03/11/1971 -

Massacre de civis na região de Mucumbura, Moçambique.

Massacres

Durante os meses de Outubro e Novembro unidades de Comandos realizaram na região de Tete uma série de operações com a designação de Pilar.

Estas operações tinham por objectivo reunir populações da área para serem aldeadas. Durante uma das operações – Pilar 1 – uma unidade de Comandos foi emboscada perto de Mucumbura, na povoação de António, causando, na reacção, entre 15 e 25 mortos entre a população. Muitos dos sobreviventes refugiaram-se na Rodésia e a acção foi muito comentada pelos missionários de Mucumbura, que lhe deram publicidade internacional, contribuindo para o agravamento das já más relações entre parte da Igreja Católica de Moçambique e as autoridades militares.

O padre Joaquim Teles de Sampaio denunciou no Macúti, paróquia da Beira, o massacre de Mucumbura e foi preso juntamente com o seu coadjutor, padre Fernandes Mendes, após uma campanha conduzida pelo engenheiro Jorge Jardim, que os acusou nos seus jornais e rádios de desrespeito pela bandeira nacional.

Na origem da denúncia do padre Teles de Sampaio estavam os relatos dos missionários de Tete, jesuítas, comboianos, padres de Burgos.

Em Novembro de 1971, os padres Alfonso Valverde e Hernandez apresentaram ao conselho presbiterial da diocese de Tete provas de crimes cometidos por forças portuguesas contra africanos em Mucumbura. O conselho encarregou o padre Luís Costa da sua divulgação interna e internacional.

Em Dezembro de 1972 virá a ocorrer o massacre de Wyriamu. Neste caso, os missionários optaram por recorrer à grande imprensa mundial e o relato surge no The Times, no momento em que Marcelo Caetano se encontrava de visita oficial a Londres.

A maioria dos casos mais conhecidos de violência excessiva ou gratuita, das acções que ficaram conhecidos para a história como “massacres”, deve-se às tropas especiais e, na maioria dos casos, aos Comandos.

 

Porquê as tropas especiais?

Em princípio, as tropas especiais, as infantarias de assalto, pelo seu treino e mentalização, eram as menos adequadas para operações em ambiente de incerteza como as que se desenrolaram no Leste de Angola e na zona de Tete – elas foram criadas para assegurarem a parte violenta da resposta a uma situação subversiva, e não para servirem a componente político-diplomática, nem a económico-social.

As operações de “aliciamento”, de APsic, deveriam ser conduzidas, já que a administração não tinha qualquer capacidade para o fazer, pelas unidades de quadrícula, que eram conhecedoras do meio humano da região, mas os comandantes preferiram muitas vezes utilizar tropas especiais, que não tinham relações com o “meio”,
especialmente o “humano”, por razões de maior disponibilidade e, à medida que a instrução e o enquadramento das unidades regulares se degradava, também por razões de eficácia.

Esta razão de eficácia tinha como intenção evitar baixas elevadas nas tropas portuguesas, e teve como resultado provocar baixas excessivas nas populações.

Porquê os Comandos?

Além dos protagonistas dos actos de violência serem frequentemente unidades de tropas especiais, elas foram quase sempre dos Comandos. Ora, não sendo os Comandos constituídos por seres diferentes dos Pára-quedistas, ou dos Fuzileiros, a razão para este facto tem de se dever a outras causas.

A principal causa para este infeliz protagonismo não é a sua instrução, nem a sua selecção, mas sim a organização das suas unidades.

A organização dos Comandos

As unidades de Comandos eram constituídas por militares que, com excepção do comandante, pertenciam todos à mesma geração. Oficiais, sargentos e praças tinham todos aproximadamente a mesma idade, eram incorporados no mesmo ano, recebiam instrução em comum e, por um processo de cruzamento de afectividades, escolhiam-se uns aos outros.

Este processo de organizar as unidades dotava-as de grande agressividade e espírito de corpo. Também de grande ”performance” física, pois eram em média muito jovens (22/23 anos), mais jovens que as unidades de Pára-quedistas e muito mais jovens que as unidades de Fuzileiros.

Mas a juventude das unidades de Comandos tinha vantagens e inconvenientes. E o inconveniente era que nelas não existia o elemento moderador dos experientes sargentos profissionais das unidades de Pára-quedistas, nem a veterania geral dos Destacamentos de Fuzileiros, onde cerca de 50% do pessoal fazia mais que uma comissão de combate.

Para evitarem as reacções violentas e emocionais, as unidades de Comandos deveriam ter sido sujeitas a um período de requalificação e treino antes de serem lançadas em ambientes de dúvida, que exigiam um subtileza de actuação para a qual não tinham sido preparados.

Em Moçambique, que foi o teatro onde ocorreram os mais conhecidos actos deste tipo, os comandantes militares nunca quiseram utilizar as companhias de Comandos em operações enquadradas no Batalhão, pelo que aumentaram as probabilidades de descontrolo.