1967 - África para sempre: Cahora Bassa

1967

O regime português e a África

Do Catanga ao Biafra

Como já acontecera com a tentativa de secessão do Catanga, Lisboa tornou-se uma das principais bases dos secessionistas do Biafra. Em Lagos, capital da Nigéria, foi apreendido um carregamento de armamento para o Biafra, com origem em Lisboa. Ao mesmo tempo que apoiava o Biafra, Salazar continuava empenhado na desestabilização do Zaire. Os mercenários do coronel Jean Schramme invadiram o Zaire a partir do Catanga, foram derrotados e refugiaram-se em Angola. O Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou Portugal por permitir o trânsito dos mercenários para o Zaire.

 

Tropas da Nigéria combatem contra independentistas do Biafra [CD/DN]

 

Uma política agressiva

Apesar da litania de Salazar de que Portugal era uma pobre vítima de uma guerra injusta imposta do exterior, ele envolveu o país nas grandes manobras de desestabilização que ocorreram em África nos anos 60. Manobras onde ninguém fala de pátria, de direitos inalienáveis, de séculos de História, de solo pátrio, de bem, ou de civilização ocidental, mas onde se trata de interesses, de atingir os fins sem olhar aos meios. Foi neste ambiente de fora-de-lei que, em 1967, a secessão do Catanga estava a acabar enquanto a do Biafra começava.

 

A aliança da França e de Portugal no Catanga e no Biafra

Os grandes interesses por detrás de ambos os territórios serão os mesmos – as grandes companhias mineiras e dois Estados europeus aliados: a França e Portugal. A primeira, ainda com De Gaulle a tentar representar o papel de grande potência em África, sempre ao lado dos perturbadores para ganhar influência para a “francofonia”; o segundo, interessado na desestabilização dos novos países independentes para justificar a sua política colonial.

 

O fim do Catanga

O Catanga das minas e das plantações desagregava-se nos últimos estertores, no final de um processo com todos os ingredientes de caos, com um antigo colono que se transformara em mercenário – Jean Schramme – encurralado num simulacro de Estado, tendo à sua volta os gendarmes catangueses que comandara durante dois anos.

Quando, a 30 de Junho de 1967, Schramme e Bob Denard tomaram conhecimento da prisão espectacular de Moisés Tchombé em Espanha, souberam que corriam perigo. Associados aos gendarmes catangueses, seus aliados, reagiram rapidamente e tomaram simultaneamente as cidades de Kisangani (Stanleyville), Kindu et Bukavu, que ocuparão durante quatro meses. Foi a chamada revolta dos mercenários.

Eles tinham sido contratados por Mobutu e estavam formalmente ao seu serviço, mas quer Schramme quer Denard sabiam que o pior inimigo do mercenário era o seu empregador.

 

A nacionalização das minas da Union Minière du Haut Katanga

Em 31 de Dezembro de 1966, Mobutu nacionalizou a UMHK. Era mais um episódio na luta do novo senhor do Congo para receber uma percentagem maior dos lucros da grande empresa de capitais belgas e ingleses e para se vingar do apoio que a UMHK tinha dado a Tchombé.

 

A UMHK: o monopólio mundial do urânio e alguns outros grandes interesses

A UMHK possuía o monopólio mundial do urânio desde 1926. As relações do Governo português com a grande empresa vinham dos tempos de II Guerra Mundial, quando Portugal entrou no mercado da venda de urânio à Alemanha, que por sua vez tinha posto em causa este monopólio ao invadir a Bélgica, porque o urânio era refinado em Olen. Em 1939, Frédéric Juliot-Curie, então director do Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS), de Paris, negociou com a UMHK o fornecimento de cinco toneladas de óxido de urânio, como contrapartida da construção de um reactor e de um milhão de francos em troca da comunicação das descobertas científicas feitas pelo CNRS. Este urânio foi transferido para Londres antes da chegada das tropas alemãs a Paris.

 

O urânio para as bombas atómicas dos americanos saiu do Catanga

Os americanos recebiam igualmente urânio da UMHK. Foi a UMHK que lhes forneceu 1500 toneladas para o projecto Manhattan de onde saíram as bombas atómicas de Hiroshima e Nagasaki, essencialmente originário da mina deShinkolobwe, próxima de Likasi.

 

UMHK: um Estado

A UMHK funcionava com os mesmos princípios da Diamang em Angola. Eram, aliás, contemporâneas e tinham participações financeiras cruzadas. Construía escolas, enfermarias, dispensários, hospitais e infra-estruturas desportivas, e dispunha de uma linha de crédito quase ilimitada do banco da Société Générale da Bélgica. Em 1959, os lucros belgas da UMHK ultrapassaram os 3,5 biliões de francos belgas (as taxas sobre as exportações constituíam mais de 50% dos rendimentos do Governo). Em 1960, as vendas da UMHK atingiram o montante de 200 milhões de dólares americanos e a companhia produziu 60% do urânio ocidental, 73% do cobalto, 10% do cobre. A UHMK tinha ainda interesses em 24 outras actividades, desde a produção eléctrica à química e ao caminho-de-ferro. Era este empório que estava por detrás de Tchombé, da independência do Catanga e dos mercenários.

 

O fim do Congo Belga e a dissolução da UMHK

O fim do Congo Belga significava a dissolução da companhia. Para o evitar, em 1961, a UMHK colocou-se atrás dos secessionistas de Tchombé e promoveu o assassínio de Patrice Lumumba. Logo após conseguida a secessão, a UMHK transferiu 35 milhões de dólares para a conta bancária de Moisés Tchombé (de facto um adiantamento sobre os pagamentos que deveriam ter sido transferidos para o Governo central).

 

Reportagem do jornal espanhol Pueblo sobre a questão do Catanga. [ADN]

 


A nacionalização

A 31 de Dezembro de 1966, Mobutu respondeu a este desvio e nacionalizou a UMHK, respectivas actividades e propriedades, baptizando-a de Gécamines (Société Générale des Carrières et des Mines), uma empresa do Estado, isto é, sua.

 

Entram os mercenários

Com tanto dinheiro da UMHK, com a produção de um minério tão sensível como o urânio, todos os interesses mundiais se organizaram para “tirar castanhas sem queimar os dedos”. Uma guerra entre Estados era inconveniente para todos, porque iria baralhar todas as alianças, colocando franceses contra americanos, russos ao lado de ingleses (o que viria a suceder no Biafra). Os mercenários eram o modo mais eficaz para o conseguir – oficialmente não agiam em nome de nenhum Estado e foram de novo chamados a desempenhar o seu papel de “prostitutas” da guerra.

 

A revolta e a traição dos mercenários

Denard tinha sabido que Mobutu se preparava para dissolver as unidades de mercenários, o que comprometia o seu futuro pessoal e o de Schramme, mas acima de tudo a possibilidade de reconquista do poder por Tchombé. Para Schramme o regresso ao poder do antigo presidente do Catanga que se encontrava no exílio em Espanha era a possibilidade de continuar a viver naquela terra que adoptara. Para Bob Denard era o desempenho de uma tarefa que cumpria em nome da França, de quem era agente. Os dois comandantes mercenários tinham combinado aliar-se para derrubarem Mobutu. Schramme devia atacar Kisangani (Stanleyville) para se juntar aí a Denard e estava prometida ajuda vinda de Angola por parte de Portugal. Marchou sobre Bukavu, que conquistou sem grande dificuldade, mas Denard, que tinha sido gravemente ferido e evacuado para a Europa, não chegou a juntar-se a ele, apesar de ter tentado a frustrada “invasão das bicicletas” a partir de Angola. Depois de ter ficado durante vários meses sitiado em Bukavu pelas tropas do Exército do Congo, sendo unicamente abastecido por lançamentos de carga aérea organizados pelo mercenário sul-africano Jerry Puren e efectuados por uma companhia rodesiana a partir de Henrique de Carvalho, Schramme e o que restava do seu 10º Comando atravessaram a fronteira e entregaram as suas armas em Cyangugu, Ruanda, no dia 5 de Novembro de 1967. Uma parte dos seus homens e do seu material entraram em Angola. Era mais uma tentativa para a secessão do Catanga, em que Portugal se envolvia, em mais uma sequência de traições e de crimes. No final de seis anos de ligação ao processo do Catanga, entre ganhos e perdas, o Governo de Salazar podia dar-se por satisfeito – a Diamang, a correspondente portuguesa da UMHK, não fora afectada na sua actividade de prospecção de diamantes, os interesses por detrás da Diamang tinham ficado vacinados quanto aos riscos de uma independência de uma região e ainda ganhara cerca de 2000 gendarmes catangueses quase grátis. A Lunda não seria um novo Catanga.

 

Imagem da cidade de Bukavu, no Catanga, depois de recontros entre mercenários e o Exército congolês. [DGARQ-TT-O Século]

 

Os protagonistas de mais esta aventura

Schramme – um colono que resistiu até ao fim

Jean Schramme nasceu em Rondonopólis, no Brasil. Aos 18 anos instalou-se no Congo, onde dirigiu uma plantação. Manteve-se no país após a independência em 1960 e envolveu-se nas guerras civis com a ajuda dos milicianos que trabalhavam com ele na plantação. Em 1967 participou no golpe de Estado de Tchombé contra Mobutu, em colaboração com os mercenários de Bob Denard. O golpe foi um desastre e Schramme, que tinha recebido o posto de coronel no Exército catanguês, dirigiu-se para Stanleyville (Kisangani), depois para Bukavu, na fronteira do Ruanda. Aí o seu 10º Comando, composto por 123 mercenários e 600 gendarmes catangueses, enfrentou as tropas do Exército do Congo 20 vezes superiores. Ameaçado de derrota, com falta de munições, Schramme retirou-se para o Ruanda.

Schramme e alguns dos seus homens regressaram à Bélgica em 1968. Foi condenado a 20 anos de prisão por morte de um mercenário e morreu em 1988.

 

Jean Scramme, comandante belga de mercenários no Congo, depois de retirar de Bukavu, no Catanga, para o Ruanda. [DGARQ-TT-O Século]

 

Bob Denard: o “cão de guerra” francês

Gilbert Bourgeaud, dito Bob Denard, foi o mais influente e conhecido de todos os mercenários que operaram em África depois das independências das antigas colónias europeias. Participou em várias missões na África francesa a partir dos anos 60, como homem dos serviços secretos franceses. Como referiu ao ser detido em Paris no regresso de mais um golpe, tudo o que fez foi ao serviço da França. De 1960 a 1963, foi o chefe do grupo armado que ficou conhecido como os “Affreux” do Catanga, que apoiavam Moisés Tchombé quando este declarou a independência do território a 11 de Julho de 1960. Após a queda de Kolwezi e a derrota dos mercenários, refugiou-se em Angola, com o acordo do Governo de Salazar, sendo repatriado para França com os seus homens. A mudança de alianças de Portugal, dos Estados Unidos para a França, também passou por estas cumplicidades na gestão das aventuras com mercenários. Em 1967, de novo no Congo, ao serviço de Mobutu, participou com Jean Schramme na revolta dos mercenários. Foi ferido em Kisangani (Stanleyville) e os seus mercenários derrotados na última tentativa de secessão do Catanga. Depois da aventura congolesa, Denard participou em várias outras, sempre ao serviço dos interesses mais ocultos da França – golpes nas Comores e no Benim, apoio ao tráfico de armas para furar o embargo à África do Sul, acções terroristas contra países africanos que lhe eram hostis como Moçambique e Angola.

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