Uma entrevista de Salazar
A 24 de Julho, o embaixador dos EUA em Lisboa enviou para o Departamento de Estado a análise que fazia de uma entrevista dada em Abril por Salazar a um obscuro jornal argentino e a que a imprensa em Lisboa tinha dado o maior relevo, sinal de que o regime e Salazar queriam fazer passar uma mensagem, interna e externamente.
A análise do embaixador Bennet caracteriza o ambiente de final de era que se vivia em Lisboa em meados de 1968. É uma análise premonitória, pois Salazar sofreria o acidente vascular cerebral que o inutilizaria em Agosto desse ano. O subtítulo da análise era: The Twilight of the Salazar Era.
A entrevista de Salazar foi considerada a mais extremista dada até à data, utilizandouma linguagem e num tom que causou preocupação até aos defensores do Estado Novo e grandes admiradores de Salazar.
De facto, não existiam precedentes de referências de Salazar aos Estados Unidos como um país com “problemas raciais insolúveis” com os quais se deveria preocupar em vez de pregar soluções a Portugal sobre África, nem de ridicularizar os Estados Unidos sobre as suas relações com Cuba.
Bastante mais significativo das alterações relativamente às últimas entrevistas de Salazar foi a atitude quanto à interpretação da sua política e das suas atitudes em geral. As suas afirmações foram simultaneamente petulantes e tão rigidamente desarmantes como a de alguém já em rigor mortis.
Salazar senil? – uma caracterização dos últimos anos de Salazar
Está Salazar senil? interrogava-se o embaixador, adiantando que alguns dos seus colegas europeus também tinham ficado estupefactos com a linguagem usada por Salazar e haviam começado a murmurar sobre a sua senilidade e que Salazar tinha revelado durante o ano passado (1967) todo o peso dos seus 79 anos.
O embaixador americano inclinava-se a considerar que Salazar era agora um homem velho agarrado às convicções que o tinham acompanhado durante 40 anos de poder absoluto, um ancião progressivamente mais amargurado e quezilento que vê o tempo passar sem que ele seja capaz de fazer parar o mundo, fazendo-o regressar (ou pelo menos um número substancial de portugueses que vão engrossando as fileiras dos dissidentes do seu regime) às suas visões de como o mundo e Portugal deveriam ser conduzidos de rédea curta.
Notava-se uma mudança de atmosfera, com os portugueses a começarem a acreditar que Salazar era mortal e que não iria manter-se no poder eternamente. Embora uma eventual retirada não pudesse ser prevista.
A atitude dos portugueses quanto à guerra de África
Quanto à atitude do Governo e dos portugueses relativamente a África, o embaixador americano considerava que a ansiedade e o nervosismo político dos portugueses não tinham a ver com a atitude de Portugal relativamente a África nem aos seus problemas. Embora as novas gerações estivessem frustradas com a política interna e fossem críticas quanto à guerra do Vietname, apoiavam a ideia de Portugal se manter em África.
Ainda que existisse alguma preocupação quanto ao serviço militar, o custo das guerras em África (com a possível excepção da Guiné) continuava aceitável, quer em termos humanos quer em termos fiscais. Os portugueses parecem desejar permanecer em África, embora aceitem a inevitabilidade de futuros ajustamentos políticos.
Concluía assim, o embaixador: “A atmosfera de incerteza que envolve os portugueses tem mais a ver com as preocupações com o Portugal europeu do que as preocupações com África”.
A sucessão de Salazar – uma classe dirigente adormecida e irresponsável
Apesar do reconhecimento geral de que Salazar não se poderá manter no poder por muito mais tempo, os portugueses parecem satisfazer-se com a resposta de que quando ele partir o presidente da República nomeará outro primeiro-ministro. Parece incrível, admirava-se o embaixador, que homens com elevado estatuto profissional e social, com particulares responsabilidades quanto ao futuro, não estejam preocupados eles próprios acerca da forma como as coisas ocorrerão.
O presidente da República
Entretanto, o presidente Américo Tomás, de 73 anos, continua sem dar nem procurar respostas sobre o país, cumprindo o seu patriótico dever como leal marinheiro que é, habitualmente usando o seu uniforme. É um homem que parece sempre como se tivesse os sapatos apertados nos pés, mas não há festa local, inauguração comercial, acontecimento numa escola, por menor que seja, que não mereça a sua presença.
Embora pareça uma amável figura de típico avô que aparece frequentemente com os seus netos nas cerimónias, ele é um homem da linha dura política e tem estreitas relações com os militares. No caso de súbito vazio de poder, a sua opinião sobre o sucessor de Salazar assumirá uma importância decisiva.
O papel fulcral das Forças Armadas na sucessão de Salazar
O sucessor inicial de Salazar necessitará do apoio das Forças Armadas e deverá ser fortemente condicionado por elas. Contudo faltar-lhe-á a imensa autoridade de Salazar resultante dos seus quarenta anos de governo.
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