“Chamem-lhe nacionalismo, chamem-lhe anticolonialismo, chamem-lhe o que quiserem. A África está a viver uma revolução… Não podemos pensar mais em África só em termos da Europa”.
J. Kennedy, 1957
A política de Kennedy para o Terceiro Mundo, que estava a nascer após o fim da II Guerra Mundial, foi a de tentar conciliar a paz em que as potências europeias estavam dispostas a descolonizar e as pressões dos chefes políticos locais para independências mais céleres. A administração Kennedy entendeu que defendia melhor os interesses dos EUA aceitando os riscos de se aproximarem mais dos grupos moderados independentistas, do que ficando colados a amigos antigos.
Neste contexto, a eleição de John Kennedy rompeu com os anos de benevolência protectora entre Estados Unidos e Portugal, que caracterizaram as relações entre os dois países após o final da II Guerra Mundial.
Salazar usou de toda a sua manha política para, mais uma vez, ganhar tempo e esperar que a tempestade passasse sem o atingir. Tinha apenas dois trunfos, mas de baixo valor: o seu anticomunismo e os Açores. Quanto aos americanos não necessitavam do anticomunismo de Salazar – a URSS situava-se do outro lado da Europa e em África dispunham de Holden Roberto para a sua política de apoio à luta de libertação dos africanos. Relativamente aos Açores, o porta-aviões atlântico, Salazar sabia que os americanos utilizariam a base desde que precisassem dela. Tinham-no feito no final da II Guerra, instalando-se nas Lages sem cerimónia.
Kennedy e Salazar
Os Estados Unidos alteraram as suas políticas de relativa tolerância e neutralidade benevolente para com o colonialismo português. De facto, ainda antes de tomar posse, John Kennedy dispunha já de um extenso relatório elaborado por uma equipa constituída por vários senadores democráticos e liderada pelo seu irmão Edward Kennedy, que se deslocara a África em 1960.
O relatório considerava ultrapassada a política de lidar com a África através dos poderes metropolitanos que controlavam a maior parte do continente desde a Conferência de Berlim, e dizia que os Estados Unidos deviam assumir uma posição de apoio ao emergente nacionalismo africano. O relatório era especialmente crítico em relação aos territórios coloniais portugueses.
O Governo português destes territórios era descrito como “intolerável” e o relatório sugeria que os Estados Unidos, em colaboração com a Grã-Bretanha, exercessem “forte pressão sobre Portugal no sentido da emancipação dos seus territórios africanos”. Os Estados Unidos deviam deixar de aceitar a recusa de Portugal em prestar informações à ONU sobre as suas colónias.
Logo após tomar posse, a administração Kennedy enviou, através do secretário de Estado Dean Rusk, instruções para o embaixador Elbrick informar Salazar que julgava “difícil e desvantajoso para os interesses ocidentais apoiar publicamente ou manter o silêncio sobre as políticas africanas dos portugueses” e que, doravante, os Estados Unidos iriam alterar a sua política de relativa “tolerância” ou de “neutralidade benevolente” para com o colonialismo português. Nesse sentido, a sua delegação nas Nações Unidas iria ser instruída para votar favoravelmente uma proposta da Libéria no sentido de agendar a questão de Angola para a próxima reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Kennedy desejava influenciar Salazar para empreender ajustamentos de vulto nas suas políticas e realizar uma série de reformas consideradas imperativas para o progresso político, económico e social das províncias africanas portuguesas em direcção à sua completa autodeterminação dentro de um prazo realista.
Estava definida oficialmente a nova política da administração Kennedy em relação a Portugal e às suas colónias. A 15 de Março de 1961 os Estados Unidos avançaram com a posição previamente definida e votaram favoravelmente uma resolução relativa à política portuguesa em Angola.
Nos meses seguintes, os americanos votaram favoravelmente diversas resoluções relativas ao problema em Angola e à política colonial portuguesa em geral.
Aos olhos dos responsáveis portugueses tratava-se de uma verdadeira inversão da política seguida até então pelos americanos, uma vez que, até muito recentemente, os Estados Unidos nunca tinham votado contra Portugal nas Nações Unidas.
John Kennedy (esquerda) e Salazar (direita) [AQ;DGARQ-TT-O Século]
Apoio dos EUA a Holden Roberto
Um dos pontos de fricção entre o Governo português e o Governo americano ao longo de 1961 foram os contactos frequentes entre os Estados Unidos e as organizações e líderes nacionalistas da África portuguesa, especialmente de Angola. Esses contactos foram particularmente intensos com a UPA, liderada por Holden Roberto. Este foi recebido no Departamento de Estado ainda antes do início da guerra, em Dezembro de 1960, e, posteriormente, em Dezembro de 1961. Foi igualmente recebido na embaixada dos Estados Unidos em Leopoldville (Fevereiro de 1961), e na delegação norte-americana junto das Nações Unidas (Março e Abril de 1961 e em Janeiro de 1962).
O apoio dos EUA a Holden Roberto foi também efectivado através de Israel, um aliado sempre fiel. A 19 de Maio de 1962 o jornal Evening Post noticiava o convite feito ao chefe da FNLA para visitar Israel e informava que se encontravam no país alguns dirigentes angolanos a receberem instrução militar.
Restrições ao apoio militar
Um outro sintoma da crise nas relações políticas e diplomáticas de Portugal com os Estados Unidos no tempo de Kennedy foi a nova política do Governo americano de venda de armas a Portugal. Esta política estipulava que os Estados Unidos não deviam autorizar a exportação comercial de armas para ambos os lados do conflito e que, simultaneamente, deviam fazer todos os esforços para se assegurarem que Portugal não estaria a desviar para África equipamento militar fornecido no âmbito da NATO. Os Estados Unidos consideravam que o envio de equipamento militar americano, fornecido no âmbito da NATO, para África, constituía uma violação do artigo primeiro do Acordo de Auxílio Mútuo para a Defesa, assinado em 1951 entre os dois países. Por isso foram retirados de Angola os aviões F-86 e foram substituídas as viaturas da família GMC que equipavam a Divisão SHAPE. Também foi recusada a venda de mil bombas napalm, de 200 morteiros, de helicópteros e de aviões de transporte.
A Índia: os americanos recusaram apoiar Salazar
Uma outra questão delicada no âmbito das relações luso-americanas em 1961 foi a ocupação militar de Goa, Damão e Diu pela União Indiana.
Desde Agosto de 1961 que Portugal procurava obter junto das autoridades americanas uma declaração oficial de que os Estados Unidos se oporiam a possíveis ataques por parte de Estados vizinhos das colónias portuguesas, tanto em África como na Ásia, mas os EUA informaram que não estavam em condições de garantir que o Governo indiano acataria as suas recomendações contra o uso da força. Por outro lado, mesmo que o Governo indiano não invadisse militarmente os territórios portugueses no subcontinente indiano, o problema essencial não ficava resolvido. E esse era, segundo os americanos, o problema colonial português, sobre o qual os Estados Unidos tinham vindo a fazer repetidas diligências desde a tomada de posse de John Kennedy.
Salazar recusou a proposta de Washington para que Portugal acertasse o passo com a comunidade internacional e, ao fazê-lo, assumiu a solidão num mundo hostil.
GMC
Viatura táctica pesada, de origem americana, de três eixos (6×6), dotada de um motor de seis cilindros a gasolina de 106hp, com rodados duplos à retaguarda, foi adoptada pelo Exército em 1952. Originalmente destinados à Divisão SHAPE, estes camiões foram depois desviados para Angola.
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