12/1968 -

Início da deslocação de populações da área destinada à construção da barragem de Cahora Bassa.

Cahora Bassa

A barragem de Cahora Bassa fazia parte de um plano integrado de desenvolvimento do vale do rio Zambeze, estudado e elaborado entre 1957/65 pelo Grupo de Trabalho para o Zambeze, que funcionou no Ministério do Ultramar, em Lisboa. A área de intervenção do plano estendia-se por 224 000 quilómetros quadrados (cerca de 27,7% da superfície de Moçambique), com uma população estimada em 3,755 milhões de habitantes (cerca de 25% da população moçambicana).

A barragem serviria uma tripla finalidade: produzir energia, servir de barreira à progressão da FRELIMO e mostrar a vontade de Portugal em permanecer em África. Mas, para atingir estas finalidades, era necessário construir a barragem e encher a albufeira. O que implicava deslocar as populações que habitavam na área.

A resistência das populações

As populações, ao serem retiradas dos seus locais tradicionais de habitação, reagiram à política de aldeamentos, aproveitando todos os pretextos para dificultar ou retardar os trabalhos inerentes à sua construção ou para os abandonar, regressando às suas aldeias. Muitos dos aldeamentos construídos à pressa e desleixadamente não possuíam as condições mínimas de vida que lhes permitissem constituir-se em “pólos de atracção”, ou mesmo apenas tornarem aceitável a sua permanência neles. Houve casos de populações que os abandonaram em massa e em Tete chegaram a registar-se casos de fome.

Estas condições dos aldeamentos desacreditaram o reordenamento que as autoridades administrativas pretendiam efectuar e a forma arrogante como estas conduziram as populações, com o desprestígio das autoridades tradicionais. Demonstra também a ausência deconsciência da importância do controlo das populações em situação de desequilíbrio pré-insurrecional como aquele que se vivia na região, onde a FRELIMO se implantava paulatinamente.

No decorrer do programa de deslocamento de populações, foi grande a tensão entre as suas entidades promotoras. O Gabinete do Plano do Zambeze (GPZ) realizava estudos morosos com vista ao restabelecimento das populações cujas áreas viriam a ficar submersas, o que incluía a identificação de zonas férteis, acesso a água e, também, considerações culturais. O Governo do Distrito de Tete e as forças de defesa e segurança, que dada a aproximação da guerrilha tinham urgência em concluir a construção de aldeamentos para impedir os contactos entre guerrilheiros e populações, não se compadeciam com a demora que os estudos do GPZ implicavam, mas militares e civis também não se entendiam entre si quanto à dimensão dos aldeamentos e condições de segurança.

Prevaleceu o critério das autoridades administrativas e militares, e a população da área abrangida, algumas dezenas de milhares de pessoas, foi “reordenada” em aldeamentos de localização determinada por critérios militares, impondo sobre estas comunidades rurais o duplo efeito negativo da concentração e do deslocamento, para além da exposição ao efeito da guerra que rapidamente se alastrou, particularmente intensa e internacionalizada nesta zona. Não tendo sido interlocutoras neste processo, tendo os seus chefes tradicionais sido marginalizados e as suas culturas desprezadas, era natural que as comunidades locais,
forçadas a uma adaptação radical, tivessem rejeitado a ordem colonial e apoiado a actividade política e militar da FRELIMO.