Mais território, o mesmo efectivo
A Região Militar de Angola elabora um memorando onde é analisada a situação geral militar no território. O memorando começa por se referir à questão do dispositivo militar e da dispersão das forças, facto que inviabilizava uma manobra militar eficaz, face às tarefas que lhe estavam atribuídas, mas que não deviam ser do seu âmbito. Comparando a situação em princípios de 1966 e princípios de 1968, refere que, até àquela data, a área mais afectada, com cerca de 200 000 km2, se situava exclusivamente no Norte, e era combatida por cerca de 60 000 homens “na sua maior parte concentrados naquela área”; Mas desde então, “a actividade violenta do inimigo estendeu-se ao Leste (…) num total da ordem dos 500 000 km2”. Ora, apesar deste aumento de área afectada, os efectivos disponíveis eram os mesmos que anteriormente. A propósito, acrescenta o memorando: “Uma das principais dificuldades da Região Militar de Angola, perante tal situação, é a grande dispersão das forças disponíveis, em destacamentos de pelotão, secção e, até, inferiores, cumprindo missões que, na maior parte dos casos, não lhes competem, mas sim à polícia, à guarda rural, às milícias, às autoridades administrativas, às empresas e à própria população, organizadas em autodefesa. Num total de 320 núcleos distintos de forças, mais de metade são constituídos pelos referidos destacamentos e por sedes de companhia com um só pelotão”.
Os militares dos quadros permanentes
Outra questão focada no mesmo memorando relaciona-se com os oficiais e sargentos do quadro permanente. O assunto é referido da seguinte forma: “Sujeitos a contínuas mobilizações desde 1961 (…) e com pequenos intervalos entre aquelas, os oficiais e sargentos do Q.P. acusam um cansaço físico, moral e psíquico muito grande, do qual resulta o desejo claramente expresso, por parte de alguns daqueles que melhores provas têm dado, de abandonar o Exército, e a preocupação de fazer o mínimo possível, por parte de muitos outros”.
Mas há outros factores que “contribuem para este grave estado de coisas”, continua o memorando, apontando as mais significativas. Primeiro: “Descrença numa possibilidade de vitória, baseada no facto de, em sete anos de guerra, a situação no ultramar ter continuamente piorado e consequente convencimento de que o esforço dispendido é inútil”; Segundo: “Conhecimento de que uma guerra deste tipo exige principalmente, além da acção militar, muitas outras medidas de carácter político, policial, económico, social, psicológico, educacional, etc., e verificação de que poucas dessas medidas têm sido tomadas”. O memorando segue depois com a falta de materiais, o afastamento constante das famílias, os vencimentos insuficientes em comparação com civis de igual nível, e também a disparidade de situações com militares de outros ramos, como a Força Aérea.
Este é um diagnóstico muito comum em muitos relatórios, mas nem sempre escrito com este desassombro. As autoridades e os comandos militares não desconheciam a situação, mas nunca conseguiram fazer valer os seus pontos de vista, em especial quando as soluções preconizadas ultrapassavam o âmbito militar.
Directiva “Angola em Armas”
É com este pano de fundo que em 30 de Março seguinte é publicada a directiva geral “Angola em Armas”, com a criação das “áreas militares”, nas quais a autoridade civil é substituída pela militar.
A directiva foi um documento conjunto assinado pelo governador-geral, Rebocho Vaz, e pelo comandante-chefe, general Almeida Viana, para dar resposta à nova situação militar no território. Os dois responsáveis fazem uma análise pessimista da situação, considerando que “o inimigo conseguiu instalar em Angola uma situação preocupante. Está em condições de prosseguir a subversão das massas populacionais pela propaganda e pela coacção; incrementar a actividade da guerrilha e estendê-la a novas áreas; atacar com meios mais poderosos os nossos estacionamentos (…) e tentar isolar parcelas fronteiriças de Angola para fins políticos”.
Feita esta apreciação, a directiva estabelecia medidas e adoptava novos conceitos para actuação das forças portuguesas.
Criação da Zona Militar do Leste
A directiva criava as Zonas Militares do Norte e do Leste e adaptava o dispositivo militar à divisão administrativa, de modo a que os sectores correspondessem tanto quanto possível a distritos e os batalhões e as companhias aos concelhos e circunscrições.
Áreas Militares
Era adoptado o conceito de Área Militar, nas quais a autoridade civil era substituída pela militar.
O que a directiva não alterava era o conceito de comandante-chefe, que continuava apenas a ser um coordenador de acções, enquanto o verdadeiro comando operacional se mantinha nos comandantes da Região Militar, Região Aérea e do Comando Naval.
Uma solução eficaz, mas perversa
A solução de concentrar a autoridade nos comandos militares foi eficaz, mas demonstrava, por um lado, as dificuldades da situação de guerra, pois só as dificuldades em a vencer justificavam o reforço da autoridade militar e, por outro, a incapacidade de encontrar uma solução definitiva para a administração do território, que só poderia ser a contrária, com o fortalecimento da administração civil. A criação das Zonas Militares em Angola e em Moçambique revela assim a crescente dificuldade do Governo de “normalizar” a situação em espaços cada vez maiores dos dois grandes teatros de operações. A ZIL em Angola colocava mais de metade do território sob lei militar e a ZOT, criada nos anos 70 em Moçambique, punha sob a autoridade militar a “península” de Tete, desde as fronteiras com a Rodésia, a Zâmbia e o Malawi até à Beira, junto ao Índico. Ao contrário do que poderia parecer, esta solução de militarizar extensões cada vez maiores dos território, não pode ser considerada uma solução vitoriosa das forças portuguesas, contra a acção política e militar dos movimentos de libertação em Angola e Moçambique (na Guiné todo o território estava sujeito à autoridade militar), antes significa crescentes dificuldades em controlar a situação e em manter o conflito em níveis de rotina.
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