31/05/1973 -
Abertura do I Congresso dos Combatentes, na cidade do Porto, que seria contestado, através de um abaixo-assinado, por cerca de 400 oficiais das Forças Armadas.
O I e único Congresso dos Combatentes do Ultramar decorreu no Porto de 1 a 3 de Junho em nome da “grandeza e unidade de Portugal” e os seus promotores apresentaram como ideia forte – “Não seremos a geração da traição”. A organização deste congresso teve como base alguns jovens, na sua maioria estudantes de Extrema-Direita, sendo que uns tinham acabado de cumprir o serviço militar em África, outros estavam mobilizados e que, tal como os seus colegas de Esquerda, pretendiam intervir no processo político português, mas tendo como objectivo a manutenção da estrutura colonial vigente. A maioria destes jovens tinham feito comissões em Angola, eram favoráveis às teorias integracionistas que consideravam estarem a ser traídas com a revisão da Constituição e com a nova Lei Orgânica do Ultramar e consideravam, pelo que tinham visto, que a guerra estava a ser vencida do ponto de vista militar. Para eles, faltava ganhar a retaguarda.
O congresso era, antes de mais, um aviso a Marcelo Caetano que, não tendo outra saída que não fosse apoiá-lo, tomou as suas cautelas para a reunião não surgir como uma manifestação extremista. Para controlar esta facção do regime envolveu os membros do Governo e promoveu, através de Sá Viana Rebelo, ministro da Defesa, a nomeação do prudente e respeitado general António Augusto dos Santos para presidente do congresso.
Ainda com a intenção de arrefecer os ânimos mais exaltados, foram os comandantes-chefes dos teatros de operações incentivados a enviarem delegações de militares, incluindo do Quadro Permanente, ao congresso.
Em Angola esteve constituída uma delegação e na Guiné, num primeiro momento, em Fevereiro/Março, no regresso de uma viagem a Lisboa, Spínola também estava disposto a enviar militares ao Porto.
O assunto do Congresso dos Combatentes tinha entretanto começado a ser discutido entre os oficiais do núcleo que daria origem ao movimento dos capitães na Guiné e que se reuniam no Agrupamento de Transmissões e no Grupo de Artilharia, sendo clara e cada vez mais ampla a oposição à participação no que aparecia aos olhos de todos como uma forma de pressão sobre o Governo para continuar a guerra.
Efectivamente, na Guiné viviam-se tempos favoráveis ao debate. Pelo seu clima, pelo seu tamanho, pela acção e propostas políticas de Spínola, pela guerra conduzida pelo PAIGC, de forma mais aberta ou mais reservada a contestação ao congresso floresceu e a reacção e repúdio dos oficiais do Quadro Permanente ao Congresso dos Combatentes do Ultramar transformou-se na primeira pedrada no charco, na Guiné-Bissau.
Em finais de Março, o grupo de oficiais mais próximos de Spínola, Almeida Bruno, Dias de Lima, Monge e outros, apercebeu-se da contestação e informou o general do descontentamento que se apoderou dos oficiais em geral. Spínola sentiu apoio para se desligar do congresso e transmitiu essa posição para Lisboa.
O grupo de oficiais “spinolistas” tomou a direcção da contestação, organizando dossiês para obter assinaturas de oficiais contra o congresso.
A Comissão Organizadora do Congresso mandou dois elementos de Lisboa a Bissau, o tenente-coronel Caçorino Dias, oficial de Cavalaria e deficiente de guerra, e o ex-alferes miliciano e monárquico Nuno Cardoso da Silva, para tentarem convencer os oficiais da Guiné da bondade do congresso e das vantagens da presença de uma delegação.
Numa longa reunião realizada na sede do Programa de Informação das Forças Armadas (PIFAS), os oficiais da Guiné expuseram a situação e a falta de sentido de defender as posições que estavam na origem do congresso. Como resultado desta discussão, Caçorino Dias demitiu-se da organização.
A movimentação com recolha de assinaturas entre os oficiais em serviço na Guiné, que veio a atingir 400, foi um excelente pretexto para os consciencializar e para os preparar para as contestações seguintes. No dia da abertura do congresso foi enviado de Bissau um telegrama assinado por Marcelino da Mata e Rebordão de Brito, os dois oficiais naturais da Guiné e condecorados com a Torre e Espada, a mais alta condecoração portuguesa e com o seguinte texto:
“Os oficiais do Q. P. em serviço no teatro de operações da Guiné não aceitam outros valores nem defendem outros interesses que não sejam os da Nação; Não reconhecem aos organizadores do I Congresso dos Combatentes do Ultramar, e portanto ao próprio Congresso, a necessária representatividade; Não participando nos trabalhos do Congresso, não admitem que pela sua não participação sejam definidas posições ou atitudes que possam ser imputadas à generalidade dos combatentes; Por todas as razões formuladas se consideram e declaram totalmente alheios às conclusões do Congresso, independentemente do seu conteúdo ou da sua expressão”.
Em Lisboa o descontentamento dos oficiais deu também origem a um movimento de contestação que foi encabeçado por Ramalho Eanes, Hugo dos Santos e Vasco Lourenço.
É curioso notar que na contestação desenvolvida na Metrópole se encontram na primeira linha oficiais que tinham feito comissões na Guiné. Na Guiné estava já criado o ambiente propício ao debate sobre a guerra, tema tabu do regime.
Num momento em que, sobretudo na Guiné, os confrontos se agravavam e o desgaste provocado pelo esforço de guerra se reflectia perigosamente no moral das tropas, aos olhos de muitos começava a ser óbvio que o Governo aceitaria mais facilmente uma derrota militar do que a cedência perante os movimentos de libertação. O espectro do caso da Índia era preocupante, temendo-se que, uma vez mais, as Forças Armadas fossem responsabilizadas pelos erros políticos do regime e pela sua estratégia colonial. A mobilização em torno da contestação ao Congresso dos Combatentes acabou por patentear um clima de mal-estar que se começava a instalar no interior das Forças Armadas e o elevado número de assinaturas reunidas em apenas alguns dias em Bissau e em Lisboa são disso um sinal incontestável.
Para camuflar o fracasso em que o congresso se transformara e para evitar expor o agravamento das fracturas no seio das Forças Armadas e do regime, Sá Viana Rebelo, ministro do Exército e da Defesa, proibiu a participação dos oficiais no activo. Com esta decisão transformou o congresso numa reunião ao nível das que a Legião Portuguesa costumava realizar.