13/10/1973 -
Reunião entre Kissinger e Rui Patrício para negociações sobre a utilização da base dos Açores e o fornecimento de mísseis terra-ar redeye a Portugal.
“Estava então pendente, há longos meses, um pedido de Portugal aos EUA para o fornecimento de mísseis terra-ar Redeye, material cuja necessidade decorria de notícias que davam como altamente provável que, na Guiné, viessem a ser empregues meios aéreos contra as forças portuguesas. Mas o pedido havia sido recusado, invocando legislação aprovada pelas duas câmaras do Congresso, especificamente para serem aplicadas a Portugal.
É, pois, particularmente frio, nessa altura, o relacionamento entre os dois países. Assim, quando o ministro dos Negócios Estrangeiros de então, Rui Patrício, é abordado pelo encarregado de Negócios da embaixada americana, Richard Post, no sentido de Portugal autorizar a aterragem, na base das Lajes, de aviões de carga que transportam equipamento militar para Israel, a resposta inicial é negativa. Aliás, na linha de igual reserva de neutralidade que a maioria dos países europeus (incluindo a Espanha) adopta, face ao legítimo temor de que os países árabes, produtores de petróleo, reajam com um embargo ao fornecimento da preciosa fonte de energia.
Face à recusa portuguesa, o Governo americano volta a insistir no pedido, agora de forma mais persuasiva. O Governo português, perante a insistência, julga ser o momento de exigir algo em troca.
Resumidamente, pelo Governo de Marcelo Caetano são colocadas as seguintes condições para a satisfação do pedido (a contraproposta portuguesa foi enviada para a embaixada portuguesa, em Washington, ao fim da tarde de 12 de Outubro, sexta-feira):
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Garantias de auxílio em caso de retaliações;
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Garantias sobre a não aprovação de legislação anti-portuguesa pelo Congresso dos EUA;
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Garantia de maior tolerância relativamente à política portuguesa no Ultramar;
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Execução escrupulosa do acordo sobre os Açores;
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Fornecimento dos mísseis Redeye.
A réplica americana, dirigida ao chefe do Governo português, chega no dia seguinte e é bem o tipo de “proposta irrecusável”:
“Caro Senhor Primeiro-Ministro: Este é um momento difícil para a paz mundial e para as relações entre Portugal e os Estados Unidos. O que nós estamos a fazer visa contribuir para o fim das hostilidades e para uma paz durável no Médio Oriente, mas precisamos da vossa cooperação. O nosso encarregado de Negócios explicou o que requeremos. Não podemos estar agora a regatear convosco na base de hipotéticos resultados que poderão advir da vossa cooperação.
Não podemos providenciar-vos as armas específicas pedidas pelo vosso Ministro dos Negócios Estrangeiros. Se forem ameaçados pelo terrorismo ou por um boicote de petróleo em resultado da vossa ajuda à paz mundial, estaremos dispostos a consultas bilaterais sobre as medidas que juntos poderemos tomar. Eu ficarei muito grato pela sua reflexão pessoal e cuidadosa acerca do que lhe exponho e do nosso problema comum. Sabe que o tempo é importante para ambos. Devo dizer-lhe com toda a franqueza, senhor Primeiro-Ministro, que a sua recusa em ajudar neste momento difícil forçar-nos-á a adoptar medidas cujos efeitos não podem ser outros senão os de melindrar a nossa relação. Se tivermos de procurar rotas alternativas, isso será um factor a recordar caso as contingências a que se refere o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros se verificarem (o MNE português aludira à questão da possibilidade de a proclamação da independência das chamadas “zonas libertadas” da Guiné-Bissau poder levar a um pedido de admissão do novo Estado nas Nações Unidas). Faço-lhe este pedido a si, pessoalmente, senhor Primeiro-Ministro. As melhores saudações. Sinceramente. Richard Nixon.” ( conforme publicado em Os Americanos e Portugal, de José Freire Antunes, pp. 258-259).
A resposta do Governo português, enviada para Washington ao começo da noite do mesmo dia (sábado, 13 de Outubro), quando os primeiros aviões americanos já vinham no ar, é do seguinte teor:
“Caro senhor Presidente: Recebi a sua mensagem e fará ideia da enorme responsabilidade que a resposta implica para mim numa ocasião em que me é impossível consultar os representantes dos órgãos constitucionais do país ou até os meus conselheiros pessoais e em pleno período eleitoral. Por outro lado, o risco que a decisão implica obrigaria em rigor a consultar também os países com os quais temos pactos de defesa, nomeadamente a Espanha. Vejo porém que o seu apelo é formulado em termos de extrema necessidade e não quero forçá-lo às medidas violentas que ele deixa supor. Nessas condições, vou instruir o meu Governo no sentido de autorizar a passagem dos aviões americanos, confiado na palavra de Vossa Excelência em que o meu país não ficará sem defesa no caso de prováveis consequências graves desta decisão. Sinceramente. Marcello Caetano” (Idem, p. 259).
De facto, quando o Governo português autorizou, em 13 de Outubro de 1973, a utilização da base das Lajes para reabastecer os aviões de transporte americanos com material destinado a Israel, durante a guerra de Yom Kippur, Rui Patrício insistiu com Kissinger para a obtenção de mísseis terra-terra e terra-ar, com prioridade para estes últimos (tipo Redeye), indispensáveis para a defesa da Guiné. Já depois dos acontecimentos, em 9 de Dezembro, o secretário de Estado: