02/04/1970 -

Directiva de Spínola sobre o tratamento de capturados pelas Forças Armadas na Guiné.

Esta directiva de Spínola é a única conhecida de todos os chefes militares que definia normas e procedimentos para tratar os capturados, que eram formalmente cidadãos portugueses desde a abolição da lei do indigenato em 1961 e da integração do Acto Colonial na Constituição da República Portuguesa. Para além das regras definidas internacionalmente, não existiam normas específicas nas Forças Armadas para o tratamento de prisioneiros e o exercício da violência foi comum. A designação de “turra” era significativa. “Turra” era uma entidade estranha, semdireitos, responsável por todos os males dos portugueses e, quando capturado, servia de bode expiatório de todos esses males. Os termos usados na directiva surpreendem pela rudeza militar, nos antípodas da linguagem jurídica.

“1. Teve-se notícia de que em algumas Unidades se haviam recentemente cometido violências sobre capturados ou retidos, especialmente durante os interrogatórios a que foram submetidos, procedimento a que há que pôr termo de forma definitiva, ainda que para tal tenha de recorrer-se a medidas drásticas, sejam quais forem as consequências.

2. É imperioso que todos os Comandos se mentalizem, de uma vez para sempre, no conceito firme de que as injustiças sociais cometidas no passado estiveram na origem das motivações exploradas pela subversão (…) E sendo assim, é absolutamente necessário que, no caso particular dos capturados, as Unidades adoptem o princípio basilar de que é preferível não obter declarações úteis a obtê-las por métodos que, para além de comprometerem a sua validade, anulem e destruam a confiança que conseguimos inspirar nas populações.

3. Desta forma, impõe-se adoptar, em relação aos capturados, um procedimento que conquiste a sua colaboração espontânea, e os transforme em elementos preciosos não só do ponto de vista das declarações que nos prestam, como principalmente do testemunho que podem dar da imparcialidade, da justiça e do bom tratamento que lhes foi dispensado (…) serão responsabilizados criminal e disciplinarmente quaisquer Comandantes que cometam, ou consintam, ou simplesmente ignorem quaisquer violências cometidas contra detidos ou capturados, quer se trate de elementos In [do inimigo] armados ou simples suspeitos, ou contra quaisquer elementos da população, que deverão ser tratados em conformidade com as Leis do País.”