13/11/1972 -

“Conversa em família” de Marcelo Caetano criticando o alarmismo de alguns vizinhos de Moçambique e negando a possibilidade de negociações com os movimentos de libertação africanos.

Sempre a propósito da política colonial e da guerra, Marcelo Caetano falou sobre a reunião do Conselho de Segurança da ONU e sobre as relações com os países vizinhos, a África do Sul e a Rodésia.

Sobre a reunião do Conselho de Segurança disse, colocando a questão: “… parece que os estados africanos se propõem agora convidar Portugal a negociar com os terroristas a entrega das províncias ultramarinas. Já tenho explicado que a negociação é impossível”.

Logo de seguida adiantou, para os adeptos da autonomia e os preocupados com o impasse em que a guerra se encontrava:

“Estamos prontos para todas as conversas que tenham por objecto o regresso dos terroristas à sua terra e até ao estudo de aceleração da participação de naturais das províncias na sua administração e no governo local”.

E, para descansar os “ultras”, garantiu: “Mas ninguém pode esperar de nós a entrega de terras portuguesas a bandos reunidos para servir interesses alheios empregando a violência”. A técnica de dar uma no cravo e outra na ferradura, como nesta “conversa em família”, revela que Marcelo Caetano era muito melhor como manipulador de ideias e conceitos do que como político.

Esta importante “conversa” é uma das que melhor revela o jogo de sombras e contradições em que Marcelo Caetano e o regime se tinham envolvido a propósito da questão colonial. A continuação da guerra e o seu agravamento nos quatro anos que Marcelo Caetano levava de governo após ter substituído Salazar tinham acentuado desconfianças e dividido o regime. Marcelo Caetano era o chefe de um Governo, mas não o era do regime. Este desagregava-se num mundo de conspirações e ele não tinha qualidades para se impor. Restava-lhe o papel de mágico decadente, fazendo uma coisa com uma mão direita e outra com a esquerda.

É hoje sabido que Marcelo Caetano estabeleceu negociações com os ditos “terroristas” em 1973. Com o PAIGC em Londres, com o MPLA em Roma e com a FRELIMO em Lusaca, e que teve preparado, com o governador-geral de Angola, o seu fiel Santos e Castro, um plano de independência unilateral da colónia previsto para ser anunciado a 15 de Agosto de 1974.

É evidente que ele poderia sempre dizer a quem o quisesse acreditar que se tratava das tais “conversas” para os convencer a regressar à sua terra e a ocuparem um lugar na administração local!

Mas esta “conversa” tinha ainda como destinatários a África do Sul e a Rodésia, que ele tratou como “os nossos vizinhos” e que vinham demonstrando crescente preocupação com a incapacidade de Portugal controlar a situação da guerra, em especial em Tete.

Disse, a propósito: “Cahora Bassa continua. Mas alguns vizinhos com menos experiência não ocultam os seus temores e fazem com isso o jogo do inimigo. Já se lhes disse mais de uma vez que não têm razão para tamanho susto (…) a situação em Tete não é pior do que outras que temos conhecido e dominado…”

Este recado pretendia responder às pressões dos sul-africanos e rodesianos para Portugal intensificar o seu comprometimento na Aliança Alcora, dizendo-lhes que esse comprometimento português para criar um espaço de governo branco a sul do Equador iria ao ritmo que mais lhe conviesse – condicionado pelas negociações com os movimentos de libertação que estava a promover, com a participação nas instituições europeias, com a possível derrota militar na Guiné.

Estes cuidados de Marcelo Caetano relativamente aos “vizinhos” africanos não anulava o facto da situação de descontrolo em Tete ser pior do que a vivida em qualquer outro território (ainda não chegara o tempo da Guiné viver os ataques a Guidage e a Guileje) e pioraria em Dezembro, ao vir a público o conhecimento dos massacres de Wiriyamu.