tinha a sede da sua direcção. Além disso, foi também a partir das suas fronteiras que se desencadeou o maior ataque de toda a guerra sobre Cabinda. Portugal empenhou-se verdadeiramente nesta operação e teria até obtido, com a ambiguidade que caracteriza a diplomacia vaticana, o beneplácito da Santa Sé. A PIDE também contactou a Oposição deste país para que participasse na acção. Paralelamente a estas manobras, a ditadura portuguesa tentou também desestabilizar a República Democrática do Congo e organizou, a 19 de Julho, na sede da PIDE em Lisboa, uma reunião para entregar o poder do Catanga a Tchombé. Além dos principais chefes da PIDE, assistiram a este compromisso delegações dos serviços secretos sul-africanos, belgas erepresentantes do dirigente catanguês.

Depois de dada luz verde à operação, concentraram-se em Lisboa cem mercenários que foram transportados para Luanda num avião belga, entrando na República Democrática do Congo. O golpe estalou a 23 de Julho em Kisangani (ex-Stanleyville), com um motim de mercenários e ex-gendarmes catangueses. Depois de várias semanas, a revolta foi esmagada pelo Governo de Mobutu e os derrotados tiveram de regressar a Angola, ficando concentrados em Vila Luso. Temendo que estes pudessem atacar novamente, o Governo de Kinshasa, a 21 de Setembro, denunciou ao Conselho de Segurança da ONU que na fronteira de Angola mercenários brancos estavam preparados para os atacar. Dois dias depois, o presidente Mobutu incentivou as milícias jovens do seu regime a assaltar a embaixada portuguesa, que foi completamente saqueada. O encarregado dos Negócios Estrangeiros, António Garcia, foi ferido e raptado durante algumas horas. Cinco dias depois, o Governo de Mobutu cortou relações diplomáticas com Portugal. A 30 de Setembro, o Conselho de Segurança da ONU reuniu-se para apreciar a denúncia.

 

Notícia sobre a presença de mercenários do Congo em Lisboa. [Diário Popular, 26 de Novembro de 1966]

 

Nestas reuniões também participaram, mas sem direito a voto, os países vizinhos do acusador: Burundi, Congo-Brazzaville, Tanzânia e República Centro-Africana. A 14 de Outubro, depois de longas reuniões e deliberações, e verificada a veracidade do exposto pelos representantes de Mobutu, publicou-se uma resolução exigindo que Angola não fosse uma base de desestabilização da República Democrática do Congo e pedindo que nenhum Estado se imiscuísse no assuntos internos deste país.

Em Setembro, Tchombé ainda chegou a propor ao Governo português uma nova intervenção armada, no dia 15 de Outubro. Escreveu a Salazar explicando-lhe que tinha apoios na Rodésia, em França e na Bélgica, mas Salazar não quis arriscar-se numa altura em que estava reunido o Conselho de Segurança, e a operação não chegou a concretizar-se. Contudo, Portugal continuou a subsidiar o líder catanguês e os seus fiéis, para manter do seu lado esse poderoso instrumento de desestabilização da República Democrática do Congo. E depois de várias incursões de guerrilheiros da FNLA/GRAE, vindos desse país, o Governo português fechou a fronteira norte de Angola a 15 de Dezembro, o que significava que ficaria cortada a circulação na linha ferroviária de Benguela, pela qual circulavam 85% do tráfego daquele país com o exterior, o que afectava também a Zâmbia.

 

Notícia das manifestações contra Portugal no Congo. [Diário de Notícias, 4 de Outubro de 1966]

 

A violação de fronteiras também foi denunciada, a 11 de Junho, pelo Governo do Congo-Brazzaville ao Conselho de Segurança, dizendo que uma esquadrilha de oito aviões portugueses tinha penetrado no seu espaço aéreo e bombardeado algumas aldeias, extremo que, obviamente, o Governo português negou. A 12 de Junho, em Lusaca, o representante da FRELIMO, Jaime Sigauke, foi assassinado, tendo a polícia local atribuído o acto à PIDE. Na segunda semana de Agosto, também a Zâmbia recorreu à ONU para denunciar outro ataque português a uma das suas aldeias fronteiriças com Angola. Mas Portugal, comprometido com a causa rodesiana, e querendo diminuir a pressão internacional, ameaçou o Governo de Lusaca de lhe cortar o fornecimento de combustível, que chegava por via férrea e rodoviária a partir de Angola e Moçambique, conseguindo assim abafar as suas queixas. Por outro lado, para aparentar uma política apaziguadora, a ditadura salazarista difundiu, a 23 de Agosto, um acordo feito com o Governo do Malawi para a construção de um ramal ferroviário a unir o porto de Nacala com o Malawi, o que tornava as comunicações ferroviárias deste país totalmente dependentes da colónia de Moçambique, permitindo a Portugal exercer uma chantagem efectiva sobre ele. Obviamente, as autoridades portuguesas trataram de fazer crer que esta extensão ferroviária beneficiaria também a Zâmbia.

 

Macau

Também se verificou um grave conflito em Macau, com a República Popular da China, que se prolongou de 3 de Dezembro de 1966 a 29 de Janeiro de 1967. Durante esse período, e sujeita à intervenção dos Guardas Vermelhos, a administração portuguesa perdeu o controlo efectivo do território e viu-se obrigada a reconhecer, implicitamente, a soberania da China. Na origem destes incidentes esteve a recusa do gabinete português em autorizar a reconstrução de uma escola na ilha de Taipa, que associações profissionais comunistas queriam levar a cabo com os seus próprios fundos. A proibição resultou em confrontos entre o Exército e os manifestantes, que se saldaram em oito mortos, 212 feridos e 62 pessoas detidas, todas de origem chinesa. Pressionado por Pequim, Salazar viu-se obrigado, a 29 de Janeiro de 1967, a ceder a todas as exigências das autoridades comunistas: o reconhecimento da total responsabilidade portuguesa nos incidentes, a demissão e regresso a Lisboa de todos os responsáveis militares e policiais da colónia, o compromisso de pagar todas as indemnizações que viessem a ser pedidas, a abolição da lei marcial decretada em Dezembro de 1966, a libertação de todos os detidos, a autorização aos habitantes de Taipa para a reconstrução da sua escola e a proibição em Macau de qualquer actividade dos agentes de Chiang Kai-Shek. Durante os 58 dias que duraram os acontecimentos, a administração portuguesa não conseguiu ter qualquer autoridade e só a retomou depois de assinar o acordo de responsabilização que o Governo de Pequim lhe apresentou. A ditadura silenciou os incidentes e a humilhante declaração que se viu obrigada a aceitar. No entanto, Pequim não quis alterar o estatuto de Macau porque representava uma porta de saída de produtos e de entrada de divisas que lhe permitia manter uma presença financeira nesta área e, além disso, era um centro de recolha de informações.

Por isso, os representantes de Pequim na ONU opuseram-se a que a Comissão de Descolonização incluísse Macau entre os territórios sob domínio colonial, declarando que esta era parte integrante do território chinês e que se tratava de um problema interno, a resolver entre Pequim e Lisboa.

 

CONCP

Em relação aos movimentos de libertação, verificou-se uma maior coordenação entre eles no seio da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), que agrupava o MPLA, o PAIGC e a FRELIMO. Em Março, uma delegação com representantes destes três movimentos encontrou-se, em Moscovo, com destacados dirigentes do PCUS, que lhes garantiram a continuidade da ajuda soviética. A 27 de Agosto, outra representação tripartida, encabeçada respectivamente por Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos, reuniu-se em Brazzaville para reforçar a colaboração mútua a alargá-la à Oposição portuguesa exilada em Argel e agrupada na FPLN.

 

UNITA

Em Angola, este período foi marcado pela criação da UNITA, pela abertura da frente leste pelo MPLA e pela estagnação da FNLA. Segundo as suas próprias fontes, a UNITA tinha sido fundada a 13 de Março, na aldeia de Chocué do Muangai, ao sul de Luena, no interior do distrito do Moxico e a cerca de 200 km da fronteira com a Zâmbia. Cerca de 200 pessoas assistiram ao evento, embora na verdade não soubessem de nada e se tivessem deslocado ali apenas para se informarem do seu programa e da situação relativa à independência. Jonas Savimbi e os que mais tarde vieram a constituir o núcleo dirigente da organização ainda se encontravam na República Popular da China, e tinham solicitado aos organizadores que não anunciassem publicamente a sua criação até que pudessem implantar-se fortemente naquela região. De facto, a organização era muito débil, pouco estruturada e dispunha apenas de algum apoio na retaguarda zambiana, pois, desde finais de 1965, alguns angolanos que trabalhavam nas minas desse país tinham sido mobilizados por simpatizantes dos “Amigos do Manifesto Angolano” (Amangola), organização antecessora da UNITA. Tentaram, com sucesso desigual, acções semelhantes junto das populações fronteiriças com a Zâmbia, desde Cazombo até Luiana, onde procuraram o apoio dos chefes tradicionais e das etnias ambuela, quioca e ganguela.

Jonas Savimbi entrou em Angola em Outubro, quando os quadros dirigentes da organização garantiram a sua segurança. Estabeleceram a sua base principal em Lungué-Bungo, a dois meses a pé da fronteira da Zâmbia. Depois de realizarem um trabalho de agitação, as primeiras acções armadas foram desencadeadas em Dezembro. Assim, no dia 4, um grupo de guerrilheiros que tinha apenas dez espingardas atacou vários madeireiros em Cassamba, que responderam ao ataque e mataram vários membros da UNITA. No dia 25, em Teixeira de Sousa, num ataque com poucas armas modernas e com pouca organização militar, a UNITA sofreu mais de 200 baixas e causou seis mortes civis. Estes acontecimentos não ajudaram a consolidar um movimento, no qual, além disso, viriam a estalar divergências.

 

FNLA

A FNLA/GRAE perdeu toda a sua capacidade de actuação, tanto em Cabinda como em grande parte da fronteira com Angola, pelas contínuas dissidências nas suas fileiras. Uma delas foi a dos cabindas e bacongos, que tinham constituído a Junta Militar de Angolanos no Exílio (JMAE), dirigida por Alexandre Taty, e que se passaram para os portugueses em Dezembro de 1965. Estes, então, prepararam um plano para transformar estes ex-membros das forças de Holden Roberto, pouco coesos e disciplinados, em Tropas Especiais (TE). Os militares portugueses, coordenados com a PIDE, permitiram que alguns desses dissidentes entrassem, a 29 de Janeiro, em pequenos grupos de cerca de 30 indivíduos, no Congo-Brazzaville até Cabinda, mas o grosso do contingente deveria permanecer em Malele (R. D. Congo), para combater a própria FNLA. Entre Fevereiro e Março, Alexandre Taty foi detido em Matadi, no Congo, por forças da FNLA, e foi levado para um quartel em Kinshasa, de onde conseguiu fugir para Noqui (também no Congo), com a ajuda da PIDE, e dali foi resgatado por um avião DO-27 da Força Aérea Portuguesa. Mas os problemas e o enfraquecimento do GRAE continuaram. Em Julho, um dos opositores de Holden Roberto e aliado de Alexandre Taty, André Cassinda, tentou destituí-lo pela força, mas foi detido a 27 de Julho.

Por outro lado, em Junho, fontes militares portuguesas reconheciam que os comandos das TE em Cabinda atravessavam uma crescente falta de motivação, atribuindo-a tanto à sua falta de disciplina como ao facto de a independência não se concretizar. Para combater esta situação, Taty, que era pago pela PIDE, que inclusivamente lhe cedeu uma casa em Luanda, foi instruído no sentido de deixar claro aos seus homens que o objectivo era pacificar Cabinda, eliminando o MPLA e a FNLA, e que a discussão sobre a independência poderia realizar-se quando este objectivo fosse alcançado. De qualquer forma, os relatórios militares portugueses assinalavam também que, desde a integração das TE em Angola, a FNLA tinha deixado de actuar, e tinham-se detectado apenas agentes recolhendo informações, ao passo que o MPLA tinha sido varrido do território de Cabinda durante a primeira metade desse ano, como consequência dos ataques sofridos pelas suas bases. No entanto, voltou depois a estabelecer-se perto da fronteira de Kimandongo, com pouca actividade operacional, pois o seu principal objectivo na altura era a transferência dos seus efectivos para a Zâmbia, para abrir a frente leste.

 

MPLA

O MPLA tinha-se instalado na Zâmbia nas vésperas da sua independência (Outubro de 1964), mas o seu responsável, Daniel Chipenda, foi detido e expulso do país. O objectivo do MPLA era abrir a chamada Frente Leste (ou 3ª Região Militar), através da qual poderia ligar à 1ª Região Militar estabelecida em Dange, na floresta dos Dembos, entre os distritos de Cuanza Norte e de Luanda. Esta tinha-se constituído a partir de 1961, com os fugitivos da repressão do 4 de Fevereiro, em Luanda, e que tinham sido enquadrados pelas comunidades evangélicas da zona. Viviam em péssimas condições, tendo de defender-se da PIDE e do Exército português, ao mesmo tempo que procuravam impedir a penetração da FNLA para sul. O projecto de ligar as duas regiões militar era ciclópico, pois teria de se cruzar toda a Lunda e o Malange, no que acabou por ficar conhecido como a Rota Agostinho Neto. Só no interior de Angola esta rota representava milhares de quilómetros, mas o desafio era ainda maior, sabendo que através dela deviam entrar no país os apetrechos que os soviéticos desembarcavam nos portos tanzanianos do Índico e que, dali até à fronteira da Zâmbia com Angola eram 12 000 km de más estradas. Quando o MPLA decidiu oficialmente abrir esta frente, apercebeu-se de que muitos angolanos já tinham sido mobilizados pela UNITA e ainda que, como a OUA só reconhecia como legítima representante de Angola a FNLA/GRAE, tanto a sua actividade como a da UNITA na Zâmbia tinham de ser semiclandestinas. Além de tudo, o MPLA tinha falta de armamento e esta necessidade de material bélico era tão premente que aquele que foi necessário para iniciar os combates no Leste foi Daniel Chipenda, que o conseguiu da FRELIMO, em troca de, tendo o MPLA um eficaz sistema detransportes, colocar o material da FRELIMO na fronteira da Zâmbia com o distrito moçambicano de Tete, onde esse movimento abriu uma nova frente de combate.

A primeira acção militar do MPLA no Leste deu-se a 16 de Maio, com um ataque dirigido pelo chefe guerrilheiro Canhangulo a um quartel da região de Lumbala, matando sete soldados portugueses. Ao longo do ano, o MPLA reforçou o trabalho político junto dos luenas, lundas e bundas. Em Outubro, a guerra estendeu-se ao distrito de Cuando-Cubango, penetrando em direcção ao centro e ocidente, onde se concentrava a riqueza e a população, e onde podia decidir-se a guerra. Para cortar esta penetração, o comando português bombardeou toda a fronteira com a Zâmbia, o que dificultou o abastecimento das colunas guerrilheiras. Efectuou também uma ofensiva sobre a 1ª Região Militar do MPLA, a Operação Quissonde, usando milhares de africanos para destruir manualmente as machambas de mandioca em toda a zona de Nambuangongo-Quicabo-Pedra Verde e Quitexe, para obrigar os guerrilheiros e os civis que os alimentavam a abandonar as florestas e a apresentarem-se às autoridades portuguesas, o que deixou o MPLA gravemente debilitado nesta zona de actuação. Isto obrigou o partido de Agostinho Neto a ter de reforçar a 1ª Região Militar com colunas que, saindo do Congo-Brazzaville, passassem pela República Democrática do Congo e entrassem em Angola pela fronteira norte, até ao seu destino, na área de Dembos-Nambuangongo. A primeira coluna, baptizada Cienfuegos em honra de um herói da Revolução Cubana (uma vez que foram os assessores cubanos instalados em Brazzaville, sob o comando do comandante Jorge Risquet, que a organizaram), saiu em Setembro e chegou intacta à zona da 1ª Região Militar, comandada por João Jacob Caetano, o “Monstro Imortal”. Esta 1ª Região Militar era apoiada também pelos nacionalistas angolanos do interior do país, especialmente os procedentes de meios urbanos, que eram coordenados a partir da capital, onde funcionava o Comité Regional de Luanda.

Criado nessa época e vinculado ao MPLA, era dirigido por Eduardo “Juca” Valentim e tinha ramificações em várias cidades: Silva Porto (Cuíto), Benguela, Nova Lisboa (Huambo), Salazar (Ndalatando) e outras. Encarregava-se de fazer chegar à zona dos Dembos, preferencialmente através do Caxito e Catete, dinheiro, comida, roupa ou, inclusivamente, combatentes perseguidos, como foi o caso de Bernardo Alves Baptista “Nito Alves”, que fugiu de Luanda a 6 de Outubro de 1966, quando soube que ia ser detido pela PIDE, e chegou à área guerrilheira três dias depois, convertendo-se num dos seus principais chefes político-militares.

 

TE – Tropas Especiais

O Exército colonial, para manter o controlo nesta zona Este, realizou também acções de contraguerrilha, levadas a cabo por um grupo de TE dirigido por Hermínio Ferreira, que era o chefe militar dos efectivos comandados por Taty, e aos quais se juntaram outros militares na base de Lungué-Bungo, a 4 de Setembro, chegando a ser 23 homens. Foram agrupados na denominada Operação Sonda e, munidos de armas chinesas e dinheiro e documentos zambianos, realizaram um périplo que durou cerca de um mês, ao longo de 300 km, com o objectivo não só de localizar grupos guerrilheiros, mas também de identificar sobas apoiantes dos movimentos de libertação. Do seu relatório final, depreende-se que uma parte da população com quem tinham contactado estava politizada a favor da independência. Estas acções de contraguerrilha com TE realizaram-se regularmente desde então e proporcionaram sucessos notáveis às tropas portuguesas.

 

Moçambique

Em Moçambique, a progressão da FRELIMO foi travada por uma melhor operacionalidade das Forças Armadas portuguesas, que passaram a dispor de helicópteros, aumentando a rapidez de actuação dos seus efectivos e a evacuação dos seus feridos em emboscadas. Em Outubro alteraram o seu dispositivo militar, criando a Zona de Intervenção do Norte (ZIN), levando a que parte do Quartel-General que estava em Lourenço Marques se deslocasse para Nampula, onde se constituiu um comando avançado. Esta foi a primeira medida eficaz tomada pelo segundo comandante da colónia, Costa Gomes. Esta maior operacionalidade foi reconhecida pelo próprio Samora Machel, ao confirmar que, durante esse ano, os bombardeamentos inimigos se intensificaram e a fome se estendeu pelas zonas de Cabo Delgado e Niassa, controladas pela guerrilha, provocando uma significativa desorganização tanto entre os combatentes como entre a população que os apoiava. Esta maior capacidade do Exército colonialtambém levou a mudanças na liderança guerrilheira e o chefe de operações, Filipe Magaza, foi substituído por Samora Machel. Durante esse período a PIDE alargou o seu campo de actuação, tornando a vida difícil à FRELIMO, na retaguarda tanzaniana. Em Outubro, vários agentes, sob o comando do inspector Matos Rodrigues, colocaram uma carga explosiva no seu acampamento de Mtwara. Aliás, esta povoação, com um importante porto onde os movimentos de libertação iam receber o material bélico enviado pelos países de Leste e pela China, foi alvo de sabotagens frequentes, da responsabilidade de agentes portugueses, rodesianos e sul-africanos. Foi a importância da PIDE como serviço de informação militar que fez com que, a 2 de Julho, se criassem novos postos, para reforçar o controlo da colónia.

 

As tropas portuguesas tiveram sempre grande dificuldade de movimentação nas duas zonas de combate do Norte de Moçambique – Niassa e Cabo Delgado. [AHM]

 

Guiné

Na Guiné-Bissau, durante este período, a liderança de Amílcar Cabral reforçou-se, e com ela o PAIGC. O seu papel foi especialmente significativo durante a I Conferência de Solidariedade Tricontinental, realizada em Havana, de 3 a 15 de Janeiro. Amílcar Cabral teve um demorado encontro com Fidel Castro, que se comprometeu a ajudá-lo na luta pela libertação do seu país. De facto, meses depois começaram a chegar a Conacri instrutores militares cubanos, pessoal de saúde, condutores e técnicos de electricidade e mecânica, todos eles negros. O PAIGC também contou com outra importante colaboração, a do Senegal, com cujo Governo assinou, a 21 de Março, um documento denominado “Protocolo de Acordo”, com o qual os camiões da guerrilha podiam transitar por território senegalês. A mercadoria e os homens em trânsito, vindos da Guiné-Conacri, onde tinham a sua principal retaguarda, só precisavam de apresentar um salvo-conduto passado pelo PAIGC, confirmando que realizavam uma missão deste partido. Mas o transporte de material de guerra tinha de ser escoltado pelo Exército senegalês, depois de a sua passagem ser autorizada pelo Ministério do Interior com uma guia de marcha, onde tinha de constar o tipo de mercadoria, quantidades, lugar de entrada e de saída. A principal preocupação do Governo senegalês era que não se armazenassem armas no seu território e que estas não se desviassem para as organizações antigovernamentais de Casamança.

O Protocolo de Acordo só conseguiu ser assinado depois de Amílcar Cabral ter mantido uma tensa entrevista com Senghor, na qual lhe deu novas garantias de que o PAIGC era totalmente autónomo em relação a Sekou Turé. A partir desta data, Luís Cabral estabeleceu-se em Ziguinchor, capital da região de Casamança, situada a 16 km da fronteira com a Guiné-Bissau. Nesta cidade, o PAIGC também criou um “Lar do Combatente” que, além de acolher os guerrilheiros de passagem, se converteu no principal hospital desta frente. Os abastecimentos através do Senegal melhoraram a capacidade ofensiva do PAIGC, pois a fronteira do Norte era a mais extensa da Guiné–Bissau e, a partir dela, acedia-se com facilidade aos centros urbanos mais importantes.

Em Setembro, no entanto, os serviços de segurança do PAIGC neutralizaram uma tentativa de assassinar o secretário-geral. Sempre existiram profundas divergências neste partido, entre a liderança, maioritariamente cabo-verdiana, e os combatentes, maioritariamente guineenses. Era esta dinâmica que estava por trás desta tentativa. Os acusados foram executados, depois de fontes do partido revelarem que o atentado deveria realizar-se mediante um tiro de bazuca, no momento em que Amílcar Cabral estivesse dentro de uma cabana, no Boé.

 

Devido às características do terreno da Guiné, as lanchas de desembarque foram também utilizadas no apoio de transporte de pessoal e de material. [AHM]

 

São Tomé e Príncipe

No arquipélago atlântico de São Tomé e Príncipe, tradicionalmente tranquilo, deu-se um incidente a 20 de Janeiro, que voltou a questionar a tão propalada harmonia racial que a ditadura proclamava. Nessa noite, dentro do quartel, um sargento português foi gravemente ferido por uma arma branca, sem que se conseguisse identificar os seus agressores.

Todas as suspeitas da polícia recaíram em soldados africanos e, depois das investigações, acabou por ser acusado o cabo negro Negus Couto. Este foi detido a 2 de Fevereiro e foi encontrado morto no dia seguinte, depois de ter sido torturado. A 3 de Fevereiro era o 13º aniversário da Matança de Batepá e, temendo uma reacção descontrolada dos nativos, as tropas portuguesas entraram em prevenção, estabelecendo postos de vigilância nos centros nevrálgicos da capital e colocando a Polícia Militar a patrulhar as principais artérias. Também a 8 de Outubro, segundo Gerhard Seibert, o comandante da PSP ordenou uma rusga nocturna na cidade de São Tomé, e nos seus subúrbios foram sendo detidos todos aqueles que não tinham documentos de identificação, o que fez com que mais de 300 pessoas fossem levadas para o quartel da polícia. Nesta operação participou também o Exército. Também aqui o fantasma de Batepá esteve presente, e com ele o medo da população africana de que as forças da ordem pretendessem desencadear nova matança.

 

Política colonial

O Governo português reforçou o seu compromisso com a causa colonial, tendo publicado, por um lado, um decreto-lei, no início de Abril, estabelecendo sanções penais para quem favorecesse a emigração clandestina e ilegal, numa tentativa de dificultar a saída de desertores para o estrangeiro, e por outro lado, em Julho, actualizou as pensões e subsídios devidos aos combatentes feridos ou mutilados e aos familiares dos falecidos em combate ou por serviços excepcionais e relevantes realizados ao serviço do país. Também se apostou claramente em abrir a economia e os recursos coloniais ao capital estrangeiro e ao sector bancário, e liberalizou-se a concorrência bancária e a criação de uma estrutura de crédito nas colónias. Assim, a 4 de Julho autorizou-se o funcionamento do Banco Totta Standard. Cinco dias mais tarde, aprovou-se um aumento de impostos, entre os sete e os 27%, para fazer face à crescente despesa na Defesa Nacional. Dentro dessa política, renovou-se a concessão de prospecção em Cabinda, à Gulf Oil, para que explorasse os fundos marinhos profundos e, dois anos mais tarde, já extraía 150 000 barris diários. Foi neste cenário que, a 28 de Maio, em Braga, o regime celebrou com pompa e circunstância o 40º aniversário do golpe realizado nessa mesma data, fazendo um paralelismo entre os perigos que ameaçavam Portugal nas vésperas do afundamento da Primeira República e os que o afectavam agora, com o ataque “terrorista no Ultramar”.

O Estado Novo pretendeu também passar uma imagem de renovação ideológica, mediante diversos actos comemorativos e ciclos de conferências por todo o país. Mas a maior aposta do Estado Novo em relação à modernidade deu-se a 6 de Agosto, com a inauguração em Lisboa da ponte suspensa sobre o Tejo, baptizada como Ponte Salazar. Naquela altura, era a maior ponte suspensa da Europa, com 2277 metros de comprimento e 30 metros de largura.

Também a conclusão das obras de Santa Engrácia e a sua transformação em Panteão Nacional, a 7 de Dezembro, se inseriram nessa política instrumental do regime, de transformar a epopeia portuguesa dos Descobrimentos num mero pretexto para exaltar a dominação colonial e justificar a guerra.

 

Conferência de imprensa de Franco Nogueira sobre as votações anti-portuguesas nas Nações Unidas. [DGARQ-TT-O Século]

 

Oposição

A Oposição portuguesa continuava a tentar desgastar o regime e acusava-o de estar implicado no assassínio de Humberto Delgado. Este papel coube especialmente ao advogado do general, Mário Soares, e aos socialistas, pois a notoriedade alcançada com o caso Humberto Delgado deu-lhes visibilidade e prestígio internacionais. Por outro lado, a Oposição liberal dirigida por Cunha Leal, líder da Acção Democrato-Social, limitou-se a escrever cartas a Salazar, como a de 1 de Setembro denunciando o autoritarismo do regime, e a publicá-las na imprensa, o que era sempre impedido pela censura, umas vezes com cortes totais e outras, na melhor das hipóteses, deixando publicar fragmentos incoerentes, que eram praticamente incompreensíveis.

Esta Oposição, que não pedia explicitamente a independência das colónias, interessava ao regime, pois permitia-lhe aparentar alguma dose de liberalismo. O PCP, por seu lado, no início de Janeiro, sofreu a detenção de Pedro Vieira de Almeida o que, juntamente com as detenções do ano anterior, afectou gravemente a confiança dos militantes clandestinos. Como o próprio Comité Central reconheceu, em Agosto, as dificuldades e debilidades que tinham sido identificadas no VI Congresso, no ano anterior, não só não tinham sido resolvidas como tinham mesmo aumentado, verificando-se uma enorme distância, tanto entre a direcção do PCP e as suas bases como entre o conjunto do partido e a classe operária e a sociedade.

Também os dirigentes da FAC/CMLP que não tinham sido detidos no ano anterior caíram nas mãos da polícia entre Janeiro e Fevereiro, encontrando-se, entre eles, Francisco Martins Rodrigues e Rui d’Espiney, ficando assim desmantelados o partido e o seu braço armado.

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