1962 - Optar pela guerra

HABITUAR-SE À GUERRA E AO ISOLAMENTO INTERNACIONAL

Por Josep Sánchez Cervelló

Crise dos mísseis de Cuba

No ano de 1962 deu-se um dos conflitos internacionais mais importantes da Guerra Fria, que fez disparar todos os alarmes do dispositivo nuclear de ambas as superpotências: a crise dos mísseis de Cuba, cuja origem remonta à tentativa de invasão da Baía dos Porcos, em Abril do ano anterior. Esta agressão, apoiada pela administração Kennedy, fez com que o Governo cubano se sentisse desprotegido e solicitasse a Khrushchov a instalação na ilha de mísseis nucleares que alcançassem os EUA.

Em Outubro, dois aviões de reconhecimento U-2 descobriram, na região de San Cristóbal, cinco bases de lançamento: três de mísseis de curto alcance (de 1000 a 1200 milhas) e duas de médio alcance (2000 milhas). Kennedy, depois de admitir outras hipóteses, no dia 22 anunciou o bloqueio aéreo e marítimo da ilha e exigiu, também, que os soviéticos retirassem os mísseis.

Imediatamente ficaram em alerta máximo, tanto as forças operacionais do Pacto de Varsóvia como as da NATO. E no dia 27 de Outubro, um U-2 foi abatido por um míssil SAM soviético quando sobrevoava a ilha, o que provocou um pico de tensão. No entanto, depois de dias de incerteza – que poderiam ter desembocado numa guerra nuclear, se a direcção soviética tivesse seguido os conselhos que lhe deu Fidel Castro – no dia 28 a URSS anunciava a sua retirada, ao mesmo tempo que o Governo norte-americano levantava o bloqueio.

Este acontecimento desacreditaria profundamente a liderança de Kruschov no seio do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e como chefe de Estado.

Independência da Argélia

Outro acontecimento que viria a ter profundas repercussões em África e nas colónias portuguesas foi o processo de independência da Argélia.

Este país, em vésperas da libertação, encontrava-se em pleno caos devido ao banho de sangue ocorrido nos três primeiros meses de 1962, propiciado tanto pela Organização do Exército Secreto (OAS), patrocinada pelos colonos, como pela Frente de Libertação Nacional Argelina (FLN). Mas, finalmente, em Evian (França), a 18 de Março, os negociadores do Governo Provisório da República Argelina (GPRA) e os franceses concordaram com um cessar-fogo e com a independência da Argélia, mediante um plebiscito, ao mesmo tempo que colo-cavam em liberdade todos os prisioneiros. No referendo de 8 de Abril, e com mais de 75,5% de participação, os franceses mostraram-se amplamente favorá-veis aos Acordos de Evian, com cerca de 91% dos votos. Apesar disso, a OAS continuou a sua escalada terrorista, tentando impedir que o processo de independência se concretizasse, até que, a 17 de Junho, o GPRA e a OAS assinaram um acordo segundo o qual os chefes da organização terrorista poderiam abandonar a Argélia, em troca de cessar a sua actividade bombista. Entretanto, à medida que se aproximava a data do referendo na Argélia, que haveria de rati-ficar a sua independência, acelerou-se a marcha dos “pied-noirs”, ou seja, de cerca de um milhão de colonos e quadros da administração que abandonaram país. A 1 de Julho, 99,7% dos votantes argelinos (representando 91,2% dos inscritos no censo eleitoral) referendava a independência.

No entanto, a Argélia ainda demoraria muito a encontrar a sua estabilidade, devido à guerra que se abriu entre os diferentes sectores da FNL e, também, porque a administração e a economia se encontraram sem os técnicos e espe-cialistas franceses que tinham dirigido a colónia, e para os quais não havia retorno possível, depois de terem abandonado à sua sorte o novo país.

Concílio Vaticano II

Também teve grande relevância internacional a celebração do Concílio Vaticano II, obra do Papa João XXIII, que chegou ao topo do poder eclesiástico suce-dendo ao ultraconservador Pio XII.

João XXIII teve o encargo de abrir a Igreja Católica à modernidade e, com esse objectivo, organizou o Concílio Vaticano II, inaugurado a 11 de Outubro, e ao qual assistiram 2962 prelados de 82 nacionalidades diferentes, em representa-ção dos 558 milhões de fiéis com que, segundo o Vaticano, a Igreja contava na altura. Como novidade, estiveram presentes cem observadores, representando outras igrejas cristãs.

A primeira sessão foi encerrada a 12 de Novembro e a segunda convocou-se para Maio de 1963, quando João XXIII já estava às portas da morte. De facto, o seu pontificado foi breve, apenas quatro anos e meio, mas as inovações que introduziu, tanto no plano ecuménico e doutrinal como no plano ritual, continuam a ser imprescindíveis para se entender a actual Igreja Católica.

Aspecto de uma reunião do Concílio Vaticano II. [AFP]

O concílio sublinhou o carácter livre do acto de fé, reconheceu a necessidade de respeitar todas as consciências sem necessidade de imposições, defendeu o ecumenismo, deu prioridade às línguas vernáculas na liturgia, por oposição ao latim, e valorizou o papel dos laicos na Igreja.

África do Sul e apartheid

Mas o mais relevante, durante este período, e com influência nas colónias portuguesas, foi o que aconteceu na África do Sul que era, juntamente com a Rodésia do Sul, a válvula de segurança das fronteiras sul e sudoeste de Angola e Moçambique, respectivamente.

Na África do Sul, o regime do apartheid reforçou-se com o estabelecimento do Separate Development dos diferentes grupos raciais. Com esse objectivo, em Janeiro pôs-se em prática o reenvio forçado de africanos para os seus lugares de origem (homelands), medida que afectou dezenas de milhares de nativos.

Dentro desta filosofia racista, estabeleceram-se os colonatos. O primeiro foi o de Transkey que, em Janeiro, obteve autonomia interna para se governar, à excepção da política de defesa, de relações externas e de justiça, que conti-nuaram nas mãos de Pretória. O seu presidente, Kaiser Matanzima, tornou-se num traidor aos olhos dos nacionalistas pan-africanos, por aceitar a política racista de Pretória.

Também por essa razão, a ONU impôs sanções económicas à África do Sul, mas esta não se ressentiu, pois tinha uma economia diversificada e com grande capacidade de atracção de capital estrangeiro, além de ser um dos principais exportadores mundiais de ouro e urânio.

A bonança económica foi acompanhada por medidas repressivas que leva-ram à ilegalização dos principais partidos anti-apartheid, o Congresso Nacio-nal Africano (ANC) e o Congresso Pan-Africano (PAN), que, assim sendo, resolveram passar à luta armada.

O ANC fê-lo em 1961 e o PAN anunciou-o em 1962, através do seu secre-tário-geral, exilado em Londres, P. K. Leballo.
Com o desencadear da resistência, aumentou a repressão sobre os dirigen-tes negros, o que afectou Nelson Mandela, condenado então a cinco anos de prisão. A sua prisão fez com que, a 9 de Outubro, a Conferência das Orga-nizações Nacionalistas Portuguesas (CONCP), em Rabat, pedisse a sua libertação ao primeiro-ministro, ao mesmo tempo que denunciava a política racista.

Enquanto isso, Portugal estreitava com Pretória os seus laços económicos e políticos. Assim, em Março iniciaram-se conversações para estudar o apro-veitamento do rio Cunene e, dois anos mais tarde, concretizaram-se com a construção de uma grande barragem em Gove (sul de Angola).

Situação no Congo

A tranquilidade da fronteira sul angolana contrastava com a instabilidade na fronteira norte, devida tanto à própria instabilidade do Congo como à liberdade de movimentos que a UPA tinha ali. O Governo de unidade nacional do Congo, presidido por Cyrile Adoula, continuava à espera, desde os acordos de Dezembro de 1961, da integração do líder catanguês Tchombé. Mas este, uma vez conseguida a trégua com as forças da ONU e do Governo central, tentou atrasar a concretização efectiva do acordo e respondia tarde e ambiguamente às propostas pacificadoras, para assim ganhar tempo e reforçar-se militarmente com ajuda de Portugal, que lhe chegava através do caminho-de-ferro de Benguela.

Contudo, a 3 de Setembro, o novo secretário-geral da ONU, U Thant, conseguiu que o líder catanguês aceitasse repartir com o Governo central as recei-tas conseguidas com a venda de minerais da região, e integrar os gendar-mes, o grosso das suas forças militares, no Exército nacional. No entanto, mais uma vez, Tchombé não cumpriu a sua palavra e U Thant, cansado dos enganos e conhecendo o rearmar catanguês, ordenou às tropas da ONU que passassem à ofensiva, dispondo estas de importantes meios que incluíam Força Aérea sueca e hindu. Depois de uma feroz resistência, a 30 de Setem-bro as tropas da ONU ocuparam Elisabethville, capital do Catanga, enquanto Tchombé fugia para a Rodésia do Sul.

Durante este período, para além dos conflitos armados, todo o continente africano estava envolvido no debate da unidade e da cooperação interafri-cana. Tratava-se de transitar do pan-africanismo intelectual para o institucional, mas os passos foram lentos e complicados, pois também a África estava fraccionada pelo diferendo bipolar.

Pan-africanismo

Foi o presidente ganês, Nkrumah, quem defendeu o projecto dos Estados Unidos de África. Por isso, converteu Acra na sede do pan-africanismo e no lugar onde se realizaram, em 1958, a Primeira Conferência dos Esta-dos Africanos Independentes e a Conferência dos Povos Africanos, conti-nuadas depois em Monróvia e Conacri (1959), em Adis Abeba e Tunes (1960) e no Cairo e Libéria (1961). Estas cimeiras tinham como objectivo discutir a forma e o alcance da unidade africana e nelas se esboçaram três tendências difíceis de conciliar: os partidários da unidade dos povos, mais além dos Estados; os que queriam apenas aprofundar os laços intergovernamentais; e os que davam preferência à colaboração regional, como forma de aproximação a uma futura unidade mais profunda. Estas divisões também tinham a ver com a proximidade com que esperavam vir a relacio-nar-se com as ex-metrópoles. De facto, os mais pró-ocidentais acabaram por ser os menos pan-africanistas, constituindo o Grupo de Brazzaville, integrado pelo Congo-Brazzaville, Senegal, Chade, República Centro-Afri-cana, Costa do Marfim, Níger, Alto Volta, Mauritânia, Gabão, Benim, Mada-gáscar e Comores. Os seus oponentes, radicalmente pan-africanistas, constituíram o chamado Grupo de Casablanca, formado por Marrocos, Gana, Guiné-Conacri, Egipto, Mali e a Frente de Libertação Nacional Argelina. Em 1962, diante deste antagonismo irreconciliável e paralisante, organizou-se em Lagos um terceira tendência interafricana, conhecida como Grupo de Monróvia, que incluía a Libéria, Nigéria, Etiópia, Serra Leoa, Somália, Tunísia e Líbia, com o objectivo de criar uma ponte entre os dois extremos.

Instrução dos primeiros guerrilheiros do ELNA no Congo. [CD/DN]

E foi precisamente na capital da Nigéria, durante essa conferência, que se estabeleceram as bases do que seria a Organização de Estados Africanos (OUA), ao recusar-se qualquer ideia de alterar as fronteiras resultantes da colonização europeia e ao consagrar-se o princípio da igualdade e da soberania para todos os Estados constituídos.

Papel da ONU

O movimento interafricano e pan-africano continuou a denunciar o racismo sul- africano e o colonialismo português, na mesma linha da ONU, onde se questio-nou especialmente a política do Governo de Lisboa em Angola. Assim, a 15 de Janeiro, quando o representante português, Vasco Garin, soube que a Assem-bleia Geral ia debater a actuação do seu país na repressão do movimento nacio-nalista, abandonou a sessão. Isto não impediu que fosse aprovada, no dia 30, uma resolução condenatória que insistia em que a potência colonial devia propi-ciar a criação de instituições políticas democráticas e representativas para poder transferir a soberania para o povo angolano. Também exigia o boicote às exportações para Portugal que pudessem ser utilizadas contra o povo angolano. Seria a última vez que a ONU tratava isoladamente o caso de Angola. A resolução foi aprovada por 99 votos contra dois (Espanha e África do Sul) e uma abstenção (França). O facto mais relevante foi a resolução ter sido apoiada por dois dos tra-dicionais aliados de Portugal, os EUA e a Grã-Bretanha, que votaram ao lado dos países afro-asiáticos e comunistas. Contudo, ambos os países se opuseram à aplicação de sanções a Lisboa, pois esperavam conseguir influenciar o seu Governo, se a pressão não fosse excessiva e se se fosse exercendo de forma gradual.

A 13 de Março, procedeu-se, na ONU, à discussão metodológica de como ela-borar a informação que a Assembleia Geral tinha pedido, no anterior mês de Dezembro, a um comité de sete países constituído por diplomatas da Colômbia, Guatemala, Bulgária, Chipre, Guiné, Nigéria e Ceilão, com o objectivo de anali-sar a evolução das colónias portuguesas.

Finalmente, acordaram em pedir ao Executivo de Lisboa autorização para visi-tar os seus territórios não-autónomos. Dez dias mais tarde, o Governo luso negou oficialmente a autorização, exaltando ainda mais os ânimos do bloco afro-asiático.

Por isso, não é de estranhar que, em Junho, o Comité dos 24 ou de Desco-lonização (que integrava, além dos sete já referidos, a França, Grã-Bretanha, Itália, Polónia, URSS, Jugoslávia, EUA, Uruguai, Venezuela, Etiópia, Mada-gáscar, Mali, Tanganica, Tunísia, Austrália, Índia e Síria), na cimeira de Acra, ouvisse os testemunhos de diversos representantes das colónias lusas para obter informação em primeira mão. Tiveram a palavra diversas organizações nacionalistas: de Angola, André Cassinda, em nome da União Nacional dos Trabalhadores Angolanos; de São Tomé e Príncipe, Miguel Trovoada, do Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe; e da Guiné e Cabo Verde, Amílcar Cabral, do PAIGC. Perante esta situação, a ONU aprovou uma resolução muito dura contra Portugal (1807-XVII, de 14 de Dezembro), na qual sublinhava que a atitude do Governo de Lisboa era incompatível com a Carta das Nações Unidas; e reafirmava o direito inalienável dos povos sob administração portuguesa à autodeterminação e à independência. Aconse-lhava vivamente, ainda, o Governo colonial para que pusesse em prática as recomendações expressas na informação do Comité Especial dos Sete, baseadas em: suspensão imediata da repressão e a retirada das colónias das forças militares e/ou militarizadas; promulgação de uma amnistia política incondicional; criação de condições necessárias ao livre funcionamento dos partidos políticos; estabelecimento de negociações com os representantes qualificados dos partidos políticos, com base no reconhecimento do direito à livre determinação, e com a finalidade de entregar o poder a instituições políticas livremente eleitas; e concessão da independência aos territórios que administrava conforme a vontade dos seus povos.

Além disso, a resolução pedia ao comité que desse prioridade ao acompa-nhamento da situação dos territórios sob administração portuguesa, pedindo aos Estados membros da ONU que utilizassem a sua influência junto do Governo português para que este cumprisse estas exigências; con-vidava ao embargo internacional de armas e material susceptível de ser uti-lizado nas colónias pelo Estado português; e pedia ao Conselho de Segu-rança que aprovasse as medidas necessárias para que Portugal cumprisse a resolução aprovada.

A condenação teve 78 votos favoráveis contra sete negativos: EUA, Bélgica, Espanha, França, Grã-Bretanha, Portugal e África do Sul.

A novidade não era o teor da resolução, mas sim a atitude de Washington, que iniciava assim um lento regresso a posturas mais conciliadoras com o colonia-lismo português.

A nova atitude dos Estados Unidos

A atitude de Washington sacrificava especialmente Holden Roberto, a quem havia incitado a sublevar-se, em Março de 1961, e que agora abandonava praticamente à sua sorte, ao não condenar o colonialismo salazarista. A viragem de Kennedy afectou especialmente os países afro-asiáticos moderados.

As razões para esta inflexão devem procurar-se no recrudescimento da Guerra Fria, após a crise dos mísseis em Cuba, e ao aumento da importância, que pas-sou a ter nessa conjuntura, da Base das Lajes.

Esta mudança de rumo norte-americana, em finais de 1962, fez crer à diploma-cia portuguesa, encabeçada por Franco Nogueira, que o pior já tinha passado, uma vez que o afastamento de Washington das posturas maximalistas retirava força às sucessivas queixas apresentadas ao Conselho de Segurança pelos vizi-nhos africanos dos territórios portugueses.

Os movimentos de libertação

No âmbito dos movimentos de libertação lusófonos verificou-se nesse ano uma alteração nas suas siglas, ao rebaptizarem-se como frentes de libertação, num claro mimetismo com a Frente de Libertação Nacional Argelina, que tinha derro-tado os franceses e conseguido a independência para o seu país. Por isso, a sua marca serviu de identificativo para diversos grupos que queriam obter o mesmo êxito. Assim, a UPA transformou-se em Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e o MPLA criou a Frente Democrática da Libertação de Angola (FDLA). Os secessionistas cabindas organizaram a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC). Em Moçambique surgiu a Frente de Libertação de Moçambi-que, FRELIMO. E na Guiné os sectores anti-PAIGC agruparam-se na Frente de Libertação Nacional da Guiné (FLING). Este frentismo também afectou a Opo-sição política portuguesa, agrupada na Frente Patriótica de Libertação Nacional e na Frente Antitotalitária dos Portugueses Livres e Exilados (FAPLE).

A colónia que mais atenção mereceu, tanto do poder colonial e como da comu-nidade internacional, foi Angola, onde aparentemente a UPA tinha sido derro-tada, depois de as Forças Armadas Portuguesas terem recuperado todo o terri-tório do Norte da colónia, graças não só às operações militares, mas também à acção psicológica desenvolvida pelos Serviços de Centralização e Coordena-ção de Informações. Estes conseguiram a colaboração de Simão Toco e de outros líderes bacongos, o que fez com que Portugal recuperasse uma parte sig-nificativa dos refugiados nas florestas e no Congo, que voltaram a colocar-se sob soberania portuguesa. A UPA não podia assumir a sua derrota e recorreu a uma estratégia que desse a aparência de que havia passado por um retrocesso momentâneo e conjuntural, mas que estava em condições de reunir forças para lançar, em breve, uma nova ofensiva.

Foi assim que os homens de Holden Robert se uniram, a 22 de Março, ao Partido Democrático de Angola (PDA), uma organização exclusivamente baconga, para formar a FNLA, cujo presidente era o próprio Roberto. Esses mesmos sectores sociopolíticos foram os responsáveis pela criação, a 11 de Abril, do Governo da República de Angola no Exílio (GRAE), que não era mais do que um desdobramento táctico da FNLA. O GRAE estabeleceu a sua sede em Leopold-ville e era constituído por dez departamentos, entregues, respectivamente, a: Holden Roberto, presidente; Emmanuel Kounkinza, vice-primeiro-ministro; Ale-xandre Taty, responsável pela Defesa; Jonas Malheiro Savimbi, pelos Negócios Estrangeiros; Rosário Neto, pela Informação; José Liahuca, pelo Interior; Dom-bele Ferdinand, pelos Assuntos Sociais; José Kalundungo, chefe do Estado–Maior do Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA); Maria do Rosário Neto, representante da Associação das Mulheres Angolanas (AMA); e Jorge Valentim, representante da União Nacional dos Estudantes Angolanos (UNEA). Mas, na segunda metade de 1962, tornou-se conhecido que o GRAE recebia financiamentos da CIA, pelo que perdeu o apoio do Gana, Guiné-Conacri, Egipto, Mali, Marrocos, Governo Provisional da Argélia e países que constituíam o Grupo de Casablanca. A partir daí, o seu principal apoio veio-lhe do ex-Congo Belga o qual, em Julho, pôs à sua disposição a base de Kinkusu, que se conver-teu no seu principal centro de treino militar e quartel-general da sua guerrilha. Nessa altura também, a FNLA organizou o Serviço de Assistência aos Revolucionários de Angola (SARA), de que o Dr. José Liahuca foi um dos principais impulsionadores. A sua criação pretendeu ser uma alternativa ao Corpo Voluntá-rio de Assistência aos Refugiados (CVAR), criado pelo MPLA em 1961, também no ex Congo Belga.

De facto, o que caracterizou tanto o MPLA como a FNLA foi a sua permanente rivalidade e a incapacidade de coordenarem as suas acções frente ao inimigo comum. Além disso, ambos os partidos nacionalistas sofreram numerosas crises internas que debilitaram ainda mais a sua eficácia. Inicialmente, onde mais se evi-denciou a fractura foi na FNLA/GRAE, em consequência da sua expulsão de Angola pelo Exército português, o que levou, em meados de 1962, Rosário Neto, ministro da Informação, e Marcos Kassango, chefe de Estado-Maior, a abandonarem a organização. Este último, em conferência de imprensa, divulgou as ordens secretas de Holden Roberto aos seus homens, segundo as quais eles deveriam impedir que as colunas do MPLA entrassem em Angola e, se as encontrassem, deveriam neutralizá-las, como já tinham feito com um grupo de 21 homens, comandado pelo comandante Tomás Ferreira, que tinha sido feito pri-sioneiro em Dezembro de 1961, no interior de Angola, e todos os seus mem-bros tinham sido enforcados. Também, num ajuste de contas, o presidente do GRAE teria executado o comandante Baptista, um dos principais chefes milita-res da UPA, que tinha dirigido, em grande parte, as acções operacionais do 15 de Março de 1961. Supostamente, a sua execução dever-se-ia ao facto de não ser bacongo, mas o mais provável é que tivesse sido devido à sua incapacidade de resistir às tropas portuguesas, mais bem armadas e comandadas.
A partir de então, o rótulo de tribalista acompanhou sempre Holden Roberto, se bem que, mesmo apesar do seu desprestígio, a 28 de Dezembro, ainda tenha testemunhado perante a comissão especial da ONU encarregada da descoloni-zação, como representante de Angola. Mas os EUA, que apenas dez dias antes tinham votado contra uma resolução condenatória de Portugal, recusaram-se a recebê-lo na Casa Branca, para não indignar mais o regime de Lisboa, com quem queriam encetar uma cooperação militar mais estreita.

Holden Roberto passa revista às tropas da FNLA. [revista Portugal Libre, Paris, Dezembro de 1971]

MPLA

O outro pólo nacionalista angolano era o MPLA que, em finais de 1961, se instalou em Leopoldville, aumentando as disputas no seio dos exilados angolanos, uma vez que até então a UPA tinha sido a única organização combatente a obter o apoio do carismático Patrice Lumumba. Depois da queda de Lumumba, a situação não melhorou para o MPLA porque o novo primeiro-ministro, Adoula, se situava ainda mais à direita do que o seu predecessor. Acusou o MPLA de ser comunista e perseguiu-o por vir da Guiné-Conacri, país que era então o princi-pal aliado da URSS em África.

Tentando neutralizar a hostilidade da FNLA e das autoridades do Congo que a apoiavam, o MPLA tentou alguns gestos conciliadores, mas sem êxito. Não tendo conseguido resultados aqui, tentou pelo menos encontrar uma maneira de pôr termo pacificamente aos recontros, no Congo, entre militantes dos dois movimentos, que frequentemente acabavam mal. Assim, a 13 de Maio, Mário de Andrade (MPLA) e Holden Roberto (GRAE) concordaram em cessar os ataques mútuos.

Também nesta época, o MPLA sofreu uma grave crise interna, desencadeada pela chegada ao Congo de Agostinho Neto. Este estava em Lisboa obrigado a residência fixa mas, a 30 de Junho, com a ajuda do PCP, conseguiu fugir com a mulher e o filho pequeno, e ainda com Vasco Cabral, irmão do líder do PAIGC. O pedido para a fuga do presidente honorífico do MPLA foi negociado em Mos-covo por Viriato da Cruz e Mário Pinto de Andrade, segundo indica este último. Partiram de Lisboa num barco de pequenas dimensões, propriedade de José Nogueira, um oficial da Marinha. Saíram de Pedrouços e, três dias mais tarde, desembarcaram em Tânger. A fuga foi organizada pelo dirigente comunista Jaime Serra, responsável pelas acções militares do partido.

Em Agosto, Agostinho Neto chegou a Leopoldville, onde procurou encontrar um processo de convergência com a FNLA. Havia várias causas que o levavam a isso, mas foi sobretudo pela convicção de que com a união – pelo menos, de acção – a emancipação estaria mais próxima. Além disso, Viriato da Cruz, secre-tário-geral do MPLA, também era um firme partidário da acção conjunta com a FNLA, porque o MPLA ainda não tinha conseguido até então, nem ter presença real em Angola, nem desencadear nenhuma acção armada. Também a maioria dos líderes africanos pressionavam o MPLA para que se integrasse no movi-mento de Holden Roberto.

Reunião de dirigentes da guerrilha. [AAA]

A génese do confronto no seio do MPLA estava em que, depois da chegada de Agostinho Neto, o presidente Mário de Andrade entendeu que, sendo ele o o presidente honorário, deveria ocupar o cargo de forma efectiva, já que tinha recuperado a liberdade. Mas Viriato da Cruz tinha um ponto de vista diferente, uma vez que estava habituado, como secretário-geral, a dirigir a actividade da organização e não queria perder o seu papel. A disputa pela liderança dirimiu-se na Primeira Conferência Nacional do MPLA, que teve lugar em Leopoldville, de 1 a 3 de Dezembro, e onde se renovaram os cargos de direcção.

Apresentaram-se duas listas, uma liderada por Mário de Andrade e outra por Viriato da Cruz. A primeira, que tinha o apoio de Neto, venceu com 39 votos, enquanto a de Viriato obteve 12. Segundo os derrotados, enquanto eles tinham tentado criar uma lista consensual, Agostinho Neto tinha-se imposto sem os integrar. Assim, este resultado propiciou a ruptura do partido, o que veio a ter con-sequências trágicas.

Em Dezembro, Neto viajou para os EUA para tentar conseguir novos apoios para o MPLA e para contrariar a influência que Holden Roberto tinha nos círculos governamentais norte-americanos.

Também tentou apresentar o seu partido como demarcado da órbita soviética, mas não conseguiu nenhum dos seus objectivos.

Guiné e Amílcar Cabral

Na Guiné-Bissau, o ano de 1962 foi marcado por uma crescente radicalização do PAI, que por essa altura acrescentou à sua sigla o G de Guiné e o C de Cabo Verde. Era necessário desencadear a luta armada para ajudar a debilitar a repressão em Angola, uma vez que as Forças Armadas Portuguesas seriam obrigadas a dividir os seus efectivos. Com esse objectivo, Amílcar Cabral criou, em Janeiro, no país vizinho, concretamente no bairro do Bonfim de Conacri, o Lar dos Combatentes, base de treino guerrilheiro, tanto político como militar. Também junto da fronteira com a Guiné portuguesa se organizaram vários campos de treino, dirigidos por guerrilheiros que tinham recebido instrução na Checoslováquia.

Por sua vez, em Março, na Guiné, e perante as crescentes demonstrações nacionalistas, a PIDE levou a cabo um ampla operação, desmantelando a estru-tura clandestina do PAIGC na capital, sendo Rafael Barbosa, presidente do Comité Central do partido, o principal afectado.

Apesar disso, a 25 de Junho, o PAIGC atacou a vila de Catió, onde destruiu a barca do rio Bedana, cortou as linhas telefónicas, derrubou árvores e escavou trincheiras em diversas estradas, interrompendo o trânsito, em cumprimento das ordens da direcção, que se tinha comprometido a passar à acção directa, mas não ainda à luta armada. Estava ainda na fase das sabotagens porque não dispunha da infra estrutura necessária para sustentar ininterruptamente actividades bélicas.

A actividade operacional e a implantação do PAIGC causavam inquietação no Senegal, cujo Governo mantinha uma disputa com o da Guiné-Conacri. Por essa razão, tratou de auspiciar movimentos alternativos ao de Amílcar Cabral, que considerava um instrumento de Touré. Daí o apoio dado ao Movimento de Libertação da Guiné (MLG), dirigido por François Mendy, e as tentativas para que avançasse a unificação dos diversos grupos antiportugueses radicados em Dacar, razão pela qual o Governo senegalês lhes pediu que elaborassem as bases de uma frente comum. A 20 de Julho, o primeiro-ministro senegalês, Mamadou Dia, recebeu uma delegação de cinco membros, presidida por Fran-çois Mendy, e representando diversas formações políticas que queriam iniciar o processo de convergência.

Depois de múltiplos desencontros, a 3 de Agosto constituiu-se a Frente da Libertação para a Independência Nacional da Guiné (FLING), nascendo da fusão do MLG, integrado por manjacos, da União Popular da Guiné (UPG), for-mada por gente de várias etnias, da União Popular de Libertação da Guiné (UPLG) e do Reagrupamento Democrático Africano da Guiné (RDAG), consti-tuído por mandingas. Esta frente não chegou a passar da fase embrionária, uma vez que não foi possível solucionar as divergências entre os grupos étnicos que a compunham.

No entanto, a FLING encontrou um certo eco entre os nacionalistas guineen-ses, devido ao seu objectivo de lutar exclusivamente pela independência da Guiné-Bissau, acusando o PAIGC de fantasiar com a sua pretensa unidade com o arquipélago de Cabo Verde. Essa questão, o PAIGC também não tinha conseguido ultrapassar, uma vez que os cabo-verdianos, que eram a base dos escalões mais baixos da administração colonial, eram vistos por muitos guineenses como colonialistas. Essa fora uma das razões que já tinha propiciado o surgimento do MLG, formado por ex militantes do PAIGC, liderados por Luís da Silva.

Chegada de soldados da Guiné. [DGARQ-TT-O Século]

A 9 de Junho, o MLG enviou à Comissão de Descolonização da ONU uma informação, pedido que se acelerasse o processo de autodeterminação e que as forças de ocupação portuguesas regressassem à Metrópole. Era uma tentativa desesperada de fazer com que a voz do PAIGC não fosse a única a ser ouvida na ONU, já que, no dia anterior, Amílcar Cabral, acompanhado de Dulce Almada, tinha feito uma declaração no Comité Especial de Descolonização, que se reu-niu em Conacri. Cabral exigiu que se definisse a modalidade que devia estabelecer-se para aceder à independência e mostrou-se disposto a negociar com Portugal o modo de preservar os seus interesses económicos, compatibilizando-os com a soberania nacional da Guiné e Cabo Verde. Em Dezembro desse ano, e em representação do PAIGC, Cabral dirigiu-se novamente à 4ª Comissão da Assembleia Geral, em Nova Iorque, pedindo que a descolonização se fizesse com a colaboração de Portugal e declarou-se disposto a realizar negociações imediatas, no local que lhe indicassem, e da forma que fosse acordado.

Moçambique e FRELIMO

Em Moçambique, as diversas organizações, que englobavam sociedades de socorros mútuos, de carácter cultural, étnicas e as propriamente políticas, viam claramente a necessidade de convergir numa frente de massas, capaz de con-duzir a luta pela libertação nacional. Mas quem acabou por propiciar o processo de unificação foi a UDEMANO. Esta tinha sido convidada a participar na All Freedom Fighters Conference, em Acra, a 30 de Maio, e decidiu fazer-se repre-sentar por quatro dos seus dirigentes: Adelino Gwambe, Fanuel Mahluza, Cal-vino Mahlayeye e Marcelino dos Santos. Além disso, a UDENAMO, para impul-sionar a sua fusão com o MANU, convidou três representantes dessa formação: Matthew Mmole, Samuli Diankali y Daúd Atupale. Iniciou negociações com eles mas sem a interferência do Governo de Tanganica, que favorecia o MANU por pretender, inicialmente, a união dos territórios macondes e não favorecer o nacionalismo moçambicano.

Depois de três dias de discussão, chegaram a acordo sobre a fusão, que se deu no dia 2 de Junho, em Acra, e deram à nova organização o nome de Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). A notícia foi divulgada pelos principais meios de comunicação africanos, de tal forma que, quando chegaram a Dar es Salam uns dias depois, encontraram José Baltasar Chagonga, líder da União Nacional de Moçambique (UNAMI), que ali se havia deslocado, vindo do Malawi, para se juntar ao processo de unificação. Este processo foi ratificado durante o seu primeiro congresso, celebrado no Arnotorgh Hall, de Dar es Salam, de 23 a 28 de Setembro, que contou com a presença de 80 delegados e 500 observa-dores. A união foi apadrinhada pelos presidentes do Gana e Tanganica; Nyerere já tinha então esquecido de vez o apoio étnico aos macondes.

A principal resolução foi estabelecer que seriam válidas todas as formas capa-zes de conduzir Moçambique à independência, desde a luta armada à mobiliza-ção da opinião pública mundial. Já a 16 de Junho, tinha chegado a Dar es Salam, convidado pela UDENAMO para liderar a fusão, Eduardo Mondlane, que seria nomeado presidente do congresso e também da FRELIMO. A votação foi a seguinte: Mondlane com 126 votos, Simango com 69 e Chagonga com nove. A direcção saída do congresso, para além do presidente, era a seguinte: Uria Simango, vice-presidente, David Mabunda, secretário-geral, Paulo Gumane, secretário-geral adjunto, Leo Millas, Defesa e Segurança, Marcelino dos Santos, Negócios Estrangeiros, João Mungambwe, Organização, Paulo Bayeke, Informa-ção, e Matthew Mmolé, tesoureiro.

Contudo, a harmonia entre os três grupos não foi fácil e Lázaro Kavandame, diri gente maconde da região de Mueda, denunciou que o comité era controlado por oriundos do Sul do Zambeze.

Chegada de soldados de Moçambique. [DGARQ-TT-O Século]

As rivalidades étnicas e a luta pelo poder seriam, desde então, habituais. Para isso contribuiu também o facto de, depois do congresso, Mondlane ter regres-sado por meio ano aos EUA, para concluir trabalhos e compromissos com a ONU, da qual era funcionário. A sua ausência favoreceu as divergências, que se foram agravando de dia para dia, pois nenhum dos outros líderes tinha o seu carisma. Já no final do ano, Adelino Gwambe, que tinha sido fundador e presi-dente da UDENAMO, foi expulso por pôr em causa a liderança de Mondlane. Gwambe, amigo pessoal do presidente Nkrumah e com apoios no Gabinete para os Assuntos Africanos, do Gana, acusou Mondlane de estar a soldo dos EUA e acabaria por ressuscitar a UDENAMO.

Outros territórios

Em relação a Timor-Leste, a informação da ONU sobre territórios não autónomos referia a existência de um “Bureau de Libertação da República de Timor”, com sede em Jacarta.

Em São Tomé e Príncipe, o Comité de Libertação de São Tome e Príncipe (CLSTP) não foi capaz de criar uma ligação operacional com o arquipélago, e limitou-se a ser uma organização de exilados, sem militantes no interior das ilhas. A direcção, liderada por Carlos Graça e Miguel Trovoada, tinha-se estabelecido em Libreville desde finais de 1961, enquanto outro grupo se encontrava em Acra, dirigido por Viriato de Carvalho, António dos Santos e António de Medei-ros. Entre estas duas facções as relações eram péssimas, o que tornava total-mente invisível a actuação do CLSTP, com excepção das reuniões internacionais, onde o movimento estava normalmente representado.

Oposição política

Para além dos movimentos de libertação, também a Oposição política portu-guesa desafiou o Estado Novo, ainda que com diferenças, pois verificou-se uma profunda divergência em relação à questão colonial. Assim, uma parte da Oposição liberal continuava presa à ilusão imperial e o regime utilizava-a para com ela dividir certificados de portugalidade. O velho caudilho republicano Cunha Leal, que era anti salazarista mas patriota, desvinculou-se dos sectores que pre-tendiam fazer a descolonização. Nessa linha, também se situou a FAPLE, dirigida por Henrique Galvão, que no início de Fevereiro tornou público um comunicado criticando a atitude da União Indiana, da ONU e dos países democráticos. À pri-meira criticou pela “brutal agressão” ao Estado português da Índia, e aos outros por a terem tolerado.

Mais suave era a atitude dos sectores liberais e sociais-democratas que, em Janeiro, criaram a Aliança Republicano-Socialista, sendo seus impulsionadores Tito de Morais, Ramos da Costa e Mário Soares. Desde o princípio que este grupo se integrou

Henrique Galvão no Santa Maria. [revista Paris Match]

na Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), orga-nismo unitário opositor criado em Maio de 1961 quando socialistas, comunistas e delgadistas organizaram uma comissão conjunta. No entanto, a sua Primeira Conferência só se realizou entre 19 e 21 de ezembro, em Roma, e a ela assistiram Álvaro Cunhal, Lopes Cardoso, Fernando Piteira Santos, Manuel Sertório, Tito de Morais, Mário Ruivo e Ramos da Costa. O general Delgado não conseguiu passaporte a tempo e não pôde estar presente. Decidiu-se que a sede da orga-nização se estabeleceria em Argel.

A hegemonia do PCP dentro da Oposição foi favorecida com o aparecimento, em Abril, da Rádio Portugal Livre, que emitia a partir de Buca-reste. Esta estação juntou se às emissões em português já transmitidas pela Rádio Moscovo, com idêntica linha política.

A crise estudantil

Contudo, nesse ano, a maior visibilidade da Oposição foi protagonizada pelos estudantes universitários pro-cedentes da burguesia e das classes médias altas, que até então tinham apoiado o Estado Novo. As causas das greves estudantis encontram-se na crescente politização vivida pela sociedade portuguesa e na necessidade de quebrar a uniformização nacionalista surgida na raiz das guerras coloniais. O ano lectivo de 1961-1962 iniciou-se em Coimbra com a celebração do Dia do Estudante, a 25 de Novembro de 1961, e como habitualmente vieram assistir membros das outras duas universidades, Lisboa e Porto. As comemorações terminaram com um jantar com mais de 200 participantes, onde se gritaram palavras de ordem contra a Guerra Colonial. Depois saíram em cortejo e alguns foram detidos pela polícia.

Entre Janeiro e Fevereiro, houve em Lisboa várias reuniões de estudantes das diversas universidades, a fim de criarem um comité coordenador interuniversitário.

Surgiu então a ideia de realizar em Coimbra, a 9 de Março, o Primeiro Encontro Nacional de Estudantes. Este encontro foi obviamente proibido pela polícia mas, apesar disso, a Associação Académica de Coimbra (AAC) organizou o evento, que terminou com a criação de um secretariado nacional com representantes das três universidades. A desobediência dos membros da AAC custou-lhes um processo disciplinar, perante o qual os estudantes iniciaram uma greve que duraria até 24 desse mês, quando o reitor Guilherme Braga da Cruz lhes garantiu que os castigos aos estudantes seriam levantados. O fim dos protestos em Coimbra coincidiu com o início dos mesmos, nas universida-des da capital. O motivo para tal foi a proibição do Dia do Estudante, naquele mesmo dia. Os estudantes decidiram ignorar a proibição governamental, mas a polícia de choque invadiu a Cidade Universitária, decretando se então o “luto académico”.

Marcelo Caetano, na altura reitor da Universidade Clássica, negociou com o ministro da Educação o regresso às aulas, em troca de que a festa pudesse celebrar-se noutra data. O ministério aceitou que as comemorações se realizas-sem a 7 e 8 de Abril, mas chegada a altura também não houve permissão para elas. Marcelo Caetano, sentindo se desautorizado pelo ministro, demitiu-se, enquanto recomeçavam as greves em Lisboa e em Coimbra, onde o reitor, por sua vez, também não cumpriu o acordado. A AAC foi dissolvida, sendo substi-tuída por uma comissão administrativa.

O Governo, perante a magnitude do protesto, publicou a 21 de Maio um decreto-lei (nº 44.357), segundo o qual se podia proceder disciplinarmente contra os alunos, aplicando-lhes penas que podiam ir até à expulsão temporária ou permanente. Ao abrigo desta lei foram detidos muitos dirigentes estudantis e alguns foram mesmo definitivamente afastados das aulas.

Fechadas as associações estudantis, com centenas de detidos e com a possi-bilidade de perder o ano se continuassem com a greve, os estudantes realizaram, a 14 de Junho, uma assembleia no Instituto Superior Técnico, onde se decidiram pelo regresso às aulas.

Nos meios universitários de Coimbra, o PCP era influente mas, com a deten-ção pela PIDE, a 14 de Abril, de Eduardo Viana, funcionário dessa organização, deu-se a captura dos responsáveis Orlando de Carvalho e Joaquim Namorado e o desmantelamento do sector académico; o mesmo aconteceu ao sector dos intelectuais, coordenado por Manuel Henriques. Ambos os sectores eram supervisionados por Augusto Lindolfo e João Honrado, que também foram pre-sos. As prisões alargaram-se depois ao Porto e a Lisboa. Nesta última, caiu ainda o responsável pela agitação operária e estudantil, José Manuel Bernar-dino. 

Os sectores estudantil e profissional do PCP não conseguiram recuperar da intensidade da repressão de que foram alvo e, por isso, quando se iniciou o ano lectivo 1962-1963, em Outubro, não tiveram capacidade nem organização para contestar as novas medidas repressoras da ditadura. Estas concretizaram-se com a publicação do decreto-lei nº 44.632, que acabava com a autonomia universitária e reduzia as atribuições das associações académicas, cuja criação e funcionamento dependia da aprovação dos seus estatutos pelo Ministério da Educação. Além disso, as suas direcções podiam ser suspensas ou destituídas em qualquer momento. No entanto, se o PCP tinha acompanhado os protestos académicos, não tinha conseguido controlá-los, porque eram um movimento muito heterogéneo: católicos, socialistas, esquerdistas, etc. A radicalização estu-dantil acabou por propiciar a criação, em Dezembro, do Movimento de Acção Revolucionária (MAR), cujos dirigentes provinham da direcção do movimento estudantil e intelectual e incluíam, entre outros, Medeiros Ferreira, Victor Wengo-rovius, Manuel Lucena, João Cravinho, Vasco Pulido Valente. Também militaram no MAR César de Oliveira, Oliveira Marques e Jorge Sampaio. A sua linha polí-tica definia-se como socialista, revolucionária e partidária de “acções armadas contra o fascismo”. Esta organização integrou-se na FNLP, através de Lopes Cardoso e Rui Cabeçadas.

Regresso dos prisioneiros da Índia

Contudo, a principal contestação ao regime surgiu das suas próprias contra-dições internas. A necessidade de tomar medidas reformistas em África, que fizessem diminuir as críticas da comunidade internacional, geraram divergências na cúpula da ditadura, que não soube coordenar todos os sectores envolvidos no processo de actualização do regime. Isto porque o próprio Salazar, então com 73 anos, se tinha habituado a governar de forma rotineira e sem a assessoria do Conselho de Ministros que, nessa época, já raramente se reunia.

Outro factor de grande importância que afectou a credibilidade do regime foi a questão dos prisioneiros militares portugueses detidos em três campos de Goa: cerca de 4000 militares, durante quase seis meses. O Governo português não quis repatriá-los de imediato para causar problemas à Índia. Com essa atitude, Salazar pretendia preservar bens e terras e obter protecção legal para a minoria goesa. Em simultâneo, mandou deter os hindus residentes em Moçambique, a quem confiscou bens e propriedades e a quem acabou por expulsar.

Finalmente, a 2 de Abril, e através do enviado especial do presidente do Con-selho, Jorge Jardim, Portugal e a Índia chegaram a um acordo para repatriar os militares. Exactamente um mês depois, por meio de uma ponte aérea entre o aeroporto de Dabolim (Goa) e o de Carachi (Paquistão), em cujo porto estavam os navios Vera Cruz, Moçambique, Pátria e Timor, iniciou-se o regresso a casa. O primeiro a chegar ao porto de Lisboa, a 22 de Março, foi o Vera Cruz, que foi recebido de forma bastante humilhante. Com este episódio, abria-se uma rela-ção azeda entre a direcção política do regime e uma parte da oficialidade que a acusava de não ter noção da realidade e de planear linhas de actuação estra-tégica utópicas e irrealizáveis.

Questão colonial, uma questão do regime

Superar a crise colonial, uma vez desen-cadeada a insurreição em Angola em

Manifestação em Lisboa contra o Governo. [DGARQ-TT-O Século]

princípios de 1961, não foi fácil para o regime e, contrariamente a versões que têm circulado até hoje, o Estado Novo, especialmente entre 1961 e 1962, teve muitas dúvidas sobre como geri-la, numa altura em que a pressão norte-americana a favor da descolonização era muito intensa. A Abrilada de 1961 foi a prova de como reagiu a cúpula mili-tar quando percebeu que, contra a von-tade de Washington, não se podia ganhar a guerra. Mas o próprio regime, entre 15 de Março de 1961, quando se deu a insurreição da UPA, e 14 de Abril, quando Salazar pronunciou as palavras “andar rapidamente e em força” para Angola, esteve um mês paralisado e isso só pode explicar-se pela sua própria desorientação estratégica. Percebe-se que o desconcerto do regime seria ainda maior, sabendo que a 12 de Janeiro, apenas três semanas depois da rendição da Índia, Franco Nogueira apresentou a Salazar – como assinala Orlando Raimundo – um projecto para negociar uma saída honrosa da Guiné-Bissau, através do Senegal, de Macau, através da China, e de Timor-Leste, através da Indonésia. O ministro dos Negó-cios Estrangeiros acreditava que Portugal devia manter-se apenas em Angola, Moçambique e Cabo Verde. A heterodoxia de Franco Nogueira era partilhada, com maior ou menor ênfase, por muitos dos sectores apoiantes da ditadura, como por exemplo o reformista e dinâmico ministro do Ultramar, Adriano Moreira, cuja política de negociações foi perdendo fôlego à medida que se generalizava a ideia de que a revolta angolana tinha sido totalmente esmagada.

Contudo, no Outono de 1962, Adriano Moreira quis rever a articulação do Ultra-mar dentro do conjunto português, com o objectivo de limar a hostilidade inter-nacional e reduzir o mal-estar das populações nativas, aumentando-lhes a capa-cidade de decisão. Apresentou o seu projecto num Conselho de Ministros cele-brado em Setembro, e onde se manifestaram duas posições: a sua, a favor de uma autonomia progressiva e irreversível; e a do lobby centralista, onde se encontravam os ultras do regime, que pretendiam integrar economicamente todos os territórios sob soberania portuguesa.

Perante a falta de consenso, foi decidido convocar para Outubro o Plenário do Conselho Ultramarino, formado, entre outros, pelos antigos governadores e ministros das colónias. Neste plenário, o governador de Moçambique, Sar-mento Rodrigues, voltou a defender a sua tese de sempre, de que o Ministério do Ultramar deveria converter-se num ministério de mera coordenação interter-ritorial, transferindo-se as suas competências para as colónias, nomeando-se para elas um ministro de Estado. Adriano Moreira apoiava este projecto.

Marcelo Caetano, que tinha sido convidado na sua qualidade de ex-ministro das Colónias (1944-47), não pôde estar presente, mas enviou um documento, com data de 2 de Fevereiro. Nele, propunha o desaparecimento do Estado uni-tário e a sua transformação em três Estados federados: Portugal, Angola e Moçambique, enquanto os restantes territórios teriam um estatuto próprio. Cada Estado teria o seu Governo, a sua Assembleia Nacional e os seus tribu-nais. Os órgãos centrais da federação seriam o Presidente da República, a Pre-sidência da Comunidade, a Assembleia da Comunidade e um Supremo Tribu-nal Federal. Salazar entendeu que a proposta de Caetano implicava, em última instância, renunciar ao Ultramar, e fez retirar o texto de circulação. O mesmo fim teve a tese de Adriano Moreira/Sarmento Rodrigues, que foi rejeitada.

O texto de Marcelo Caetano é muito importante e ajuda, por outro lado, a revelar a sua personalidade. Nessa comunicação defende ideias que não assumiu durante a sua época de ministro das Colónias e que não assumirá quando, a partir de 1968, se torna presidente do Conselho, o que revela as tremendas contradições políticas que sempre o assaltaram. Mas, ainda mais surpreendente é a data do documento, 2 de Fevereiro de 1962: nesse dia, o Conselho Ultramarino não tinha sido convocado, nem havia indícios que levassem a pensar na sua iminente convocatória. Isto indica que Caetano o redigiu com outra finalidade. Talvez se tratasse das linhas de actuação que, em matéria ultramarina, pretendiam seguir os conspiradores detectados pela CIA, em Julho de 1962, e que tinham constituído um Governo-sombra, com Craveiro Lopes como presidente, Caetano como primeiro-ministro, Botelho Moniz, ministro da Defesa, Ramos Pereira, da Marinha, Costa Gomes, do Exército, Pinto Barbosa, da Economia e Cavaleiro Ferreira, da Justiça.

Venâncio Deslandes e o ministro do Exército, Mário Silva, em Angola. [AHM]

Um projecto experimental?

Inicialmente, o Governo estimulou uma política de rápidas reformas e con-cessão de maior autonomia aos territórios coloniais. Esta política era impul-sionada pelo ministro do Ultramar, Adriano Moreira, e pelo governador e comandante-chefe de Angola, Venâncio Deslandes. Este era continua-mente incentivado pelos colonos, que mantinham uma grande sintonia com ele, relação que acabaria por provocar uma grave crise, em meados de 1962, entre o governador e o ministro do Ultramar. O primeiro, tentando acabar com a guerra, elaborou um plano de desenvolvimento para a colónia que requeria um investimento de oito milhões de contos, enquanto em Lisboa só tinham previsto 500 mil. Por outro lado, excedendo-se nas suas competências, Deslandes autorizou a criação de um programa de estudos universitários, que foi suspenso pelo Governo central. Nessa disputa, Salazar e o seu Executivo apoiaram Adriano Moreira, mas actuaram com grande prudência, uma vez que a popularidade do governador era grande, tanto nas Forças Armadas locais, como entre os colonos que, pela primeira vez, viam alguém que se preocupava verdadeiramente com o desenvolvimento do território. Moreira convocou o governador para a capital mas este, com a concordância dos seus chefes militares, negou-se a comparecer. Mas, depois de uma segunda chamada apaziguadora do ministro, e apesar da opinião contrária dos seus subordinados, a 25 de Setembro de 1962 ali compareceu, altura em que foi destituído.

À sombra de Deslandes, e envolvida pelo descontentamento, forjava-se em Luanda uma nova conspiração militar. As autoridades portuguesas tiveram informações sobre ela através de várias fontes. Manuel Alegre, que partici-pou activamente no pustch, atribuiu a delação ao tenente dos Fuzileiros, Metzner, que supostamente teria avisado o chefe de Estado-Maior, Leonel Cardoso.

Mas maior credibilidade teve o tenente-coronel Galvão de Melo (que depois do 25 de Abril de 1974 seria membro da Junta de Salvação Militar) que, numa carta enviada ao próprio Salazar, a 9 de Setembro de 1962, o advertia de que a con-jura em Angola

O reforço da presença militar foi a forma de reafirmar a política colonial do regime. [DGARQ-TT-Flama]

era dirigida a partir de Lisboa pelo ex-presidente Craveiro Lopes. Esta informação era coincidente com a que a delegação lisboeta da CIA tinha enviado para Washington em Julho, assinalando que se preparava um pustch em que interviriam os derrotados da Abrilada, com o apoio político dos reformistas encabeçados por Marcelo Caetano.

Relações com os Estados Unidos

Nessa época, os EUA apoiaram Craveiro Lopes e Botelho Moniz, numa dupla manobra que pretendia, por um lado, desbloquear a política colonial portuguesa e, por outro, encontrar para Angola e Moçambique uma independência com regi-mes moderados, encabeçados, respectivamente, por Holden Roberto e Eduardo Mondlane, aqueles a quem a administração Kennedy deu o seu apoio durante os primeiros anos da década de sessenta.
Salazar tentou contrariar esta acção de desgaste, bloqueando a renovação do Acordo sobre a Base das Lajes (Açores), que os americanos utilizavam desde 1944 e cujo prazo expirava em 1962. Concluída a vigência, Lisboa podia expulsá-los com um simples aviso prévio.

Este complexo militar era, sem dúvida, vital para Washington que, por isso, teve de suavizar a sua atitude, para o que também contribuíram alguns sectores da sociedade norte-americana, especialmente da ala republicana, que não viam com maus olhos a presença lusa em África e que acreditavam que Salazar era uma barreira contra o comunismo.

Mudanças internas

Em Dezembro de 1962, quando parecia ter passado o período de maior pres-são sobre o Governo, Salazar realizou uma remodelação ministerial que afectou seis pastas. As novidades mais significativas foram que ele próprio abandonou a pasta da Defesa, passando a ser ocupada pelo general de Infantaria Gomes de Araújo; a substituição do contestado ministro da Educação, Lopes de Almeida, por Galvão Teles; e a destituição de Adriano Moreira do Ultramar, pela sua confrontação com Deslandes, sendo ocupado este cargo por Peixoto Cor-reia. Estas alterações governamentais foram entendidas, tanto dentro do país como fora dele, como um reforço do presidente do Conselho e da sua linha polí-tica contrária à descolonização.

1962 - UNIDADES MOBILIZADAS

ANGOLA

Observações
O deslocamento desta Unidade foi feito em duas fases acrescida de um completamento, tendo a segunda fase ocorrido a 11 de Maio de 62 e o completamento em 27 de Outubro de 62.
Fontes
– AAVV, Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 2º Volume – Angola, Lisboa,
EME/CECA, 1989.
– Engenharia Militar Portuguesa – Livro Comemorativo dos 350 Anos, 1º Volume, DSE/EPE, 1997.
– AHM/DIV/2/2 (Histórias de Unidades de Angola).
– AHM/FO/7/B (Ordens de Transporte).
– AHM/DIV/2/10/8/1 (Ordens de Transporte).

Aspecto geral de populações apresentadas numa povoação do Norte de Angola. [AHM]

GUINÉ

Fontes
– AAVV, Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 7º Volume – Fichas das Unidades, Tomo II (Guiné), Lisboa, EME/CECA, 2002.
– AHM/DIV/2/4 (História de Unidades da Guiné).

Companhia de Caçadores 167
Companhia de Caçadores 169
Companhia de Caçadores 168

MOÇAMBIQUE

Observações
As datas realçadas a amarelo referem-se aos presumíveis meses de embarque, que não foi possível confirmar.

Fontes
– AAVV, Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961 1974), 4º Volume – Moçambique, Lisboa, EME/CECA, 1989.
– AHM/DIV/2/7 (História de Unidades de Moçambique).
– AHM/FO/7/B (Ordens de Transporte). 

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