Portugal, caso único
Os últimos anos de longo consulado de Salazar foram dominados pelo problema colonial e pela guerra. A necessidade de enfrentar o problema colonial foi-lhe imposta pela evolução da situação internacional após a II Guerra Mundial. Salazar entendeu que o mais pobre e menos desenvolvido dos países europeus que haviam partilhado a África na Conferência de Berlim de 1884-85 podia continuar a manter indefinidamente essas colónias, afrontar os Estados Unidos, a superpotência que liderava a NATO, a aliança militar a que Portugal pertencia, ignorar os aliados tradicionais e enfrentar a maioria dos países que se reuniam nas Nações Unidas, o fórum mundial onde se jogavam os grandes conflitos e interesses. Contra todos, decidiu declarar o “orgulhosamente sós” como linha de política externa.
A guerra – uma opção deliberada
A Guerra Colonial foi uma opção deliberada de Salazar e não, como a propaganda do regime tentou fazer crer, uma imposição vinda do exterior. Mas não foi uma opção original – todas as potências coloniais se envolveram numa guerra antes de aceitarem as independências das suas colónias. Todos perceberam que podiam encontrar soluções mais vantajosas que a guerra, excepto Salazar. A sua originalidade foi não ter sabido o que fazer com a guerra, nem ter sabido fazê-la.
As responsabilidades de Salazar
As responsabilidades de Salazar são as da falta de definição de uma estratégia nacional para a questão colonial, de uma política de defesa e da mais alta coordenação dos meios nacionais para a guerra. Ele era o chefe do Governo. São também as da falta de definição de uma estratégia militar e da sua execução. Ele foi o ministro da Defesa no início da guerra.
Kaúlza de Arriaga, um dos generais mais fiéis de Salazar, criticou-o pela “falta de preparação contra-subversiva, em tempo plenamente útil, das forças nacionais, incluindo o não estabelecimento de uma estratégia a nível, pelo menos, dos territórios metropolitanos e africanos portugueses, o que teria permitido o emprego, na guerra ultramarina de 1961-74, de menor volume de meios e um sucesso, nessa guerra, muito mais rápido”. Isto é, acusou-o de não ter sabido preparar a guerra nem de a conduzir com economia de meios.
Atitudes inexplicáveis
A ausência de medidas preventivas, como a colocação de tropas em Angola durante o ano de 1960, principalmente após a independência do Congo Belga é, de facto, inexplicável. Como é inexplicável a inacção de um mês revelada por Salazar depois dos massacres de 15-16 de Março de 1961 no Norte de Angola e que fazem dele o primeiro responsável pelas mais de 700 mortes entre os brancos, 10 000 entre os negros da zona dos Dembos, de 3500 refugiados e de um número indeterminado de
mortos negros de Luanda nas retaliações feitas pelos colonos brancos. O ziguezague das nomeações para os altos cargos na área da Defesa e do Ultramar revelam que não tinha uma linha de rumo para a política baseada na guerra.
Um chefe – duas equipas – duas políticas – duas guerras
A política africana do regime, conduzida por Salazar a partir de 1961, tem duas fases: uma fase autonómica, em que a guerra é pensada como um fenómeno temporário e uma integracionista, de guerra eterna.
A guerra temporária com actores políticos carismáticos e problemáticos
Iniciada a guerra, Salazar acumulou as funções de chefe do Governo e de ministro da Defesa. A nomeação do general Venâncio Deslandes e do almirante Sarmento Rodrigues para comandantes-chefes de Angola e Moçambique, acumulando as funções de governador-geral, e a de Adriano Moreira para ministro de Ultramar pareciam indicar que Salazar estava animado de alguma vontade de coordenação e que definira uma política de progressiva autonomia para as colónias e de um fim para a guerra – os três homens eram profissionalmente competentes e reconhecidos como autonomistas moderados.
Esta fase começou a desfazer-se logo no final de 1962. Menos de um ano passado sobre as suas nomeações, Adriano Moreira e Venâncio Deslandes desentenderam-se sobre o grau da autonomia e Salazar demitiu-os. Sarmento Rodrigues não resistiu muito mais à pressão dos ultras da União Nacional em Moçambique e demitiu-se em 1964.
A fase integracionista, uma guerra eterna com homens sem carisma e que não dessem problemas
A substituição destes três homens com ideias próprias e personalidades fortes representa uma viragem completa. Para Angola, a solução foi a de separar as funções de comandante-chefe e de governador – o tenente-coronel Silvério Marques para governador e o general Andrade Silva para comandante-chefe. Para Moçambique foi nomeado o brigadeiro da Força Aérea Costa Almeida para governador e comandante-chefe. Militares de baixo perfil político, que não causassem problemas. Adriano Moreira foi substituído pelo comandante da Marinha, Peixoto Correia, antigo governador interino de Cabo Verde e da Guiné, responsável pela proibição de Amílcar Cabral residir na Guiné e de o transferir compulsivamente para Angola. Para a Defesa foi nomeado o general Gomes de Araújo, um fiel de Salazar que era o chefe do Estado-Maior-General, lugar que ficou vago até pouco antes da morte de Salazar, que ainda nomeou Venâncio Deslandes. É difícil vislumbrar nos novos ministros da Defesa e do Ultramar algum com carisma e ideias próprias para conduzir uma política de defesa nos três teatros coloniais. De facto, quem conduz a política e a guerra é o ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira.
Franco Nogueira: o homem chave da duplicidade de Salazar perante a guerra e as colónias
Apesar do aparente monolitismo do regime quanto à solução do problema colonial, da linha oficial da política de unidade do Minho a Timor, Salazar e os seus fiéis hesitavam sobre o rumo a tomar. Franco Nogueira, ministro dos Negócios Estrangeiros desde 1961, é a chave para compreender essas hesitações. É ele quem pondera as vantagens da realização de um referendo para legitimar a presença portuguesa no Ultramar, que estabelece contactos com pequenas organizações angolanas e guineenses no exílio, no Congo e no Senegal, e mantém conversações com vários Estados africanos, sob os auspícios da ONU. Também é da sua iniciativa o plano apresentado a Salazar em Janeiro de 1962, de entrega de Macau à China e de Timor à Indonésia, da negociação da independência da Guiné e de S. Tomé e Príncipe como forma de preservar as jóias da coroa de Angola e Moçambique. Um plano que Salazar rejeita, mas que não pune como heresia, tal como a ideia de referendo, substituindo-o por uma manifestação de apoio à “defesa do Ultramar” no Terreiro do Paço, apresentada como expressão da vontade nacional. Iniciava-se o ciclo da guerra sem fim.
Seguindo a análise de José Adelino Maltês, pode dizer-se que, relativamente ao pessoal político, metade dos homens dos governos de Salazar são juristas, com uma esmagadora maioria de professores de Direito que quase monopolizam as pastas políticas. Isto é, a elite mobilizada para o poder supremo junto de Salazar “continua a assentar na dialéctica vintista de becas contra militares, apesar de terem emergido alguns tecnocratas da engenharia e da economia”.
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