09/07/1973 -

Carta de Marcelo Caetano a Kaúlza de Arriaga anunciando-lhe o fim da sua comissão em Moçambique: a carta fatal.

A carta de Marcelo Caetano contém uma crítica violenta e clara ao modo como ele exerceu o seu cargo:

“Reconheço a vantagem, para si, para Moçambique, para todos nós, em outra pessoa rever os conceitos e as tácticas da acção anti-subversiva em Moçambique”.

Solução Kaúlza – uma via destinada à derrota

O conceito de sobrevalorização daacção militar relativamente às outras componentes (baseando a decisão no diferencial de potencial de combate entre as forças regulares e as forças da guerrilha) foi empregue por vários generais europeus e americanos em conflitos de idênticas características, na Indochina, na Argélia e no Vietname. Mas Kaúlza de Arriaga será, porventura com os generais Carrasco e Hipólito, dos poucos generais portugueses que optou deliberadamente por ele. Ao contrário de outros generais que colocaram as suas forças a combater segundo os métodos e os princípios do inimigo, ele levou até ao limite a fé na superioridade das suas forças (e, porventura, da sua civilização e do seu próprio destino). A sua manobra, ou a solução Kaúlza de Arriaga, é a que mais se aproxima da dos franceses e dos americanos na Indochina/Vietname. Uma manobra militar convencional, exigindo grandes meios, em que as populações constituem uma preocupação menor e que pode ser sintetizada pelos seguintes factores:

  • Máxima ideologização do fenómeno das lutas anticoloniais, reduzindo-o a uma mera componente do conflito Leste-Oeste e da estratégia da URSS;

  • Sobrevalorização da acção militar, com a criação de grandes comandos específicos, uns para grandes operações em qualquer parte do território (COFI), outros para defesa de pontos fortes (CODCB);

  • Manobra militar de cariz convencional para conquista de objectivos no terreno e aniquilamento de unidades de guerrilha e intenso emprego de forças de assalto (intervenção);

  • Depreciação do papel das populações negras na manobra, quer das instaladas em zona de guerra, quer das que viviam ainda em zonas intermédias, passíveis de acção por parte da FRELIMO e das forças portuguesas, tomadas mais como elementos perturbadores da manobra do que como objectivo, o que foi particularmente visível na zona de Tete com o aldeamento forçado.

  • Separação dos seus objectivos relativamente aos das populações de origem europeia ou asiática e dos seus líderes, nomeadamente o engenheiro Jardim, que o colocou perante situações de facto (e aos governadores, diga-se), desenvolvendo uma estratégia própria, que de umas vezes o manteve à margem das suas acções, de outras o obrigou a segui-lo e quase sempre o deixou sozinho com as suas tropas.

  • Difícil relacionamento entre militares, civis e serviços de informações, o que limitou a acção política e político-social e a coordenação de esforços, que teve, entre outras, como consequência uma tardia concentração de comando militar e civil na zona decisiva de Tete e uma fraca capacidade de antecipação às acções do seu inimigo;

  • Emprego das suas forças preferencialmente em acções de reacção às acções inimigas e utilização de forças especiais africanas como forças regulares, limitando a sua eficácia.

Esgotamento de uma má solução

Sendo o mais político dos generais que comandaram teatros de operações, Kaúlza de Arriaga foi o que menos espaço e menos tempo concedeu à política para ela procurar soluções para a guerra. A sua acção, baseada na força, contra um movimento de libertação politicamente bem estruturado, que aumentava continuamente o seu potencial de combate e as áreas onde o empregava, conduziu-o a um ponto em que não lhe restava mais que exigir sempre novos reforços e apoios.

Mas em 1973 o seu crédito de promessas de vitória estava esgotado. Sucedeu-lhe um general de personalidade serena para limitar estragos e ganhar tempo, o general Basto Machado.