Despolitizar a política externa
Franco Nogueira foi nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros na sequência da remodelação do Governo com que Salazar respondeu ao frustrado Golpe Botelho Moniz”.
Franco Nogueira, no seu livro Estado Novo, explica a sua entrada para o Governo dizendo: “Embora sem qualquer relação com os acontecimentos de 13 de Abril, Marcelo Matias, nesse sentido, abandona também o Ministério dos Estrangeiros em 4 de Maio de 1961. No intuito de despolitizar a política externa e atribuir-lhe um carácter nacional, Oliveira Salazar convida para aquela pasta o autor deste volume (…)”.
A explicação de Franco Nogueira para a sua entrada no Governo, de que respondia à vontade de despolitizar a política externa e dar-lhe carácter nacional, é reveladora da similitude do seu universo mental e moral com o daquele que passará a ser o seu modelo:
Salazar. Tal como Salazar, Franco Nogueira não faz política, como se presume que terá feito Marcelo Matias, seu antecessor e todos os outros ministros – presta um serviço de carácter nacional (o que Matias e os vulgares ministros não terão feito!).
Em Franco Nogueira, como em Salazar e noutros grandes demagogos, as palavras destinam-se a provocar reacções. Não há para eles verdade ou mentira, mas ideias que são úteis à causa. Pertencem a um mundo distinto do mundo da “gente vulgar”.
Franco Nogueira será o mais político dos governantes que rodearam Salazar ao longo do seu longo ministério, será aquele que esteve na primeira linha da defesa do regime e da praça-forte em que ele se encerrou: o Ultramar.
Franco Nogueira – o arquitecto da defesa externa do Ultramar
Terá sido mesmo Franco Nogueira, mais que Salazar, a criar a fortaleza em que o Ultramar se transformou para o regime e foi ele ainda que jogou externamente com as três grandes mistificações que o regime promoveu internamente para justificar a sua política colonial: a ideia de que Portugal estava a combater numa guerra que lhe foi imposta do exterior, a ideia de que Portugal estava orgulhosamente só e a de que Portugal era uma nação una e indivisível do Minho a Timor.
Não era fácil “fazer passar” estes três produtos sem consistência na comunidade internacional, porque a guerra fora uma escolha deliberada do regime, Portugal não estava orgulhosamente só, como comprovavam as cumplicidades que permitiam a troca de informações sensíveis entre Portugal e os seus aliados (EUA, Alemanha, França e Espanha, principalmente) e só havia dez anos
(1951) que as colónias tinham passado à categoria constitucional de províncias. Nem mesmo com toda a boa vontade, os tradicionais aliados de Portugal “compraram” estes três lamentos, por isso nunca Franco Nogueira os tentou impingir.
Ele não era um idealista do Estado Novo, mas um homem culto e vivido, que chegara ao regime na sua 23.ª hora, armado pela razão e não pela fé, que essa era deixada para os pobres que faziam política e não serviço nacional.
Aquilo que foi a política de Negócios Estrangeiros de Nogueira funda-se nas mais descarnadas das razões: as razões da utilidade e da vantagem. É um negócio simples e directo o que ele propõe aos seus parceiros e, neste sentido, a sua política pragmática é uma ausência de política. Ele quer transmitir a ideia de que o facto de Portugal ter, agora e no futuro, colónias em África é útil para os parceiros europeus de Portugal e útil para os Estados Unidos, o grande aliado americano. Assim, o apoio que esses países dessem, ou viessem a dar, a Portugal no sentido de este manter as suas possessões africanas, seria uma grande vantagem a todos os níveis: estratégico, porque impedia a URSS de ocupar esses espaços, e económico, dadas as riquezas existentes.
É exactamente isto que ele pede aos aliados de Portugal na NATO, quando refere a posição de Portugal na Aliança Atlântica: “Se a Aliança existe para se defender de uma ameaça e se esta era de natureza global, então teria de ser enfrentada com uma solidariedade também global (…) os territórios portugueses de África formavam uma defesa contra aquela (do Pacto de Varsóvia) ameaça, numa área da maior importância para o mundo livre; e por isso a solidariedade atlântica deveria “cobrir” o Ultramar português; e Portugal apenas desejaria que essa solidariedade fosse política e moral, nada solicitando da NATO nos planos militar e económico.”
A intransigência na defesa do Ultramar, a firme recusa em admitir qualquer tipo de negociação com os dirigentes dos movimentos de libertação, a negação de admitir um prazo, mesmo alargado, para Portugal conceder a autonomia e a independência às suas colónias, como insistentemente lhe solicitaram os governantes americanos, que têm levado alguns analistas a classificar Franco Nogueira como um dos ultras do regime, se não mesmo o mais extremista de todos, resulta, mais uma vez, não de princípios ideológicos, mas da pura razão e da lógica.
É que, se Franco Nogueira queria credibilizar a política ultramarina do seu governo, se queria atrair para ela investidores e aliados, se queria desmoralizar os inimigos, não lhe restava outra coisa senão ser absolutamente intransigente, e assim afirmar que era seguro estar ao lado de Portugal porque a pequena nação iria vencer a guerra e manter-se em África. Este discurso era eficaz internamente, pois confortava as Forças Armadas e os agentes económicos nacionais, e externamente, pois lançava a dúvida tanto no campo dos aliados, que passaram a acreditar na possibilidade de êxito de Portugal, como no campo dos adversários, que tiveram de elevar o patamar de empenhamento.
Franco Nogueira sabia que a intransigência era uma via muito estreita e com muito baixas hipóteses de êxito, era muito arriscada, mas era a única via de saída para o problema colonial, tendo como objectivo último manter o domínio branco na África Austral.
O problema é que, para ter sucesso, esta política dependia da capacidade de resistência da sociedade portuguesa e das suas Forças Armadas.
Para garantir a resistência era necessário que o regime endurecesse ainda mais a repressão interna, o que era impraticável no final da década de 60, e que a guerra em África se mantivesse num patamar tão baixo quanto possível, o que não dependia dele.
A última prova da fria lucidez de Franco Nogueira foi ter entendido que a morte de Salazar representava o fim do regime e da política colonial de que ele tinha sido o grande arquitecto.
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