Plano “Centauro Grande”
O plano “Centauro Grande” reflectia o conceito estratégico operacional terrestre que iria ser adoptado em Angola, e que viria a estender-se para a Guiné e para Moçambique.
Passaram a ser consideradas quatro zonas de intervenção (Norte, Centro, Leste e Sul), cujos limites se mantiveram até 1970.
Na Zona de Intervenção Norte, a única onde se travava luta armada, foi considerada a existência de uma zona recuperada e outra não recuperada.
A prioridade do esforço militar era a faixa fronteiriça com o Congo, entre Nóqui e Luvaca, e a zona dos Dembos.
O plano “Centauro Grande” concretizava o primeiro dispositivo de quadrícula que as Forças Armadas portuguesas utilizariam nos três teatros de operações durante toda a guerra.
Em Junho de 1963, entrou em execução o plano “Marfim Negro”, que integrava a evolução da situação desde o plano “Centauro Grande”. Neste plano, a prioridade era atribuída, em primeiro lugar, à zona dos Dembos, e toda a actividade operacional seria desenvolvida pelas forças de quadrícula, concentrando-se nos pontos importantes, sedes de unidades e defesa de aquartelamentos e itinerários.
A quadrícula: uma opção fundamental, tomada localmente
Os planos “Centauro Grande” e “Marfim Negro” têm uma importância decisiva no desenrolar da guerra porque representam a opção por determinado modelo organizativo das Forças Armadas portuguesas. A divisão de um território numa quadrícula em que são atribuídas zonas de acção, ou áreas de responsabilidade a uma dada unidade – Sector, Batalhão ou Companhia –, era bem conhecida dos militares e resultava da adaptação da técnica de quadrillage que os franceses utilizaram na Argélia, onde alguns militares portugueses estagiaram nos anos de 1958 e 1959. Como todas as soluções, apresentava vantagens e inconvenientes e podia ter várias modalidades.
A grande vantagem da quadrícula é a ocupação do território e o controlo das populações. A unidade, pela permanência continuada, conhece melhor o terreno e estabelece relações afectivas e efectivas com os habitantes, o que se traduz em maior confiança e melhores informações.
Tem inconvenientes: as unidades de pequenos efectivos ficam muito limitadas na capacidade operacional que não seja a rotina e o patrulhamento.
Isto é, transformam-se rapidamente numa força policial de proximidade.
Exigem comandantes e quadros motivados para estas funções e militares conhecedores do terreno e do meio.
Para ultrapassar os inconvenientes, é possível encontrar uma solução mista, em que é atribuída uma área de responsabilidade a uma unidade de escalão elevado, um Agrupamento, por exemplo, enquanto as unidades de mais baixo escalão ficam disponíveis para as operações. Mas não foi essa a opção do quartel-general da Região Militar de Angola.
Bethencourt Rodrigues, numa entrevista a Freire Antunes no livro A Guerra de África, defende a opção pela companhia como a unidade-base da contra-guerrilha e, de facto, essa solução foi correcta e adequada enquanto a guerra se manteve num baixo patamar de intensidade e enquanto existiram capitães do quadro permanente disponíveis para as comandar.
Quando a guerra subiu para patamares mais altos de violência e isso aconteceu a partir de 1970 na Guiné e em Moçambique e quando deixaram de existir capitães oriundos da Academia Militar para comandar, estas unidades, as companhias, revelaram as suas limitações e os batalhões passaram a revelar-se o escalão mais adequado.
Não foi por acaso que as unidades de pára-quedistas utilizaram normalmente um escalão superior ao de comandante de companhia, quando em operações prolongadas. Mesmo quando deslocavam apenas uma companhia, com o seu capitão, quase sempre um oficial do quadro permanente, o batalhão enviava um oficial superior para acompanhar a acção da companhia.
Também não foi por acaso que operações de maior envergadura das unidades de Comandos foram enquadradas a nível superior ao do comandante da companhia, e que se notaram nestas unidades quebras de rendimento operacional ou erros de actuação, quando capitães mal preparados ou alferes milicianos foram deixados sem controlo de nível superior.
A quadrícula e a companhia em quadrícula foram eficazes em situações de controlo de populações, mas revelaram-se inadequadas para responderem a situações de combate.
O dispositivo em quadrícula e as suas limitações
Ou por limitações inerentes à sua concepção, ou por evolução das capacidades militares dos vários movimentos de libertação, o certo é que, embora sem abandonarem o conceito de quadrícula, os comandantes dos três teatros de operações tiveram de encontrar soluções para ultrapassarem a sua rigidez e encontrar modos de libertar mais forças para as operações militares de combate directo. Na Guiné, Spínola optou por criar Comandos de Actividade Operacional (CAOP); em Moçambique, Kaúlza de Arriaga criou comandos com missões específicas – o Comando Operacional das Forças de Intervenção (COFI) e o Comando das Cargas Críticas, entre outros; e, em Angola, Costa Gomes encontrou uma outra forma de utilizar forças de combate, ao criar a Zona de Intervenção Leste, com forças de intervenção em permanência.
Mas aquilo que os planos “Centauro Grande” e “Marfim Negro” determinaram foi o conceito generalizado de quadrícula e o mais significativo desta opção não é que ela tenha sido tomada, mas que tenha sido tomada pelo comando militar de Angola, tanto quanto se sabe na ausência de qualquer decisão nacional, fosse a nível do Ministério da Defesa, ou dos Estados-Maiores.
Uma decisão da maior importância estratégica foi assim tomada sob a pressão dos acontecimentos.
Na verdade, a quadrícula até podia ter sido a melhor opção, mas não era a única. As primeiras unidades que chegaram a Angola não receberam “áreas de actuação”, não integraram uma quadrícula. Receberam “zonas de acção”, missões e objectivos. O que é típico de forças que querem vencer uma batalha.
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